A filantropia no Brasil está saindo do segundo plano. A atividade movimentou no ano passado cerca de R$ 1,6 bilhão e tem como protagonistas muitos dos maiores empresários do País e alguns desconhecidos benfeitores. Roberto Marinho, Norberto Odebrecht, José Mindlin, Maurício Sirotsky e Luís Norberto Pascoal são só alguns desses. Seus sobrenomes e o seu dinheiro estão por trás das maiores entidades voltadas para o chamado Terceiro Setor, segundo ranking elaborado por DINHEIRO. O patriarca das Organizações Globo, por exemplo, está na ponta da lista: sua Fundação Roberto Marinho figura como a maior doadora de dinheiro para projetos sociais no Brasil, com uma dotação de R$ 150 milhões em 1999, 63,54% mais do que o segundo colocado, a Fundação Bradesco (confira quadro na pág. 90). A Fundação Vitae, comandada por Mindlin, ex-dono da Metal Leve, está na quinta colocação, com investimentos de R$ 11,7 milhões, principalmente na área cultural. ?Entidades sem fins lucrativos só têm sucesso quando seus dirigentes têm espírito empresarial?, diz Norberto Odebrecht, presidente da fundação que leva o nome da sua família e está em décimo lugar, com orçamento de R$ 6 milhões.

Para chegar aos maiores doadores do Brasil, DINHEIRO pesquisou mais de trinta instituições com base numa relação da Kanitz & Associados, consultoria de São Paulo especializada em investimentos no Terceiro Setor. Perguntou para cada uma dessas qual foi seu orçamento no ano passado. E descobriu, por exemplo, que as maiores dotações pertencem a fundações que têm nomes fortes por trás, como Globo, Bradesco, Banco do Brasil, Ford e Vitae. ?Nomes de peso dão mais credibilidade aos projetos?, conta José Mindlin, da Vitae. ?Quando apoiamos é porque já examinamos e consideramos a causa importante.? Não que agora eles estejam dispostos a pôr a mão no seu bolso com mais desprendimento do que antes. O que se vê é a profissionalização da filantropia. As companhias não têm mais um departamento para estudar a liberação de recursos para patrocínio de um coral ou construção de uma creche. Elas criaram fundações, com estruturas independentes e que, mesmo estando ligadas a uma empresa, assumem uma postura de captação de recursos. Outra conclusão do estudo de DINHEIRO é de que o que mais importa para uma entidade filantrópica no Brasil não é o que o empresário que a mantém pode oferecer, mas sim sua capacidade de arrecadar dinheiro.

O quadro da filantropia no Brasil é, assim, bastante diferente da que movimenta bilhões nos Estados Unidos. Lá, o conceito de fundação é outro. Normalmente, elas recebem o dinheiro de grandes empresários, que doam em vida parte do seu patrimônio. Bill Gates, por exemplo, destinou US$ 22 bilhões para projetos sociais e é indicado pela revista Time como o maior doador de seu país. Por aqui, a história muda. Roberto Marinho, com um patrimônio estimado em US$ 6,4 bilhões, tem outra filosofia. A entidade que fundou usa o modelo das alianças com outras empresas e até com organismos internacionais para financiar suas idéias. Muitas destas parcerias só ocorrem por causa das leis de incentivo da União e Estados.

Criada em 1977, a Fundação Roberto Marinho atua em três áreas: educação, patrimônio histórico e ecologia. O projeto Cores das Cidades, por exemplo, revitalizou centros históricos de municípios como Rio, Recife, Curitiba, Fortaleza e Santos. Na área educacional, o programa Telecurso 2000 já produziu 1.272 aulas pela televisão para formação de jovens e adultos que precisam concluir o ensino fundamental e médio. A iniciativa mais importante hoje para a fundação é o Canal Futura ? que mantém uma programação educativa e é utilizada como ferramenta de ensino em escolas públicas. No ar desde setembro de 1997, a TV é um trabalho em conjunto com 15 grupos empresariais. Banco Itaú, Sadia, Grupo Votorantim e as fundações Bradesco e Odebrecht são alguns deles. ?Além disso, Roberto Marinho consegue algo que poucos conseguem: dar visibilidade aos seus parceiros?, avalia Francisco Azevedo, vice-presidente do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife). ?Vale a pena trabalhar junto com a Globo.?

 

É claro que o peso do nome do empresário Roberto Marinho contribui para determinar a quantidade de parceiros. Mas não é só isso que faz uma entidade conseguir ou não recursos. O melhor exemplo é a Fundação José Silveira, da Bahia, que teve o quarto maior orçamento no ranking de 1999: R$ 35,4 milhões. Por trás da fundação está um médico de 97 anos que dedicou a vida inteira à pesquisa e tratamento da tuberculose. Nenhum milionário, nenhum empresário famoso. José Silveira mantém o programa mais completo de tratamento dos doentes tuberculosos do Brasil. E ele nunca teve apoio da iniciativa privada. O programa de saúde, que atende 50 mil pessoas por ano, é mantido com o dinheiro arrecadado por um hospital privado, um laboratório de análises clínicas e uma empresa de estudos ambientais criados por ele. ?São três empresas, com estruturas separadas, que servem de captadores de recursos para a fundação?, explica Antônio Brito, diretor da José Silveira.

Outra constatação é que nem sempre é preciso uma estrutura como esta ou mesmo dinheiro para tocar uma boa idéia. Em algumas fundações que aparecem no ranking existe apenas o idealismo de uma pessoa. É o caso da lanterninha da lista, a Projeto Pescar, de Porto Alegre, que sobrevive com uma receita anual de apenas R$ 200 mil. A Pescar foi criada há 24 anos por Geraldo Linck, um conhecido empresário da região Sul. Ele queria fazer alguma coisa por adolescentes carentes sem ser assistencialista. Montou uma escola técnica de mecânica em sua revendedora de máquinas pesadas. Outras empresas se interessaram pela idéia e há 12 anos, o Pescar passou a ensinar seu know-how, numa espécie de franquia social. Hoje a idéia de Linck já rendeu 39 escolas em seis Estados brasileiros. Cada uma transmite um tipo de ofício para jovens de 15 a 18 anos. ?A filosofia era ensinar alguma coisa para abrir espaço para eles no mercado de trabalho?, conta a diretora-executiva da fundação Rose Marie Motta Linck, viúva do empresário. ?Ou seja, ensinar a pescar, em vez de dar o peixe?.

Colaboraram Laura Somoggi e Fabiana Godoy