Desde a segunda-feira (12), quem circular pelos bairros Soho, Holborn e Clerkenwell, algumas das mais agitadas regiões boêmias de Londres, poderá sentir um nostálgico clima de pré-pandemia. As tradicionais máscaras, acessórios obrigatórios desde o começo de 2020, não precisam mais ser utilizadas em áreas de céu aberto. Pubs lotados, restaurantes com fila de espera e rodas de amigos nas calçadas da capital britânica voltaram à cena. Academia, salões de beleza e lojas de produtos não essenciais também reabriram. E não é que o vírus tenha desistido dos ingleses, mas é que o governo de lá parece ter abandonado o negacionismo – a tempo de salvar vidas, empregos e empresas.

O exemplo britânico é uma prova de que na gestão pública não existe erro sem conserto, segundo o cientista político Gaspard Estrada, diretor do Observatório Político-Científico para América Latina e Caribe (Opalc). “Mas, infelizmente, países como o Brasil seguem no sentido oposto.” No caso britânico, o primeiro-ministro Boris Johnson – um ex-negacionista convertido ao realismo da tragédia da pandemia – decidiu flexibilizar as restrições após registrar resultados positivos com o avanço no programa de vacinação e com a queda nas taxas de infecção por Covid-19. Para comemorar a redução nas mortes, o premiê disse que iria a um pub tomar uma cerveja após a reabertura. O lockdown no país havia sido decretado em 5 de janeiro.

O relaxamento determinado na última semana é o segundo estágio do cronograma de redução das medidas de circulação e funcionamento do comércio implementados no Reino Unido. No fim de março, ocorreu a primeira etapa da reabertura gradual, que passou a permitir reuniões ao ar livre em grupos de até seis pessoas ou duas famílias, desde que respeitando o distanciamento social. Apesar da reabertura de parte das atividades no Reino Unido, as autoridades ainda sugerem a continuidade do trabalho em casa e que as viagens domésticas sejam realizadas apenas em casos extremos.

VACINAÇÃO E FESTA Adesão à vacinação (à direita) permite que país possa festejar volta ao normal. (Crédito:OLI SCARFF)

Tudo isso pode ser realidade porque o país conseguiu bater a meta de aplicar pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19 em todos os nove primeiros grupos prioritários estabelecidos no plano nacional de imunização, o que inclui os adultos acima de 50 anos, as pessoas que possuem comorbidades e os profissionais da saúde. O próximo passo será oferecer a segunda dose aos que ainda não a receberam e imunizar todos os demais adultos até o final de julho. Na comparação por números relativos, o Reino Unido lidera em aplicação de doses a cada 100 habitantes nos países do G20. No número total de doses aplicadas, está em 4º lugar, com mais de 37 milhões de vacinas, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Índia.

O sucesso da vacinação no Reino Unido tem sido absoluto. O site do Serviço Nacional de Saúde (NHS) chegou a ficar temporariamente fora do ar devido à alta procura por reservas de horários para imunização. Para turbinar a campanha, as primeiras doses da vacina da Moderna já foram aplicadas na semana passada. Até então, o país vinha utilizando apenas os imunizantes da AstraZeneca–Universidade de Oxford e da Pfizer–BioNTech. O governo britânico estuda ainda um sistema de passaporte de vacinação para ajudar na retomada de eventos de maiores proporções. Até agora foram registrados 4,3 milhões de casos de Covid-19 no território britânico e 127 mil mortes, de acordo com dados do governo. A expectativa é que as viagens internacionais possam ser retomadas na próxima fase do processo de reabertura, previsto para o dia 17 de maio, quando os estabelecimentos também devem receber a autorização para voltar a servir comida e bebida em ambientes fechados.

PIOR DOS PIORES Enquanto os britânicos dão exemplo de como reagir a uma crise sanitária global, o Brasil parece defender com unhas e dentes teses medievais de combate à pandemia. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o País é a única grande economia mundial que está caminhando para trás. Na contramão da recuperação internacional, os indicadores para o Brasil recuaram em março comparado ao mês anterior, na única nota negativa entre as maiores economias monitoradas pela OCDE. A pontuação brasileira, que era de 103,6 em janeiro, caiu para 103,5 em fevereiro e agora para 103,1.

BORIS JOHNSON Negacionista no princípio, primeiro-ministro britânico teve a decência de mudar de opinião e lutar por vidas e pela economia dos ingleses. (Crédito:Handout)

O sistema da OCDE sinaliza com antecedência os pontos de virada do ciclo econômico — flutuações de produção ou da atividade econômica em relação ao seu potencial de longo prazo. Quatro fases cíclicas são definidas. Na “expansão”, o indicador aumenta e fica acima de 100. Na “inflexão”, o indicador diminui, mas continua acima de 100. Na “desaceleração”, há uma baixa para menos de 100. Na “retomada”, o indicador aumenta, mas ainda fica abaixo de 100. Isso significa que a economia brasileira caminha para o pior nível. Para Carlos Eduardo de Oliveira Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Bolsonaro deve manter, por teimosia, sua conduta. “A postura do presidente vai afetar todo tipo de vacinação“, disse. O que o Brasil perde com isso? Basta olhar a foto principal desta reportagem.