Em 1975, o empresário Guilherme Paulus deu início à história da CVC num momento delicado. Durante muito tempo, a companhia sofreu com as comparações com a Soletur, gigante do turismo criada em 1964 e que afundara em dívidas até ser fechada, em 2001. Mas a viagem de Paulus acabou se mostrando acertada, tanto que hoje a CVC é a maior operadora de turismo da América Latina. E segue navegando em águas límpidas. Depois de estabelecer firmemente no segmento de viagens de lazer, a companhia adquiriu, nos últimos cinco anos, nove empresas. Duas delas — o Grupo Bibam e a Ola Turismo — são argentinas e marcam o primeiro passo da CVC rumo à expansão internacional.

O Bibam, formado pela Bliblos e pela Avantrip, foi fundado em 1979, tem mais de 400 colaboradores e a sua plataforma on-line está entre as maiores do e-commerce argentino em volume de transações. Somado à Ola, eles alcançam US$ 500 milhões em reservas anuais e formam o segundo maior player da Argentina. Comprar essas empresas dos hermanos custou à CVC Corp. US$ 20 milhões. O Bibam também tem uma atuação representativa no mercado de luxo, segmento no qual a CVC pretende investir nos próximos anos. “Com o Bibam, entramos nesse mercado”, diz Luiz Fernando Fogaça, que assumiu a presidência da CVC Corp. este ano. “Mas, para nos consolidarmos no nicho de luxo, precisamos ter uma empresa desse segmento no Brasil também. E essa é a nossa intenção”. Fogaça entrou na companhia há nove anos e foi um dos responsáveis pelo processo de abertura de capital da CVC, em 2013, e pela estratégia de aquisições em diferentes nichos do setor de turismo.

Segundo o executivo, as aquisições na Argentina estão relacionadas à estratégia de aproveitar as oportunidades. “Embora o país passe por um momento econômico ruim, é um mercado que tem muita sinergia com o Brasil”, diz. “A Argentina é o segundo maior país da América do Sul em termos de viajantes, depois do Brasil. Mas eles mandam mais turistas para o Caribe do que nós.” A ideia de Fogaça é unir as forças para tornar a CVC Corp. mais relevante em diversos destinos.

Presidente e fundador da BSH International, que gerencia investimentos em hospitalidade e imobiliário turístico, José Ernesto Marino tem uma opinião cautelosa em relação aos negócios na Argentina. “A CVC está acreditando na operação, querendo expandir. Mas o histórico, com exceção da Ambev, mostra que empresas brasileiras que foram para o país não o sucesso que esperavam. Fernando Labes, analista de consumo da Apex Capital, pensa diferente. “A expansão faz muito sentido”, declara ele. “Embora as empresas adquiridas não sejam muito grandes, em termos de bookings e reservas, elas têm volume considerável. Acredito que vai ser importante para a CVC ganhar mais penetração em outros canais e destinos”, afirma Labes.

NUBANK, STONE E GOOGLE Para seguir crescendo, a companhia elegeu o mercado digital como uma de suas prioridades. Nos últimos anos, a empresa contratou, para seu Conselho de Administração, nomes fortes da área, como Cristina Junqueira, co-fundadora do Nubank; Eduardo Pontes, co-fundador da Stone Pagamentos; e Deli Koki Matsuo, um veterano do Google. A aposta na digitalização começou em 2015, quando a CVC adquiriu, por R$ 80 milhões, a Submarino Viagens. Agora, a empresa busca uma forma de impulsionar seus canais digitais, principalmente de olho na mudança do comportamento de consumo dos millenials e também para enfrentar concorrentes como Decolar e Hotel Urbano. Os esforços já geram resultados: as reservas on-line cresceram, só no ano passado, 68,7%, enquanto nas lojas esse crescimento ficou em torno de 10%.

