Nos 2 mil m2 da área de estoque da sede do Clube do Malte, em Curitiba (PR), estão caixas e mais caixas com cervejas de perto de 20 países. Alemanha, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Inglaterra, Japão, México, República Tcheca… Não é um tempo fácil para que cheguem aqui, de navio, após desembaraço em seus nascedouros, documentação de certificado de origem, batalha naval contra a crise do transporte marítimo e de contêineres, inspeções de itens individuais de lotes no Brasil para ver se chegaram bem, etiqueta de importação e, finalmente, entrada no clube. É mais fácil acessar o site, preencher seu pedido e esperar alguns dias para chegar em casa, não? O negócio da maior plataforma de cervejas artesanais do Brasil se beneficiou com a pandemia. Mais pessoas em casa. Mais momentos para beber. Mais oportunidades para experimentar e expandir o paladar, já que são cervejas com aroma, sabor, e não uma pilsenzona de volume, a cerveja aguada do churrasco de anos atrás. O Clube do Malte cresceu 45% em 2020 em relação ao ano anterior e a expectativa é que feche 2021 da mesma forma, mas com planos entusiasmados do fundador e CEO, Douglas Salvador. “Com clientes apaixonados pelo produto e assinantes, com vantagens exclusivas, queremos criar pontos de venda físicos”, afirmou ele à DINHEIRO, segurando uma latinha de energético polonês Blu, sabor Mojito, com hortelã e limão. Como?! “Isso é muito bom! Não tem álcool. Comprei uma caixa no Paraguai!” A cervejada fica para o final do dia, durante brainstorm para analisar dashboards de resultados e papo informal. O pessoal gosta. Não duvidamos.

DESENVOLVIMENTO ORGÂNICO Nada mais palatável em relação ao novo objetivo das lojas físicas: com a diminuição do enclausuramento com a pandemia, o comprador vai poder ir até a loja, adquirir o que quer e levar pra casa ou ir com amigos e provar algumas antes de encher uma caixa. Na hora, sem esperar pelos Correios. E os primeiros a apreciarem isso serão os paulistanos e curitibanos. A empresa adotou caminho um pouco diferente da cartilha convencional de expansão. Desenvolveu inicialmente um crescimento orgânico e em 2020 fez uma primeira rodada de investimentos, abrindo 5% do negócio. “Já estamos dentro de uma comunidade cervejeira, então fizemos a captação assim, como crowdfunding.” Atraíram com isso 642 acionistas e cerca de R$ 1,5 milhão. Uma segunda rodada vai acontecer agora, no final do ano. O objetivo são R$ 3 milhões, sendo R$ 1 milhão para as lojas físicas e o restante para a expansão da comunidade.

Mas como seriam essas lojas? Bom, nada de sommelier atendendo, de nariz em pé, dizendo o que é certo ou errado. Segundo Salvador, serão lojas pequenas, com capilaridade, operação simples, preço justo, modelo de conveniência e foco nas marcas próprias, como a Underground. O Clube do Malte já tem dez anos e acredita que possui uma consolidação de marcas, não havendo a necessidade de um especialista em uma loja. O assinante do clube não só tem prioridades de preço, mas um curso on-line gratuito sobre 36 estilos de cerveja, uma revista própria que está em sua 100ª edição e o que aparece no cardápio virtual da loja já é uma espécie de curadoria. A vantagem do preço pode ser exemplificada com uma Orval: feita num mosteiro trapista na Bélgica que só fabrica um estilo, o comprador avulso paga R$ 42,90, enquanto o sócio paga R$ 29,90. E o desconto é para sempre.

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O Clube do Malte é aquele negócio autoproclamado pequeno, mas grande em número de seguidores fiéis, mais de 10 mil. Nos últimos anos a parte dedicada a cervejas importadas e artesanais criou uma situação inusitada nos supermercados em que é mais fácil você achá-las em grandes seções do que as tradicionais, relegadas a cantos. Houve uma gourmetização do paladar brasileiro, não é um exagero. “Foi o que aconteceu com o mercado de vinho nos últimos 20 anos. Fomos invadidos por produtos de Argentina, Chile, Espanha, Portugal. No caso das cervejas, basta ver o portfólio da Ambev: Beck’s, Corona, Colorado, Patagonia, Spaten”, afirmou Salvador. As artesanais crescem ano a ano e um estudo do Ministério da Agricultura mostra que em 2020 atingimos 2 mil cervejarias. Dez anos atrás não eram nem 100.

A estratégia do Clube do Malte para não perder a maré conquistada na pandemia é o investimento na comunidade — 70% do negócio é assinatura e 30% a venda spot. O crescimento em 2021 está projetado para os mesmos 45% de 2020. Há certa resiliência a produtos dessa gama, mesmo com o cenário macroeconômico incômodo, poder de compra caindo, pressão inflacionária e, no caso deles, a concorrência com a reabertura de varejos físicos. “Foi um crescimento que se sustentou”. Suspiro e abra-se uma cerveja.