Nos cálculos da fabricante paranaense de calcário e fertilizantes Terra Rica, os efeitos da paralisação de caminhoneiros na produção deveriam ser totalmente encerrados em meados de agosto, quando voltariam a trabalhar os últimos 20 funcionários que tiveram de entrar em férias forçadas após a greve de maio. A reabertura do terceiro turno de atividades está hoje ameaçada por um efeito colateral daquele mesmo movimento: a implementação do tabelamento do frete, que instituiu valores fixos e um mínimo para os deslocamentos de cargas pelas estradas do País. No setor, a nova regra gerou um aumento de R$ 45 no custo de uma viagem, mais do que o cobrado pela tonelada da mercadoria carregada, de R$ 35. A mudança foi recusada por clientes do agronegócio, que desistiram do produto. A queda na demanda é estimada em até 20%. “O nosso produto é de baixo valor agregado”, afirma o diretor da Terra Firme, Claudio Grochowicz. “Isso não foi pensado no tabelamento.”

Muitos outros impactos não foram previstos na decisão de fixar o preço do frete e agora são observados nos mais diversos setores da economia. Ao desistir do uso do calcário nas lavouras, por exemplo, os produtores rurais paranaenses terão uma queda na produtividade que pode chegar a 30% na colheita seguinte. O mesmo efeito será sentido também nas plantações de soja do Centro-Oeste. Na região, além da alta vir embutida pelo transporte de fertilizantes importados, ainda há o agravante do atraso provocado pelos dias de paralisação. Ou seja, mesmo que o produtor decida encarar o custo mais elevado, pode não encontrar a mercadoria a tempo. “Vai impactar na produtividade e não teremos a grande safra como anunciada, de que ia passar a produção dos Estados Unidos”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz Pereira.

Puxão de orelha: em encontro na Fiesp na segunda-feira 30, empresários cobraram do presidente Temer uma solução para o frete (Crédito:Alan Santos/PR)

No setor de soja, o mercado físico está voltando ao normal depois de semanas travado. O reflexo agora é nas negociações em contratos futuros, que são necessários para financiar o próximo plantio. O volume de negócios está hoje em 15% da safra, ante 40% registrado no mesmo período do ano passado. Por trás da redução, está a dificuldade de estimar os preços em meio à perda de referência do frete. Além da confusão gerada no mercado, a nova política deflagrou uma corrida entre os produtores para cotar a compra de seus próprios caminhões, uma alternativa para fugir do preço tabelado, que chega a ser 150% acima dos que eram praticados no livre mercado. “Os preços altos de frete inviabilizam a produção se não tiver a frota própria”, afirma Pereira. “Há vários produtores buscando caminhões, o que vai comprometer ainda mais o setor rodoviário.”

É difícil prever até que ponto as cotações se traduzirão em compras efetivas. A resposta dependerá da decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Luis Fux marcou para o dia 27 uma segunda audiência entre o setor produtivo e os caminhoneiros e estancou quaisquer decisões sobre o tema até lá. Agronegócio, indústria e serviços entraram com ações defendendo a inconstitucionalidade da nova política. O tabelamento, que foi aprovado pelo Congresso antes do recesso, sofreu críticas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Ministério da Fazenda. “Quando há contratos de longo prazo com as transportadoras, o acordo das empresas têm sido acertar depois do pronunciamento do STF”, afirma o presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, José Ricardo Roriz Coelho. “A nossa expectativa é a de que é 100% inconstitucional.”

A importância do tema foi reforçada por empresários na segunda-feira 20. Em um evento na Fiesp, eles cobraram o presidente Michel Temer por uma solução. “Quando chegamos a um acordo com os caminhoneiros no décimo dia de greve, tínhamos certeza de que haveria disputas judiciais”, afirmou Temer. “Os próprios caminhoneiros perceberam que haveria problema na questão do tabelamento.” Transportadores ouvidos por DINHEIRO dizem que as referências de preços são muito simplificadas diante da complexidade envolvida nos contratos. Eles dizem que o momento é de muitas cotações, nem tantos negócios e admitem a hipótese de adoção de frota própria. “Tem muito cliente que vai comprar. Para alguns, talvez valha a pena”, afirma um representante de transportadora que pediu para não ser identificado. O movimento também é observado nas concessionárias de veículos. “Tivemos várias grandes empresas fazendo consultas, mas elas têm de avaliar, colocar tudo no papel e ver se é viável”, diz Paulo Matias, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores Ford Caminhões (Abrafor). “Enquanto isso não estiver totalmente claro, há o risco de estarmos trabalhando só com projeções.”

