O primeiro contato de Elfriede Galera com o Outubro Rosa foi em 2010, seis meses após o diagnóstico de câncer de mama metastático, quando tinha 54 anos. “Me senti muito mal, tanto que não participei de nada, porque não me sentia representada. As pessoas não entendiam que eu não tinha cura”, conta.

Foi só em 2013 que ela se encontrou nas atividades propostas pelo movimento. “Descobri um instituto que estava fazendo um encontro de mulheres com câncer metastático. Diziam que eu tinha de ter foco, fé na cura, mas eu falava que tinha de ter foco na vida”, relembra.

Anualmente, o mês de outubro se destaca para conscientizar a sociedade sobre o câncer de mama. Com um discurso mais voltado para a prevenção – no sentido de fazer exames periodicamente para diagnóstico precoce, cuidar e conhecer o próprio corpo – e exemplos de mulheres que foram curadas, os casos metastáticos ficavam isolados do debate.

Para as mulheres com esse tipo avançado da doença, no qual há tumores em outros órgãos, existe um sentimento de culpa. “Eu fico muito chateada porque parece que eu não me cuidei, que não fiz o que tinha de ser feito e isso não é verdade. Quando descobri um tumor pequeno, fui ao médico na mesma semana, comecei a fazer exames, fiz cirurgia, quimioterapia e, dois anos depois, voltou metastático. Mas eu fiz tudo como tinha de ser feito”, relata Jussara Del Moral, de 54 anos.

Ela foi diagnosticada com câncer de mama em janeiro de 2007, fez cirurgia para retirar a parte afetada, quimioterapia e radioterapia. Dois anos depois, veio o diagnóstico de metástase nos pulmões.

Engajada nas campanhas do Outubro Rosa, Jussara reconhece a importância do movimento, vai a eventos e dá palestras. No entanto, só há cerca de três anos, segundo ela, as pacientes com câncer de mama metastático tiveram visibilidade. “Entenderam que é preciso haver conscientização para quem teve câncer”, diz. O alerta também vale para as mulheres que já se curaram, pois há possibilidade de recidiva, ou seja, retorno da doença.

A psico-oncologista e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, reforça a necessidade dessa abordagem. “A gente precisa conscientizar as mulheres. O número do câncer não para de crescer no Brasil e mais da metade [das mulheres] descobre [o câncer] no estágio avançado. O Oncoguia aproveita o Outubro Rosa para mostrar que as mulheres que têm câncer podem viver com qualidade de vida, e há outras informações a que elas precisam ter acesso”, explica a especialista.

Cerca de 60 mil mulheres recebem o diagnóstico de câncer de mama todos os anos, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Dessas, 30% terão metástase. Luciana pontua que, quanto mais histórias de mulheres que convivem com a doença, melhor. “Apesar das fases de medo e insegurança, tocar a vida mais normal é possível mesmo em estágio mais avançado e tudo isso, pegando carona no Outubro Rosa, dá luz para essas pacientes”, diz.

As histórias diversas também importam do ponto de vista psicológico, pois as mulheres com câncer metastático são mais abaladas emocionalmente, segundo a especialista. “Isso precisa ser cuidado. Ela precisa ter clareza e conversar com o oncologista para ver o que é tristeza e o que é depressão, para ser detectada precocemente”, afirma Luciana.

Embora alguns tipos de câncer metastático tenham cura, a maioria não tem. Mas nem por isso elas se abalam. Quando foi diagnosticada com metástase após dois anos curada, Jussara passou a fazer hormonioterapia. “Foi legal para mim, eu tinha uma chance a mais de tomar uma droga para combater o câncer de mama”, afirma.

Elfriede reforça a necessidade de se falar sobre câncer e fazer os exames. “Quando você recebe o diagnóstico, tem possibilidade de tratamento”, diz.

Outubro além do rosa

Foi pensando na necessidade de falar e acolher quem está em fase de tratamento do câncer que foi criado o Coletivo Pink, um projeto da Pfizer junto a diversas ONGs especializadas no tema.

A proposta está amparada na opinião das próprias mulheres com câncer metastático. Segundo pesquisa do Instituto Provoker a pedido da farmacêutica, elas tendem a preferir os encontros presenciais com outras pacientes (47%) aos grupos virtuais (18%) para compartilhar experiências.

