Falhamos. Todos. Não importa em qual lumpenismo cada um de nós se investe. Deixar um ser tosco como Jair Bolsonaro assumir a presidência é a prova definitiva de que o voto não foi uma manifestação de inteligência. Vê-lo no posto, desprovido de técnica, ética e estética, à frente de sua República Militar, me faz pensar numa frase muito boa de Mark Twain, ou pelo menos atribuída a ele: “Temos o melhor governo que [nosso] dinheiro pode comprar”. Como somos pobres, a gente só conseguiu isso aí mesmo. Pelo preço, era o que havia no mercado. Bolsonaro, afinal, é o mesmo parlamentar medíocre de sempre. Nunca vestiu o papel de presidente e se comporta como o deputado zero (à direita) que conseguiu ser. Um sorteio de CPFs (cancelados ou não) nos reservaria melhor sorte. E economizaríamos R$ 5,7 bi.

Nossas outras duas instituições nucleares parecem igualmente desprovidas de técnica, ética e estética. Na elite pública & institucional brasileira, venceu a mentalidade de corja, gente grosseira. Reparem que dão sempre um jeito de encaixar semanalmente a palavra “republicana/o” em algum contexto. “Uma conversa republicana” para cá, “um gesto republicano” para lá. E assim, de República mesmo, o que sobrou foram as bananas. Como diria George Orwell, “a linguagem política foi feita para que a mentira pareça verdade e o crime se torne respeitável”.

Tudo piora porque o restante de nós, que não atua nos salões e nas saletas supracitados, parece não estar atento devidamente a isso tudo porque acredita que vai passar. Organicamente. Num paralelo à Mão Invisível de Adam Smith, criamos no Brasil a Mão Invisível da Política. Esse conceito de que as coisas são assim mesmo. Não são. Claro que o fato de Bolsonaro ser tão ruim ofusca a ruindade do resto. Há uma inércia perversa em agrupamentos classistas de poder. “Todo parlamento, toda comissão, todo grupo apresenta características que se manifestam em reduzido senso de responsabilidade”, escreveu Joseph Schumpeter há 80 anos. “Mostra um nível inferior de energia intelectual.” Na mosca para os tais Três Poderes.

Nosso sistema jurídico, por exemplo, funciona com elevada performance só na condenação de negros e pobres. Nele, a corte maior é composta, entre outros, por Kassio “vocês-terão-26-anos-para-me-conhecer”, Luiz Carlos “é-o-sonho-dela” e André “terrivelmente-evangélico”. Corte que se amedrontou com uma tuitada do general. Que protelou tratar do bilionário auxílio moradia para os colegas. Que sentou o quanto pode no julgamento da suspeição do superjuiz. E que nem de perto gostaria de ver discutida a criação do controle externo. Afinal, esse poder letárgico e reativo ‘pune’ juízes que comprovadamente cometeram crimes com um pijama assalariado.

O show de horrores é interminável. Se o Executivo comete uma estupidez, a Justiça terá seus exemplos para superar. E aí o Parlamento vem e bate o recorde. Nosso Fétido Social Clube: o Congresso. Uma Casa injusta em sua composição, que faz o voto de um alagoano, para citar o estado de seu presidente atual, ter o dobro de peso que o voto de um paulista — hoje a relação é um deputado para cada 374 mil habitantes em Alagoas contra um para cada 666 mil habitantes em São Paulo. Um espaço em que o crime da rachadinha foi inventado. Em que vale ouro nomear aquele cara fora de holofotes, na segunda linha do serviço púbico, o cidadão que vai transitar nas propinagens – da compra de vacinas, na Saúde, a licitações viciadas de R$ 3 bilhões para laptops, na Educação. Lugar cuja mistura de regimento e leitura enviesada da Constituição leva seu presidente a sentar em dez dúzias de pedidos de impeachment. E costura para ser o dono do Orçamento — estourado em R$ 170 bilhões, claro.

Viver sob esse tipo de elite condena o restante do Brasil. Na economia. Somos quase 15 milhões de desocupados, 6 milhões de desalentados e 34 milhões de informais. Maior que qualquer país sul-americano. Praticamente uma França. Só que não. Essa elite deveria passear pelo trecho de 1.100 metros da avenida Gastão Vidigal que margeia o Ceagesp, na Zona Oeste de São Paulo, e contar crianças, mulheres, jovens de uma centena de famílias vivendo em barracas. Parece um campo de refugiados. Mas sem a ONU cuidando. Estão ali porque fica mais fácil conseguir restos de comida do Ceagesp, o maior centro atacadista de alimentos da América Latina.

Para enfrentar essa elite pública cega, e cara, só vislumbro uma saída: é preciso que instituições de peso do setor produtivo (CNA, CNI, CNS, Febraban, Fiesp) e outras lideranças econômicas de igual relevância façam barulho e assumam com cobranças (e narrativas junto à opinião pública) o poder que está, lamentavelmente, em mãos inábeis. O Brasil não consegue se ver no espelho, mas o mundo já enxerga o que viramos: um lugar deprimente.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.