Pergunte a qualquer interlocutor, com algum conhecimento sobre Benjamin Steinbruch, qual é o perfil do empresário. Herdeiro mais proeminente do grupo Vicunha, fundado em 1967 por seu pai Mendel e pelo tio Eliezer, e hoje formado por empresas como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Vicunha Têxtil e Banco Fibra, ele é apontado, invariavelmente, como dono de um pulso firme e centralizador na condução dos negócios. Aos 65 anos, Steinbruch também é conhecido por não fugir de uma boa briga, seja qual for o adversário a ser batido – de sócios a concorrentes. Mas mesmo os eventuais desafetos reconhecem a sua capacidade de gestão. Assim como a sua disposição para o trabalho.

À frente da CSN , ele cumpre uma intensa rotina profissional, que começa nas primeiras horas da manhã e se estende até, pelo menos, às 22 horas. “Desde cedo, aprendi a lutar e a brigar da melhor forma possível por aquilo em que acredito”, diz ele, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Esse perfil foi essencial para a construção de um império no qual, apenas a CSN, a joia da coroa do grupo, fatura R$ 18,5 bilhões e vale mais de R$ 12 bilhões. E, para o bem ou para o mal, os já famosos nervos de aço de Steinbruch terão um papel ainda mais crucial nos percalços que o empresário tem pela frente.

Não são poucos os desafios. Além das atribuições da CSN e de outras operações, o dia a dia de Benjamin ganhou um “terceiro turno”, em março de 2017, quando ele assumiu a presidência do Conselho do Jockey Club de São Paulo. A missão? Recuperar o tradicional, porém combalido, empreendimento (leia reportagem aqui). Outra questão que exigirá atenção é o processo relacionado ao inventário de sua mãe, Dorothea. A ação contesta a cobrança de um imposto de 4% sobre uma doação de R$ 1,5 bilhão feita, no exterior, pela matriarca, e está suspensa na Justiça.

Porém, no páreo para complicar a já atribulada agenda do empresário há um franco favorito: o imbróglio judicial envolvendo seus primos Leo e Clarice, representados pela CFL Participações. Em 21 de março, eles entraram com um processo na 2ª Vara Empresarial de São Paulo pedindo a venda ou a dissolução das quatro holdings que controlam os negócios do conglomerado: Vicunha Steel, da CSN; Vicunha Participações, da área têxtil; Elizabeth S.A., do banco Fibra; e Taquari Participações, que administra fazendas, shopping centers e outros empreendimentos imobiliários.

Clima quente: o desempenho recente da Vicunha Têxtil, comandada por Ricardo Steinbruch (à esq.), e da CSN, liderada por Benjamin, contribuiu para reforçar o descontentamento de Leo e Clarice Steinbruch e para alimentar os desentendimentos entre os dois ramos da família (Crédito:Mastrangelo Reino/Folhapress | Antônio Gaudério/Folhapress)

Para entender essa disputa familiar, é preciso voltar no tempo. Em 1994, um acordo entre os acionistas dividiu os negócios entre a holding Rio Purus Participações, de Benjamin e seus irmãos, Ricardo e Elizabeth, e a CFL, dos primos Leo e Clarice. A Rio Purus possui 60% de participação na Vicunha Steel, da CSN, e na Vicunha Participações, da área têxtil, enquanto a CFL detém 40%. Nas demais operações, as fatias estão divididas em 55% e 45%, respectivamente. Há 24 anos, pouco antes de falecer, Mendel Steinbruch decidiu colocar no papel a sociedade que mantinha, de palavra, com o irmão Eliezer. No contrato, Eliezer abriu mão de ser acionista majoritário em troca de paridade na representação dos conselhos das companhias do grupo e nas tomadas de decisões dessas empresas. “Normalmente, em acordos como esse, feitos às pressas, não há um debate claro para se esgotar todas as alternativas”, diz Wagner Teixeira, sócio da consultoria de gestão höft. “Isso abre espaço para potencializar, nas próximas gerações, as questões não resolvidas.”

No caso do clã Steinbruch, as rusgas entre a segunda geração – Eliezer faleceu em 2008 – começaram há cerca de três anos. Nessa época, Leo e Clarice passaram a propor o desmanche da sociedade e a partilha dos bens. A dupla encontrava algumas justificativas para a decisão. A primeira delas era o descontentamento com os rumos tomados pelas companhias, em especial a CSN e a Vicunha Têxtil, essa última, comandada por Ricardo. A siderúrgica, por exemplo, teve um prejuízo de R$ 853 milhões, em 2016. Na ação, os irmãos também destacam o fato de cumprirem um papel meramente figurativo nos conselhos de administração das empresas, face ao que classificam como comportamento autoritário dos primos. O processo faz referências a Benjamin, apontado como uma pessoa “extremamente despótica, de temperamento explosivo” e que mostra sua “natureza cesarista”, quando contrariado.

