Se você estiver em um gol em Marte para defender o chute de alguém que está a uns 10 metros de distância, sabemos que vai acontecer isso: o disparo seria 60% mais forte do que na Terra, por causa da gravidade. E o mais incrível seria: tudo ocorreria em absoluto silêncio. Você nem saberia o que te atingiu. Um estudo recente da Nasa, o primeiro do tipo, analisou os sons de Marte, gravados por dois microfones da Rover Perseverance, que chegou ao planeta em fevereiro de 2021, ao custo de US$ 2,5 bilhões. De cara se soube: a velocidade do som em Marte é menor do que na Terra.“Seria uma sensação estranha, pois você poderia ver coisas acontecendo a 100 metros sem nenhum som chegando ao seu ouvido”, disse à DINHEIRO o brasileiro Ivair Gontijo, engenheiro de sistemas na Nasa, coautor do estudo e responsável por pilotar a Perseverance no planeta vermelho. Do valor total, estima-se que US$ 300 milhões sejam gastos nas operações e análises da missão de dois anos da qual ele faz parte.

Os estudos do som mostraram que as frequências altas não se propagam quase nada no “ar” composto praticamente de CO2. É um som mais abafado, no geral, como se estivéssemos com um fone de ouvido obstruindo as ondas sonoras. O microfone da SuperCam da rover é muito sensível, tem ajuste de ganho e em seu máximo volume até conseguiu captar as hélices do pequeno helicóptero Ingenuity, voando a 80 metros de distância. Tirando as singelas interferências humanas em Marte, mais nada. Tão quieto que acharam que o microfone estava quebrado. “É um lugar frio, inóspito, com redemoinhos de vento muito frequentes, que levantam poeira. E é um silêncio perturbador, com certeza”, afirmou Gontijo, cujo dia a dia é fazer experimentos no planeta. E entrando mais ainda no campo nerd dos testes, o som também é usado para identificar mais do que áudio. A Nasa lança laser em rochas, que explodem, vaporizam e ionizam, formando um plasma. Da luz gerada por ele se identificam elementos químicos na rocha. O microfone ajuda com uma sutileza: a onda de choque criada varia de um material rochoso para o outro, ajudando os cientistas a diferenciá-los. Fim do momento nerd.

LUGAR LONGE, SÔ! A distância até Marte é um empecilho: 1.755 UA, a unidade astronômica que é a distância entre a Terra e o Sol. Para simplificar: perto de 100 milhões de quilômetros. Nada é feito em tempo real. Um sinal entre os dois planetas leva 14,36 minutos nessa viagem, mais a volta. Isso envolve satélites na órbita marciana, que precisam estar alinhados com o veículo e custam caro. “Na prática, nossas operações levam um dia”, disse o autor de A Caminho de Marte, prêmio Jabuti na categoria ciências em 2019. Ele cria os comandos, envia e no dia seguinte os satélites mandam de volta as fotos, medições e arquivos. A tão falada Inteligência Artificial também está no meio do projeto. Onde a Nasa não tem bons mapas em detalhes para identificar pedras a se evitar no caminho, é a IA que cria esse melhor percurso.

O estranho segundo menor planeta de nosso sistema solar é um dos sonhos de vida multiplanetária do bilionário Elon Musk — dada sua trajetória de sucesso com impossibilidades, talvez nas próximas décadas tenhamos um jogo de futebol realmente acontecendo por lá. Ele calcula que o custo seria entre US$ 100 bilhões a US$ 10 trilhões para estabelecer uma pequena cidade científica. “Nós, na Nasa, só desejamos sucesso para ele”, disse o brasileiro, que trabalha em exploração robótica do sistema solar, portanto sem participação em missões tripuladas, seja na Lua, Marte ou qualquer outro lugar. Para ele, aliás, até seria curioso pilotar um rover em nosso satélite natural, pois conseguiria fazer isso em tempo real. “Mas não mais interessante que Marte, pois já foi um planeta parecido com a Terra num passado distante, quando a vida estava se formando por aqui. As perguntas científicas que o planeta gera são muito mais fascinantes.” Entre essas perguntas, respostas que trariam evidências de que já houve vida em Marte, nas rochas sedimentares do delta do rio da cratera Jezero, onde a Perseverance pousou. Essa é a próxima missão de Gontijo.