A mais recente aquisição da CVC, aprovada há um mês pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), é a Esferatur, consolidadora de bilhetes aéreos para viagens corporativas. O negócio custou R$ 245 milhões. Com 26 anos de mercado e presença em mais de 30 cidades do Brasil, a Esferatur é uma das três maiores consolidadoras do País, com faturamento anual de R$ 1,8 bilhão. Detalhe importante: as outras duas maiores, Rextur e Grupo Trend, também especializadas em viagens de negócios, foram adquiridas pela CVC, em 2017. Juntas, as três faturam mais de R$ 6 bilhões, fatia importantíssima para engordar ainda mais o faturamento da CVC Corp., que foi de R$ 13 bilhões no ano passado. “Entramos no segmento corporativo porque entendemos que tem complementaridade com o nosso negócio”, destaca o CEO Luiz Fogaça.

A CVC tem razões para estar de olho no nicho de viagens de negócios. No ano passado, esse setor movimentou R$ 10,2 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Viagens Corporativas (Abracorp). “O mundo do turismo não se limita às viagens de lazer”, observa José Marino, da BSH International. “O mercado corporativo é gigante. A CVC está aproveitando as oportunidades.” Além das últimas aquisições, soma-se ao portfólio da companhia a Experimento Intercâmbio Cultural, adquirida em 2016, por R$ 41 milhões, e a Visual Turismo, comprada em 2017 e que custou R$ 68 milhões. “Hoje, a tendência da CVC é se consolidar no País, adquirindo empresas que atuam em nichos específicos, nos quais a companhia não tem know-how”, diz Marino. Tudo indica que a CVC vai continuar navegando de vento em popa.


Pode o fundador afundar o império?

O fundador da CVC, Guilherme Paulus, foi envolvido em um esquema de propina para retirar pendências da CVC Turismo – empresa formada após a aquisição da CVC pelo fundo Carlyle —, que somavam R$ 161,3 milhões referentes a PIS e Cofins do ano de 2009. Segundo uma fonte que pediu para não ser identificada, a defesa de Paulus alega que a CVC Turismo é uma empresa de caráter jurídico, mas não operacional, que ficou responsável pelas “dívidas” que não entraram no pacote de aquisição da CVC pelo fundo Carlyle, em 2009.

Em março do ano passado, o empresário se afastou da presidência do conselho de administração da CVC, quando a Polícia Federal (PF) e a Receita Federal começaram a investigar esquemas de lavagem de dinheiro em empresas, na Operação Descarte. Um ano depois — no último dia 12 —, Paulus procurou a PF e o Ministério Público Federal (MPF) para acertar sua delação premiada, admitindo o esquema de propina. As ações da CVC caíram mais de 2% quando Paulus admitiu esquema de propina. Embora, hoje, o empresário não possua nenhuma relação com a companhia que fundou, ele ainda detém uma parte minoritária de 7% em ações.

Suas revelações levaram a PF e a Procuradoria da República a deflagrar a Operação Checkout, terceira fase da investigação Descarte, que aponta propinas de R$ 39 milhões da CVC Turismo para cancelar a autuação de R$ 161 milhões da Receita, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo o depoimento de Paulus, o advogado Atila Reys Silva – que se ofereceu para prestar seus serviços de advocacia, em janeiro de 2013 – teria dito “ter condições de reverter a autuação, já que teria contatos com os servidores da Delegacia da Receita em Santo André (SP) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)”.

O valor acertado entre Paulus e Reis foi inicialmente o pagamento correspondente a 10% do valor do auto de infração, cerca de R$ 540 mil em cheques nominais ao escritório OTA Advogados. Um mês depois — em fevereiro de 2013 —, a defesa da CVC Turismo conseguiu reduzir a autuação em 32%, em ação julgada pela 3a turma da Delegacia da Receita de Julgamento em Campinas (SP). Com a redução, a CVC Turismo pagou mais R$ 4,7 milhões, também em cheques nominais, ao escritório OTA Advogados. A reportagem da DINHEIRO tentou falar com Guilherme Paulus, mas a assessoria do empresário disse que, por questões legais, ele não poderia se pronunciar.