No plano da reforma da Previdência – relançada mais uma vez na semana passada com adaptações aqui e ali para atender demandas parlamentares – o governo finalmente resolveu rever posição e atacar com força os chamados privilégios. Ali repousam algumas das maiores injustiças praticadas em termos de desigualdade social. As categorias ou castas abonadas com aposentadorias muita acima do teto reservado aos demais brasileiros – caso dos militares, servidores públicos e políticos – tinham recebido inicialmente uma espécie de alforria, quase proteção, no projeto original. Ficaram de fora dos ajustes. Ao menos na primeira fase planejada.

Tudo indica que não será mais assim. E aí talvez esteja o melhor argumento de venda para quebrar resistências à aprovação da proposta. É assombroso para a população em geral que um pequeno universo dos contribuintes seja responsável por quase metade do orçamento destinado a essa rubrica. Um estudo da PUC do Rio de Janeiro, comandado pelo economista José Márcio Camargo, entregue ao presidente Temer, mostrou que em 15 anos a aposentadoria de um milhão de servidores consumiu R$ 500 bilhões a mais do que o que foi gasto na Saúde. Um dado assombroso e talvez a melhor pista de como se criou o histórico rombo da Previdência.

De uma maneira ou de outra, essas distorções previdenciárias geraram prejuízos em cascata em várias áreas, com reflexos inclusive na iniciativa privada, atrasando os investimentos necessários para o desenvolvimento. Alerta Camargo que o valor destinado aos servidores públicos representou também mais de 50% de tudo que foi investido em educação durante o período no País. Dá para se ter uma ideia por aí do estrago que essa escolha provocou e do atraso que ela vem causando na formação de bons profissionais. Não é, portanto, uma mera questão de veleidade pessoal do governante Temer mexer na Previdência.

Representa algo essencial para a sobrevivência do sistema e também para a retomada econômica e social do Brasil. No campo da baixa renda, um outro comparativo digno de nota presente no estudo demonstra que os R$ 500 bilhões despendidos com esses servidores em 15 anos foi equivalente ao dobro dos recursos gastos no mesmo período com o Bolsa Família, que atende a cerca de 30% da população entre aqueles mais pobres. Não dá, evidentemente, para ficar a favor desse tipo de discrepância.

O Banco Mundial, que acaba de concluir uma proposta de choque liberal para o País, aponta em seu levantamento que a reforma da previdência, incluindo as revisões nos itens de privilégios, pode vir a representar uma economia potencial de quase 2% no PIB. Considerando que um servidor público, por exemplo, chega a ganhar até 67% a mais que a média do mercado privado – segundo dados do mesmo Banco Mundial – não deveria ser nenhum absurdo se pensar em corte de parte desses privilégios. E a rubrica aposentadoria é o caminho.