“Eu acho muito importante essa rede de apoio que a gente faz, vai aprendendo e descobrindo juntos. A chance de ser entendida ao falar com outra pessoa que tem câncer é muito mais real. Por mais que a família acolha e amigos estejam juntos, eles não falam a mesma língua”, diz Jussara.

Segundo Eurico Correia, diretor médico da Pfizer, “o dado foi surpreendente porque existem hoje diversas formas de comunicação digital, grupos de apoio sobre diversas doenças”. Ele conta que o Coletivo Pink “é um espaço de confraternização. Há o momento de informação, com questões gerais sobre a origem da doença, e de mostrar que existe uma história a ser contada, de viver bem mesmo depois do diagnóstico”.

Com oficinas de ioga, preparação de alimentos, automaquiagem e árvore de recados, o local fica aberto quinta-feira e sexta-feiras para pacientes e familiares, e sábado e domingo para o público em geral. O casarão – todo rosa – fica na Rua Bela Cintra, 954, na região central de São Paulo e vai funcionar até o dia 27 deste mês.

Estereótipos

Jussara, que comanda o canal SuperVivente no YouTube a fim de ajudar nesse acolhimento a pacientes, critica alguns termos utilizados em campanhas do Outubro Rosa. “Algumas mostram pessoas que são vitoriosas, guerreiras (por terem vencido o câncer). Esses adjetivos me incomodam um pouco. As que continuam com câncer também são guerreiras, mas não têm opção, não têm escolha”, diz.

Para ela, as campanhas de conscientização do câncer de mama são fundamentais, e hoje ela se sente representada, mas acredita que “tem de ficar explícito que não existe alguma coisa que evita o câncer. O que tem de ser mudado é a mentalidade”, diz.

Outra questão que Jussara levanta é a cobrança imposta às mulheres diagnosticadas com a doença. “Falam ‘não chora, tem de ser forte, não tenha medo’. Sou muito corajosa, mas não sou destemida. Continuo tendo medo, porque tenho câncer e posso ter mais metástase do que já tenho”, conta. Nesses momentos, o apoio da família, dos amigos e de pessoas que passam pela mesma situação é importante para o avanço do tratamento.

Apoio familiar

De acordo com a pesquisa encomendada pela Pfizer, 61% das mulheres com câncer metastático citam as reuniões familiares como fonte de suporte emocional. Quase um terço delas (29%) aponta o marido/parceiro como representante desse apoio, seguido por filhos (28%) e mãe (19%). Mas quem acompanha a trajetória delas também é afetado, indiretamente, pela doença e precisa de ajuda.

Elfriede relata que, certo dia, esperando para fazer quimioterapia, perguntou a um homem, que segurava a bolsa de uma mulher, como ele estava. “Ele começou a chorar. Falou que estava chorando de tristeza, porque fui a primeira pessoa a perguntar como ele estava. A esposa dele fazia tratamento há quatro anos e ninguém nunca tinha perguntado como ele estava”. Por isso, também, o Coletivo Pink recebe quem acompanha as pacientes no dia a dia.

Além de divulgar informações sobre o câncer durante todo o ano, Elfriede também atua com os “filhos do câncer”, jovens cujas mães, avós, parentes têm a doença e precisam conversar e tirar dúvidas. O suporte vai desde o diagnóstico até, eventualmente, a morte da paciente e se estende para depois a fim de que a perda seja menos sofrida.

A psico-oncologista Luciana destaca a importância desse apoio e acolhimento para as mulheres com câncer. “A paciente mais otimista, equilibrada emocionalmente, se beneficia de tudo, o tratamento transcorre mais leve e ela lida de forma mais tranquila com os efeitos colaterais”, diz.

Projeto em transformação

Elfride já contou à reportagem sobre o barco que construiu com o marido, um sonho antigo. Sem poder realizá-lo por completo – dar a volta ao mundo ficou distante devido às sessões semanais de quimioterapia -, eles aprimoraram o projeto. Agora, vão convidar mulheres em fase de tratamento que queiram conhecer o veleiro a passar um fim de semana a bordo.

“Mudei o projeto todo a pedido de mulheres que queriam conhecê-lo. Ela irá com um acompanhante para velejar de Ilha Bela a Angra dos Reis”, conta. Para ser mais seguro, um médico estará no barco também, e a mulher vai dormir em hotel. A paciente não terá despesas, uma vez que o projeto será custeado por um financiamento coletivo.