Depois de uma série de negociações frustradas, o estopim para que os conflitos chegassem à via judicial veio em janeiro deste ano. Leo e Clarice alegam que foram “expulsos” dos conselhos da Vicunha Steel, da Vicunha Participações e da Elizabeth S.A. E que suas cadeiras passaram a ser ocupadas por pessoas ligadas à Rio Purus. Já na Taquari, Leo teria sido destituído do cargo de diretor da Fazenda Santa Otília Agropecuária, negócio que centraliza as operações do agronegócio da família. “Enquanto Leo e Clarice concordavam com os primos, estava tudo ótimo. Depois que passaram a discordar dessa cartilha e abriram espaço para um redesenho societário, eles foram varridos das operações”, diz Ricardo Tepedino, advogado de Leo e Clarice que, procurados, não concederam entrevista. “Uma coisa é ser majoritário, outra é agir com truculência e passar por cima dos sócios como um rolo compressor” afirma Tepedino. Ele acrescenta que uma segunda ação foi ajuizada pedindo o restabelecimento dos direitos dos dois irmãos, enquanto o veredicto do primeiro processo não é conhecido.

Benjamin rechaça as alegações e observa que sempre esteve – e estará – aberto ao diálogo. E que a relação nunca foi marcada por conflitos. Mas ressalta que, na prática, quem sempre trabalhou no dia a dia e tomou as decisões “visando o todo” foi “a família Mendel”, sem prejuízo ao outro ramo do clã. “Não existe nenhuma intenção de expulsar ninguém. No Brasil, os minoritários são garantidos pela lei das S/As e damos a eles mais do que isso”, diz. “Eles falam muita coisa, mas que não tem viabilidade. Na falta de justificativa, a argumentação fica muito falha.” O empresário acrescenta que não espera grandes impactos para as operações do grupo, especialmente na CSN que, em sua visão, sairá mais fortalecida desse processo.

GERAÇÃO DE RISCOS O fato de a escalada dos desentendimentos coincidir com a piora no desempenho da CSN e de outras concorrentes, em meio à crise econômica brasileira e a outros efeitos do mercado externo, é um ponto destacado por fontes ouvidas pela DINHEIRO. “Quando as coisas vão bem, é fácil apoiar e acreditar em quem está à frente do negócio. Mas quando o mercado vira, os eventuais erros e conflitos vêm à tona”, diz Fábio Padovani, sócio da consultoria de gestão Signium. Para o especialista, o estilo centralizador de Benjamin, a sua disposição para uma disputa e o seu provável envolvimento nos embates familiares trazem alguns riscos para a siderúrgica. Tudo dependerá de quanta energia o empresário dedicará ao processo. E do tempo que ele reservará à gestão da companhia. “Os executivos que estão logo abaixo dele e que já possuem um poder de decisão limitado, podem se sentir ainda mais amarrados. O impacto operacional é instantâneo e, no médio e longo prazo, pode ser gigantesco.”

A exposição de conflitos desse porte para além dos muros das empresas é outra questão crítica, pois gera desconfiança. Nesse contexto, questões sobre como ficará a composição acionária ganham peso. “Essas incertezas sobre quem estará no controle deixam a empresa fragilizada perante os investidores”, afirma Shin Lai, analista da Upside Investor. “Todos passam a precificar esse risco. Do acionista que investe na companhia ao banco que é fonte de crédito”, diz Sandra Guerra sócia-diretora da consultoria Better Government. As ações da CSN acumulam uma valorização de 1.789% desde que abriu capital, em agosto de 1993. Levando-se em conta o ajuste da inflação no período, os papéis saltaram de uma cotação de R$ 0,46, na época, para R$ 8,69.

Mais do que nunca, o bom relacionamento com bancos e credores é uma das prioridades da CSN. E a razão é simples: a empresa fechou 2017 com um dívida líquida consolidada de R$ 26,2 bilhões, dando sequência a um longo histórico de cifras elevadas nesse indicador (quadro abaixo). Na avaliação de Benjamin, o acúmulo desses débitos está diretamente relacionado ao fato de a empresa ter escolhido a estratégia agressiva e arriscada de operar com toda a capacidade, mesmo durante a crise. “Nós erramos, mas nunca imaginávamos que os juros demorariam tanto para cair. Por isso, pagamos uma despesa financeira absurda nos últimos três anos”, afirma o empresário. Entre as metas para 2018, está o plano de reduzir a relação entre a dívida líquida da CSN e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 5,66 vezes para 3 vezes. No entanto, a sensação é a de que o pior já passou. “Alguns mercados-chave para as siderúrgicas, como os setores automotivo e de bens de consumo, têm boas projeções para este ano”, diz Lai, da Upside. “Há sinais de recuperação da economia e a redução da taxa de juros também deve aliviar a pressão sobre a dívida da CSN.”

