Era uma vez, num país chamado Brasil, cinco fabricantes de produtos obsoletos, esquecidos ou, indo mais longe, desconhecidos ? pelo menos por consumidores na casa dos 20 e poucos anos. São ?velharias? como agulha para toca-discos, papel-carbono, mimeógrafo, máquina de escrever e LP de vinil ? todos com o seu tempo de glória perdido em algum lugar dos anos 60 e 70. Não, isso não é história da carochinha. Essas empresas existem. Sobreviveram à avalanche tecnológica e ainda abastecem o mercado nacional (e até o internacional) com suas peças de museu. Bravura? Longe disso. O motivo para manter esses itens na linha de produção é bem outro: eles ainda dão lucro. ?Se não dessem, já teríamos desistido faz tempo?, diz José Ricardo Cardoso, superintendente da gaúcha Menno, uma das duas últimas fabricantes de mimeógrafos do País. Mimeógrafo é o avô da máquina de xerox. Faz cópias em papel, por um processo a álcool e manivela. Quem ainda usa isso? Basicamente professoras ? tanto em rincões onde a luz elétrica  ainda não chegou como em colégios públicos sem verba para  a tão sonhada fotocopiadora. As 1.500 peças que a Menno fabrica por mês geram caixa de R$ 180 mil e representam apenas 3% de seu faturamento. ?O equipamento foi o nosso carro-chefe 20 anos atrás?, conta a gerente Diana Rubim. ?Produzíamos 50 mil unidades ao ano e chegamos a comprar um concorrente de São Paulo?, completa Cardoso.

Mas a tecnologia bateu à porta. E, em vez  de enfrentá-la, a Menno uniu-se a ela. Passou  a fabricar produtos indispensáveis aos ?bureaus? de fotocópias que infestam as grandes cidades. Itens como plastificadoras, desumidificadores e trituradores de papel. O faturamento de R$ 25 milhões anuais ainda conta com a ajuda de outro sobrevivente: a maquininha manual de passar cartão de crédito. A produção é de 20 mil por mês. ?Essa ainda vai longe, porque, por lei, todo estabelecimento comercial é obrigado a ter uma?, explica Cardoso. ?Mas o mimeógrafo… Há cinco anos eu me pergunto até quando ele agüenta.?

Efeito Ed Motta. Os donos da paulistana Leson, fundada em 1963, tinham a mesma preocupação até dois anos atrás. Únicos fabricantes brasileiros de agulhas e cápsulas para toca-discos, em pleno ano 2000 eles resistiam ao CD, a impiedosa invenção holandesa que tentou enterrar os antigos LPs. ?Mas aí o Ed Motta foi à tevê e disse que o som dos discos de vinil é melhor do que o do CD?, conta Manoel Taques Bittencourt, um dos proprietários da empresa. ?Para nossa sorte, muita gente resolveu conferir?, completa o diretor de vendas João Carlos Becrei. No ano passado, a Leson vendeu 20% mais agulhas que em 2001, chegando a incríveis 1,2 milhão de unidades. Apesar de representar 10% das receitas da empresa (que também faz microfones e tweeters), trata-se de uma ninharia perto dos bons tempos. Na década de 70, a Leson produzia 25 milhões de agulhas por ano, fornecia para Sony, Philips, Panasonic, Gradiente e até montou fábrica no México. O CD derrubou as vendas das agulhas, sem dúvida, mas nem de longe foi o maior algoz da Leson. A empresa agora se debate contra um inimigo mais letal: a concorrência chinesa no ramo de microfones. ?Vamos transferir nossa produção para Manaus em busca dos incentivos fiscais?, anuncia Bittencourt. ?Só assim poderemos enfrentar os orientais.? Mas não há de ser nada. Sobrevivência é a praia da Leson. ?Tenho até um cunhado que continua fabricando aquelas antigas caixas de descarga. E vende que é uma beleza.?

Se há quem compre as agulhas da Leson, há quem compre discos de vinil. Em pleno terceiro milênio, tem gente encomendando LPs novos. E a única empresa nacional capaz de atender os saudosistas é a carioca Poly Som. Ela prensa cerca de 5 mil bolachões todos os meses. Quase nada para um País de 100 milhões de CDs anuais (200 milhões contando os piratas). Mas o suficiente para o ex-chefe de manutenção Nilton Rocha, de 55 anos, garantir o pão de cada dia de seus sete funcionários. Ele montou o pequeno negócio em 1999, depois de ser demitido da antiga CID, Companhia Industrial de Discos. ?As gravadoras estavam vendendo seu maquinário como sucata?, relembra Rocha. ?Eu peguei o meu FGTS e comprei umas coisinhas.? E, ironia do destino, as mesmas gravadoras hoje são clientes da Poly Som. Elas pedem LPs que acabam ajudando na promoção dos CDs de artistas como Vinny, Daniela Mercury,
O Rappa e Funk Como Le Gusta.

O grosso de seu faturamento (R$ 69 mil em 2001), no entanto, vem das encomendas dos disc-jóqueis, os DJs, que ainda têm o vinil como o seu principal instrumento de trabalho. ?Nosso auge foi em 2001. Fizemos 270 mil discos, boa parte para uma igreja evangélica aqui da região?, conta Rocha. ?Vendemos quase R$ 200 mil naquele ano.? Mas a popularização dos gravadores caseiros de CD roubou os bons fregueses do microempresário e ele teve que se virar. Diversificou a produção, oferecendo discos coloridos e estampados. Recentemente, uma pequena empresa voltou a fabricar vinil na Inglaterra ? o que deixou Rocha cheio de planos. ?Se os gringos descobrem que aqui no Brasil sai muito mais barato eu estou feito?, sonha ele, que cobra R$ 1.000 por 100 LPs.

Repartições públicas. Como as ?bolachas? musicais, o papel-carbono é outro produto que não foi riscado do mapa pela fúria laser. A tradicional folha revestida de tinta ainda encontra espaço no Brasil. Em 2002, o mercado cresceu 4%. ?Esse número é incrível?, comenta Sergio Sacchi, diretor da Helios Carbex, líder do segmento, com 90% de participação. Nos anos 70, o papel-carbono era o principal produto da empresa e respondia por 90% do faturamento. Hoje não passa de 8% ? um valor que a Helios Carbex comemora. ?Isso representa R$ 1,2 milhão por ano?, diz Sacchi. As licitações do governo, principalmente para escolas públicas engordam as vendas. ?Enquanto houver quem compre, não vejo motivo para desistir?, diz Sacchi.

Pelo mesmo motivo ainda é possível encontrar as máquinas de escrever da Facit, sobretudo em pequenos escritórios de contabilidade e repartições públicas. Em 1994, a empresa de Juiz de Fora (MG) chegou à beira da falência, mas foi salva por um grupo de funcionários. A dívida ainda é alta ? quase R$ 5 milhões ? mas os empregados que viraram patrões continuam entregando 500 mil máquinas ao ano. Comprador é o que não falta: além do Brasil, eles vêm de 67 países, como Etiópia, Indonésia e Marrocos. Estima-se que 10% do mercado mundial esteja nas mãos da Facit, de origem sueca e há 65 anos no País. Pelo visto, as ?velharias? brasileiras ainda estão bem longe de ir para o museu.