Talvez seja temerário chamar o momento que estamos vivendo de pós-pandêmico. Nunca se sabe o que pode acontecer, e quantas vezes nestes últimos anos quisemos acreditar que já estávamos encerrando o pesadelo e constatamos, consternados, que não, que ainda havia mais coisa pela frente… De qualquer forma, é inegável o movimento de “retomada” que se verifica no âmbito corporativo e do mundo do trabalho em geral. Aos poucos, o presencial começa a retornar e o tal do “novo normal” começa a ser vivenciado. E ainda que a realidade pós-pandêmica seja incerta e até certo ponto imprevisível, já é possível verificar certas tendências que devem prevalecer.

Não é com pouco estranhamento e até certo desconcerto que as pessoas estão vivenciando o “retorno” ou o “novo normal”. Num primeiro momento, registrou-se uma certa sensação de desnorteamento labiríntico ao nos vermos, depois de tanto tempo, cercados de pessoas de carne e osso ocupando o mesmo espaço e falando todas juntas. Deixamos de padecer de instabilidade de conexão. Porém, por outro lado, tudo ficou muito barulhento, uma vez que perdemos a possibilidade de mutar os microfones ou abaixar o volume dos nossos autofalantes. Lidar com pessoas presencialmente reais tem exigido um grande exercício de readaptação.

+ O que seria próprio do humano?

Outra coisa que tem sido relatada por muitos conhecidos e pessoas que andei inquirindo nas últimas semanas é a mudança nos espaços de trabalho. Não por acaso eles se tornaram menores, mais apertados e claramente insuficientes para uma ocupação plena de todo staff. Já imaginávamos: durante a pandemia, muitas empresas reduziram suas estruturas físicas, tanto como forma de minimizar custos quanto como estratégia de reengenharia na dinâmica de produção. E aquilo que prevíamos se tornou real: nada será como antes; o home office e o sistema híbrido vieram para ficar.

Ainda é difícil avaliar os efeitos dessa “nova normalidade” na vida das pessoas, principalmente no que se refere à saúde mental e à humanização, dimensão que vinha chamando a atenção no universo corporativo no período pré-pandêmico e que no presente momento apresenta um caráter especialmente desafiador. De qualquer forma, certamente será necessário, por parte dos gestores de pessoas e de todos aqueles que se dedicam ao tema da humanização no trabalho, estar atentos a essas novas configurações impingidas pelo contexto pós-pandêmico. Se as condições já eram desafiadoras antes da “hecatombe”, nas atuais circunstâncias pensar e propor a humanização no ambiente de trabalho se tornou uma verdadeira missão. Tendências complexas e claramente deletérias, como, por exemplo, o sentimento de isolamento e solidão, já tão apontadas no cenário anterior, despontam agora como realidades consolidadas e crônicas. Num contexto de crescente dissolução das relações presenciais, como lidar, por exemplo, com o agravamento do isolacionismo e suas consequências?

Se antes mesmo da pandemia notávamos que a precariedade dos vínculos e das relações autenticamente humanas no universo do trabalho era um dos fatores mais importantes na geração de ambientes tóxicos e desumanizados, o que esperar desses novos tempos em que os encontros tenderão a ser cada vez mais virtuais e absolutamente técnicos? Como pensar em humanização em tempos de “cafés virtuais” e “happy hours remotos”?

Quando imaginávamos que nosso desafio era apenas ingente, nos damos conta de que ele é, na verdade, incomensurável. Tal como Dante Alighieri, que, na “Divina Comédia”, ao vislumbrar, ao longe, a entrada do oitavo círculo do Inferno, imagina estar vendo torres semelhantes às que cercam a cidadela de Montereggione, na Toscana, ao se aproximar um pouco mais percebe que, na verdade, tratava-se de gigantes monstruosos, com os quais teria de lidar para continuar sua jornada. Estejamos preparados.