Acostumado a fazer o curto trajeto entre o Aeroporto Internacional de Las Vegas, no Estado de Nevada, até os luxuosos hotéis na principal avenida da cidade, a Las Vegas Strip Paradise, o motorista cubano Alberto (ele se recusou a informar o sobrenome), aos 55 anos, não tem planos de sair dos Estados Unidos. Há 25 anos no país, ele não vê motivos para abandonar o lugar onde construiu sua estabilidade pessoal e financeira e fez amigos que se tornaram sua família. A mudança na presidência americana também animou o imigrante, que é um crítico ferrenho do governo de Barack Obama. Alberto se declarou contra as políticas relacionadas à reaproximação diplomática com Cuba.

Embora tenha passado grande parte da sua vida em solo americano (ele também tentou a vida na Alemanha), o motorista não é fluente em inglês e mistura idiomas em uma mesma frase. Mas nada que o impeça de transmitir com clareza sua mensagem de esperança no mandato do republicano Donald Trump. “Trump assumiu os EUA para colocar ordem e acabar com o entra e sai do país”, diz ele. “Lembro que, quando fui morar na Alemanha, demorei para conseguir o visto de permanência. Aqui, não tive problema algum. Por isso tem tantos imigrantes. Os EUA estão de portas abertas para qualquer um.”

O ponto de vista de Alberto é o oposto ao da maioria da população americana. Em pouco mais de três meses de governo, Trump trilhou um caminho de controvérsias: desfez importantes acordos comerciais, comprou brigas internacionais e usou as redes sociais como megafone. Sua conta no Twitter incita a fúria de comunidades globais. A soma de todos esses fatores explica o alto índice de desaprovação do presidente republicano, que detinha 54% de rejeição poucos dias antes de completar 100 dias de Casa Branca. “Não gosto dele por ele ser racista, governar apenas para os ricos e, principalmente, por ser misógino”, diz Sue Bruno, de 67 anos, que estava a passeio na cidade dos cassinos.

Nos seus primeiros dias em Washington, Trump mostrou determinação em desfazer grande parte do legado do democrata Obama. Com apenas sete dias de mandato, ele flexibilizou o programa de saúde Obamacare; retirou os EUA do que viria a ser o maior acordo comercial do mundo, a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que contava com a participação de 40% do PIB do planeta; sinalizou uma renegociação com o Canadá e o México sobre o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês); aprovou a construção de um oleoduto criticado por ambientalistas, assim como tenta taxar em 20% os produtos que tenham o México como origem.

Desde que anunciou o aumento de impostos aos produtos mexicanos e grandes empresas passaram a voltar a estudar a possibilidade de construir uma unidade em solo americano. A primeira a anunciar um investimento no país foi a montadora Ford. Até multinacionais estão revendo seus planos, como a coreana Samsung e a brasileira Braskem, que já dão sinais de instalar fábricas em solo americano.

A bandeira do protecionismo de Trump tem o poder de afetar tanto os EUA como o mundo. Uma análise enviada com exclusividade à DINHEIRO pela seguradora de risco Coface mostra que, em termos comerciais, a taxação de 20% aos produtos mexicanos e de 45% aos chineses pode desencadear uma guerra comercial, o que aumentaria os preços aos consumidores americanos. Isso afetará, principalmente, as famílias de baixa renda, grande parte do eleitorado de Trump. Além disso, o aumento de gasto com o efetivo militar – que chegará a US$ 650 bilhões, um avanço de 10% após cinco anos de redução – poderá aumentar a dívida pública americana, que atualmente está em torno de 104% do PIB do país. “Embora a economia mundial esteja melhorando, há um risco global: o presidente Trump, com as incertezas geradas por suas ações políticas”, disse o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em entrevista ao Broadcast do jornal “O Estado de São Paulo”.

A política externa de Trump está tirando o sono de organizações internacionais e, até mesmo, dos chineses. Se antes uma das principais preocupações era em relação ao protecionismo econômico, desde o início de abril o receio passou a ser belicista. O presidente americano decidiu se mostrar mais presente em questões internacionais e interveio diretamente na guerra civil síria. Para retaliar o regime de Bashar al Assad, acusado de usar armas químicas na província de Idlib, norte da Síria, Trump autorizou um ataque aéreo a uma base militar do ditador sírio. Ao menos 21 pessoas morreram com o ataque americano. Depois dessa ofensiva no Oriente Médio e de reuniões do Conselho de Segurança da ONU terem sido convocadas às pressas, