Uma coisa impensável há dez anos aconteceu em outubro. Uma empresa de energia eólica e solar passou, em valor de mercado, uma petroleira. Estamos falando da novata NextEra e a ExxonMobil, que tem origem centenária. A inversão de valores, mais do que quebrar um paradigma, mostra que o mercado está de olho no futuro. E ele é verde, renovável e sustentável. Nesse quesito, o Brasil poderia nadar de braçada. estudos da Universidade Oxford colocam o Brasil como o país com maior potencial para geração de energia eólica e solar no mundo. Perdendo apenas para áreas tão remotas que tornariam inviável qualquer operação. Os números indicam que, caso houvesse uma forte ação do governo para atração de capital, empresas estrangeiras poderiam direcionar recursos na ordem de R$ 200 bilhões em dez anos na economia brasileira.

Para isso, no entanto, seria urgente que as regulamentações do mercado fossem revistas, aproveitando, inclusive, a desvalorização do real e oferecendo incentivos para desenvolvimento de pesquisas. O petróleo continua sendo nosso, mas o sol e o vento também são.Segundo David L. Kynaston, pesquisador responsável pelo estudo e professor da Universidade Oxford, a questão da energia renovável deixou, há alguns anos, de ser um discurso ambiental e virou essencial para a manutenção do capitalismo.

“É evidente que estarão à frente nessa corrida pelo sol e vento os países e governos que abrirem seus mercados”, disse, em entrevista à DINHEIRO. Sobre o Brasil, o pesquisador reafirmou o potencial. “A título de comparação – pois sei que seria inviável executar algo assim – o Brasil tem potencial de abastecer 100 vezes sua população apenas com energia solar e eólica.” Em seu levantamento, as regiões Norte e Nordeste são os destaques por poder gerar energia solar durante o dia e eólica durante a noite. “Mas não basta apenas que um empresário deseje se instalar. É necessário que o governo crie condições para atrair este capital.”

GERAÇÃO DE RIQUEZAS Com o fomento das energias solar e eólica, o Brasil pode se tornar referência mundial em pesquisa e uso de energias renováveis e não poluentes. (Crédito:Divulgação)

De fato os entraves para geração de energia no Brasil são muitos e não estão melhorando. Com a economia reticente, em meio a uma pandemia mortal e com um presidente doando muito de seu tempo à pormenores. O advogado Emerson Lisboa, conselheiro independente no desenvolvimento do programa de entrada de três empresas de energia no mercado brasileiro, conta que os impasses são imensos. “O interesse de empresas de energia no Brasil é notório, mas não há regulamentação estruturada que dê a esses grupos mais estabilidade jurídica”, afirmou. Ele cita desde a falta de explicações em inglês sobre como funciona o mercado até a insegurança jurídica sobre como se dão os leilões. “Tudo isso afasta o investidor.”

O ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque já deixou claro suas prioridades. “Nós queremos capitalizar a Eletrobrás.” O plano de levar à iniciativa privada a estatal de energia tem sido obsessão no ministério desde o governo Michel Temer, mas apesar de resolver parte do problema financeiro do governo, não isenta a União de resolver questões legais e de incentivo. Para Lisboa, é urgente a necessidade de “tornar mais clara a legislação, que muitas vezes varia de estado para estado, e mostrar quais são os benefícios fiscais”. Tais benefícios, inclusive, estão sob risco de corte em análise no ministério da Economia.

NADANDO CONTRA A MARÉ Apesar dos entraves, o campo brasileiro para geração dessas energias é latente e atrai empresários. O presidente da Neoenergia, Mario José Ruiz-Tagle Larrain, confirmou que a empresa do setor elétrico está analisando as oportunidades do potencial eólico offshore brasileiro para aproveitá-lo com aerogeradores de mais de 10 MW. Os projetos, ainda em estágios preliminares, envolvem energia eólica offshore no Ceará, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. “Existem 3.000 MW de capacidade de desenvolvimento em cada uma das áreas. Temos muito o que trabalhar, mas com certeza há uma oportunidade”, disse o executivo, estimando que alguns projetos poderiam sair do papel, em caso de viabilidade, entre cinco e dez anos.

Dida Sampaio

“Nossa prioridade, desde o começo do mandato, é capitalizar a Eletrobras e avançar com a privatização” Bento Albuquerque Ministro de Minas e Energia .

Entendendo o próprio potencial, o governo estadual do Ceará tem se movimentado. Em setembro o governador Camilo Santana assinou memorando de entendimento com a chinesa Mingyang Smart Energy, para a instalação de uma indústria de aerogeradores para parques eólicos no oceano. No último dia 19 o vice presidente da multinacional chinesa, Larry Wang, foi ao Ceará para definir detalhes da instalação da fábrica no Complexo do Pecém. Segundo o secretário estadual do Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Francisco de Queiroz Maia Júnior, o governo local agiu rápido para “criar condições para atrair empresas que produzem energias renováveis”. Ele cita que há hoje quatro projetos entre a fase de viabilização e instalação de parques eólicos no estado. Juntos, estão orçados na ordem de R$ 20 bilhões.

Quem também pode aproveitar os ventos e o sol é a região Amazônica. Conhecida pelo potencial de usinas hidrelétricas, a região tem o mesmo nível de atratividade para gerar energia solar. Hoje o Amazonas tem 370 MW de geração por sistemas fotovoltaicos, cifra que pode escalonar em pouco tempo. Segundo o secretário adjunto da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Hélvio Neves Guerra, o governo leva em consideração que a matriz energética brasileira mudará nas próximas décadas, obrigando a Amazônia a rever seu posicionamento. “Em 2029 esperamos que o parque hídrico do país tenha sua participação na matriz energética reduzida dos atuais 64% para 49%. Isso exige planejamento para que tudo seja feito da melhor forma para os empresários, consumidores e meio ambiente”, disse. O secretário enaltece a capacidade do governo brasileiro de estimular novos negócios, o que parece não ecoar no mundo real. Para Guerra, o Brasil é hoje um dos países com maior oferta de sol e vento. Ele está correto, mas é preciso saber usá-los.