Enquanto essas projeções não se confirmam, a CSN está tomando medidas para equilibrar suas contas. No início de fevereiro, a companhia anunciou um acordo com o Banco do Brasil para alongar suas dívidas com a instituição e informou que estava em negociações avançadas com a Caixa Econômica Federal, nos mesmos moldes. Nos termos tratados, os débitos passariam de um prazo de 26 meses para 45 meses. Em 2018, o montante total a ser quitado é de R$ 5,6 bilhões, sendo que R$ 4,3 bilhões estão relacionados aos dois bancos públicos, que representam cerca de 49% da dívida total contraída. Caso os acordos sejam fechados, o valor a ser pago às duas instituições seria reduzido para R$ 1,5 bilhão. Ainda em fevereiro, a CSN conseguiu captar US$ 350 milhões no exterior a partir da emissão de bônus, com vencimento em 2023.

Em baixa: Benjamin ressalta que a Usiminas perdeu valor com as desavenças entre sócios, o que dificultou a venda da fatia da CSN na empresa (Crédito:Divulgação)

O mercado, porém, ainda aguarda a concretização da principal alternativa para reforçar o caixa e reduzir a dívida da CSN: a venda de ativos. O plano de desinvestimentos seria uma das contrapartidas exigidas pelos bancos credores na negociação com a empresa. Mas nunca foi levado, de fato, à frente. Há dois anos, por exemplo, a companhia esteve perto de fechar a venda do terminal de contêineres Sepetiba Tecon, avaliado em aproximadamente R$ 1,5 bilhão. Mas o negócio não vingou. De novo, o estilo de Benjamin é apontado como uma das causas dessa inércia. “Negociar com ele não é fácil. Nunca tem um final”, afirma um executivo do setor, que pediu anonimato. “Se você aceita pagar o que ele está pedindo, por exemplo, o Benjamin recua, pois começa a pensar que está vendendo muito barato.”

Questionado pela DINHEIRO, Benjamin diz que vender um ativo é fácil. “Mas, às vezes, penso que, em certa medida, é uma demonstração de fraqueza, de má gestão, de falta de perspectiva e de confiança”, afirma. Ele observa, no entanto, que outra meta para 2018 é colocar, enfim, o plano em prática. No radar, estão ativos localizados no exterior, mais precisamente nos Estados Unidos, Alemanha e Portugal. No Brasil, há uma possibilidade mais restrita de vender uma participação nos negócios de mineração da companhia. E o empresário estabeleceu que o objetivo é captar entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões com a estratégia de desinvestimentos.

Fruto de uma exigência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a venda da participação na Usiminas é outra questão em pauta. A CSN possui cerca de 14% das ações com direito a voto na concorrente, além de mais de 19% dos papéis preferenciais. O prazo para se desfazer dessas fatias é confidencial. Mas, segundo Benjamin, a companhia vai solicitar a extensão da validade ao órgão. O motivo seriam as supostas desavenças internas entre a japonesa Nippon Steel e a ítalo-argentina Ternium Techint. “A companhia sofreu e o preço das suas ações caiu muito por culpa desses sócios majoritários”, diz Benjamin. “Forçar uma venda, por conta dessa situação, que causa prejuízos a terceiros, não faz sentido.” O analista da corretora Spinelli, Glauco de Castro Legat, destaca que a entrada na Usiminas foi um péssimo negócio da CSN. “Além da depreciação, a companhia se alavancou ainda mais para consolidar essa estratégia.” Desde meados de 2011, quando a CSN começou a comprar ações da Usiminas, os papéis da companhia tiveram uma desvalorização de 36,5%.

À parte da saga dos desinvestimentos, a agenda da CSN também inclui a atenção com a recente guerra comercial travada entre os EUA e a China. No início de março, entre outras medidas, o governo de Donald Trump anunciou uma sobretaxa de 25% para as importações de aço. Em seguida, o Brasil foi um dos países temporariamente excluídos – até o fim de abril – da alíquota. No momento, uma das alternativas em negociação para evitar a cobrança extra permanente é o estabelecimento de cotas máximas de exportação do aço brasileiro, sem restrições tarifárias. O País é o segundo maior exportador do metal para os EUA, atrás apenas do Canadá.

A princípio, Benjamin não enxerga impactos no que diz respeito à exportação. O fato de boa parte da produção das siderúrgicas brasileiras destinada ao mercado americano ser composta por produtos semi-acabados está por trás dessa visão. Segundo o Instituto Aço Brasil, 81% das 4,7 milhões de toneladas exportadas para os EUA em 2017 se encaixam nessa categoria. As empresas americanas dependem desse material para produzir, por exemplo, componentes para a indústria automobilística. O restante do que é exportado gira em torno de 500 mil toneladas. A CSN responde por 350 mil toneladas desse total. “Se o Brasil crescer 3%, conseguimos absorver esse volume”, diz o empresário.

O cenário não exclui motivos para preocupação. Além de uma onda protecionista, um dos principais sinais de alerta é a possibilidade de países como China e Rússia desviarem parte da produção antes destinada aos EUA para o mercado brasileiro, o que poderia impactar os preços praticados. Mais que os riscos, Benjamin enxerga a oportunidade de endurecer o combate às práticas antidumping de empresas desses países. E acrescenta, bem ao estilo que lhe deu fama. “Donald Trump levantou a bola para o governo brasileiro peitar a China. Sozinhos, nunca teríamos condições de enfrentá-los.”