Com a encenação midiática típica de quem quer mostrar serviço, o governo gastou os últimos dias apresentando um pacote de socorro financeiro a empresas e pessoas físicas que peca no essencial: fazer chegar os recursos na ponta de quem realmente precisa. Tome-se, por exemplo, o caso das linhas de crédito previstas para serem lançadas em favor das chamadas micro, pequenas e médias empresas. A bolada de dinheiro parece generosa, mas, na prática, corre o risco de ficar, digamos, “empoçada” nas mãos das instituições financeiras. E o motivo é simples: as regras de empréstimos, rígidas por natureza, impõem uma quantidade tão absurda de exigências para a liberação aos tomadores que boa parte deles desiste antes mesmo de se habilitar ao contrato. Por outro lado, a promessa de juros convidativos, mais baixos do que os habituais, sinalizada pela equipe econômica soou como uma quimera. O sistema financeiro, nesses dias de pandemia, automaticamente remarcou para cima as taxas dentro de um conceito corriqueiro de risco. Bancos por natureza têm aversão ao risco. Aplicam contra ele o famigerado “spread”, que é a diferença entre a selic e a taxa real oferecida ao tomador. Não adianta o governo por decreto ou medida de lei impor que os valores serão mais baixos do que normalmente acontecem. Sem combinar com “os russos”, nada feito. A frustração e gritaria do empresariado contra essa realidade foi grande. Muitos se sentiram enganados pelas autoridades monetárias. O desafio do Banco Central, em meio à pandemia, têm sido injetar efetivamente liquidez no mercado. Fazer fluir quase R$ 1,2 trilhão anunciado para que empresas e famílias sejam beneficiadas. A pergunta que não quer calar e que segue sem resposta: quem vai se habilitar a assumir o risco de calote em eventual cenário de recessão que espreita ali na frente? É evidente que as organizações privadas, e mesmo as públicas, não querem ficar com esse encargo e seguem adotando os procedimentos de praxe para fugirem da ameaça. Especialistas apontam que é crucial resolver esse impasse, sob o risco de que toda a mobilização econômica anticrise vá por água abaixo. As companhias, daqui para frente, até por paralisia de suas atividades em meio ao isolamento, vão faturar pouco ou quase nada. Estão com escassez de caixa — e não decorrente diretamente de sua inabilidade nos negócios. É nesse momento que o Estado tem de intervir favoravelmente com atitudes efetivas, que vão além de meras promessas. Do contrário, a onda de quebradeira se estenderá por meses, ou até anos, paralisando e comprometendo seriamente a capacidade do parque fabril nacional. Como imaginar que o PIB voltará a subir nesse cenário de terra arrasada?