Novo cenário: para Bartolomeu Braz Pereira, da Aprosoja, os novos preços de frete inviabilizam a produção de quem não tiver frota (Crédito:Divulgação)

No agronegócio, a percepção de que será preciso agir por conta própria já é sentida por gigantes internacionais. A Cargill está estudando a verticalização das operações, com adoção de frota própria e a contratação de motoristas. “Isso pode comprometer ainda mais o equilíbrio do mercado e tornar o excesso de oferta de caminhões um problema substancialmente maior”, afirma, em nota, o diretor de grãos e processamento da Cargill, Paulo Souza. O executivo vê risco de aumento da informalidade e critica a adoção de uma tabela “sem critérios técnicos e insanamente acima dos níveis realistas de mercado.” Os estudos para adoção de frota própria são citados por representantes das mais diversas indústrias, do arroz ao setor têxtil. Um levantamento da Fiesp mostrou que 60% das indústrias do Estado não possuem caminhões. O tabelamento do frete deve gerar um adicional de custo de R$ 3,3 bilhões nas indústrias paulistas em 2018 (leia mais abaixo).

PESO NO BOLSO Em meio à insegurança jurídica, o aumento de custos deve ser sentido nas gôndolas pelos consumidores brasileiros. A Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas, Pães e Bolos (Abimapi) estima um aumento médio de 10% nos produtos. “Aumento de preço é uma guerra de braço entre indústria e varejo”, afirma Claudio Zanão, presidente-executivo da entidade. “Quem tem caixa vai aproveitar para ganhar mercado.” No setor têxtil, o repasse pode chegar a 5% no varejo. O pior cenário é para as empresas que estão situadas no polo da região Nordeste. O setor estima um aumento de custos de pouco mais de R$ 6 bilhões e prevê uma competição ainda maior com os produtos importados, uma vez que a produção interna é afetada várias vezes pelo aumento. “O tabelamento é irreal”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “O próprio caminhoneiro já está enxergando isso.”

No Brasil, cerca de 65% das mercadorias são transportadas por caminhões. A dependência do modal ajuda a explicar a força da categoria na negociação recente. A greve de maio parou o País e tem seus efeitos sentidos até hoje na economia. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, o impacto na economia foi de cerca de R$ 16 bilhões. Diante de um governo enfraquecido, o setor conseguiu ter a maior parte das reivindicações atendidas, entre elas a redução no preço do diesel (leia mais ao lado) e o tabelamento do frete. A tentativa vem sendo associada pelos empresários a iniciativas que falharam no passado de intervir artificialmente nos preços. Entre os empresários afetados, a pergunta que mais se houve é: quem não quer uma tabela que garanta um preço mínimo e assegure os lucros?


Subsídio renovado

Com revisão a cada 30 dias, preço do diesel pode subir

Principal pleito da greve de caminhoneiros que parou o País por 11 dias em maio, o subsídio ao diesel foi renovado pelo governo federal até o fim do ano. O novo decreto, publicado na quarta-feira 10, estabelece que o valor de referência do combustível será revisado a cada 30 dias, o que pode inclusive significar aumentos nas bombas. Isso porque o subsídio federal, fixado em R$ 0,46 ao litro, foi mantido. Ele havia sido adotado inicialmente apenas por 60 dias, período em que o preço havia sido congelado em R$ 2,0316 o litro na média. A redução está sendo bancada com recursos da União. O desconto é composto por R$ 0,30 em subsídios diretos e R$ 0,16 em redução de impostos como PIS/Cofins.

O custo aos cofres públicos chega a R$ 13,5 bilhões neste ano se somados os dois benefícios. A conta considera o prazo atual de vigência de ambos, em dezembro. Projeções feitas pelo Itaú Unibanco mostram que, se mantida em 2019, apenas a redução dos tributos custaria R$ 7 bilhões ao governo federal. Os caminhoneiros se queixavam da política anterior de reajuste de preços da Petrobras, que previa mudanças diárias, em linha com a flutuação do câmbio e da cotação do petróleo no exterior. O congelamento por 60 dias foi uma medida emergencial adotada pelo governo para acabar com a greve. A nova regra, com alterações mensais, também atende aos pedidos dos caminhoneiros de dar maior previsibilidade às variações.