Não é à toa que todo candidato à reeleição sempre pareceu ter vida mais fácil que seus concorrentes de pleito. Quando há uma máquina funcional e uma caneta na mão, o caminho torna-se minimamente menos tortuoso na busca por votos. E se essa é uma prática comum em todos os governos, foi na gestão de Jair Bolsonaro que tomou uma dimensão ainda maior. Antes do primeiro turno, formas de controlar a inflação artificialmente e reduzir o preço do combustível aconteceram com alguma frequência, mas era difícil cravar o objetivo unicamente eleitoreiro da ação. Na largada do segundo turno essa relação ficou mais evidente. Em 19 dias após o primeiro turno foram nove medidas econômicas com público-alvo claro. Mulheres, famílias mais vulneráveis, microempreendedores. Categorias de eleitores que estavam se afastando do Messias. E essa metralhadora de bondades, envolvendo crédito consignado para classes D e E, antecipação de pagamentos, financiamento com FGTS futuro e antecipações de pagamentos para dias antes do segundo turno, não custou barato.

Pelas estimativas levantadas no Portal da Transparência seriam necessários ao menos R$ 3,61 bilhões para cumprir as nove medidas, com parte dessa conta caindo no colo do próximo presidente. Isso tudo sem contabilizar a chance de parte das medidas ter potencial para criar um problema de endividamento e inadimplência generalizado que começaria a ser sentido no mesmo momento em que se espera uma desaceleração econômica mundial e a alta da Selic no Brasil a ter um efeito mais preponderante no ritmo da atividade. Na versão do fique-em-casa-a-economia-a-gente-vê-depois, que Bolsonaro tanto criticou, ele lança o assine-o-cheque-o-rombo-no-orçamento-a-gente-vê-depois.

Com essa premissa muita coisa já deu errado no Brasil. Mas fiquemos no hoje. Das nove medidas anunciadas, algumas têm um potencial maior que o rombo no Orçamento, que é o comprometimento da renda da base da pirâmide social e o endividamento. São pelo menos três com essas características: o consignado usando o Auxílio Brasil, o uso do FGTS antecipando meses trabalhados no financiamento imobiliário e, com menos impacto, o crédito para empreendedoras mulheres. Na opinião de Sérgio Cardoso, professor de economia da Universidade de Brasília e consultor da Comissão de Finanças e Orçamento do Senado, essas medidas são problemáticas. “Você acaba empurrando o cidadão a dar um passo maior que as pernas. São grandes as chances de se endividar nesse cenário”. Segundo o professor, o cenário citado envolve uma contração econômica esperada para 2023. “Haverá uma desaceleração da atividade econômica no mundo, e o Brasil vai sentir. Isso tudo com a Selic começando a travar o crescimento do PIB”, disse ele.

E os três programas de crédito se dão dentro da Caixa. Um banco público. Só no consignado do Auxílio Brasil, entre 11 e 17 de outubro, foram firmados 700 mil contratos. Segundo o banco, há R$ 1,8 bilhão disponível para este fim. O empreendedorismo feminino tem outro R$ 1 bilhão reservado. Com relação ao FGTS, o plano é turbinar o Minha Casa Verde e Amarela, com a possibilidade de contabilizar no financiamento do imóvel os próximos meses do emprego. Nessa modalidade só entram famílias com renda mensal de até R$ 2,4 mil. O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Regional, Melillo Lopes, explicou que o programa funcionará assim: “Uma família que tem renda para financiar R$ 500, mas precisa de R$ 600. Agora ela vai poder utilizar o crédito futuro para fazer a complementação e acessar esse imóvel que essa família não conseguiria sem essa medida.”

COFRES PÚBICOS Saindo das dívidas da população e partindo orçamento público, mais gastos. Os maiores são a ampliação do Auxílio Brasil (que eleva o custo em R$ 300 milhões ao mês com a entrada de 500 mil famílias no programa). Também houve antecipação do pagamento para antes do segundo turno ( que puxa R$ 450 milhões para outubro). Há ainda os gastos com o 13º para taxistas, aumento do cadastro de caminhoneiros e amlpliação do vale-gás, com custo de R$ 3,5 milhões só esse mês. E se há dúvidas sobre o que acontecerá, dicas. A Instituição Fiscal Independente (IFI) fala em um rombo de R$ 103 bilhões se for mantida a turbinada no Auxílio Brasil em 2023.

No tapa aqui, descobre ali, o Ministério da Economia informou o bloqueio adicional de R$ 2,63 bilhões no orçamento, segundo informações da equipe economica. Como se não bastasse, na tentativa de segurar o dólar antes da eleição, o governo tem articulado a queima de reservas, que no dia 19 estavam no menor patamar desde 2011, somando US$ 326 bilhões (US$ 12 bilhões a menos que em setembro). Uma lambança na corrida eleitoral que não é nova, mas nunca foi tão evidente.

Em tempo recorde

1 – Auxílio Brasil: Quem entra: 500 mil novas famílias. Objetivo: Elevar o programa, em especial nos rincões do País. Risco: Capacidade do governo para arcar com a despesa sem nova fonte de receita.

2 – Antecipação do Auxílio Brasil: Quem entra: beneficiários do Auxílio Brasil e caminhoneiros. Objetivo: Sem explicar, governo pagará no sábado (22). Risco: Antecipação de dividendos da Caixa que farão falta em 2023.

3 – Crédito para PMEs: Quem entra: Empresários terão juros de 1,24% na Caixa. Objetivo: Dar tração de investimento e movimentar a economia. Risco: Não há risco maior sobre um financiamento normal.

4 – Renegociação de dívidas: Quem entra: Pessoas endividadas em qualquer modalidade com a Caixa. Objetivo: Dar espaço na renda familiar. Redução vai até 90%. Risco: Em linha com outros programas de renegociação.

5 – 13º para taxistas: Quem entra: Motoristas que já receberam o auxílio. Objetivo: Garantir R$ 1 mil (antes da eleição). Risco: Ação não segue em 2023, e tem efeito pontual no Orçamento do governo.

6 – Consignado do Auxílio Brasil: Quem entra: Beneficiários do programa. Objetivo: Escoar dinheiro na economia. Até quarta (19) foram liberados R$ 1,8 bilhão. Risco: Grandes chances de endividamento e inadimplência.

7 – Cadastro único: Quem entra: Famílias que perderam o tempo do cadastro. Objetivo: Elevar em pelo menos 100 mil famílias beneficiadas. Risco: Fraudes e entradas indevidas no programa.

8 – Recurso para empreendedoras:Quem entra: Mulheres que se tornarem MEI terão crédito de R$ 1 mil. Objetivo: Nova linha de crédito da Caixa terá R$ 1 bilhão. Riscos: Inadimplência e fraudes na obtenção dos recursos.

9 – Liberação de FGTS: Quem entra: Famílias que recebem até R$ 2,4 mil. Objetivo: Destravar crédito imobiliário e estimular a construção. Riscos: Endividamento com crédito de fonte incerta.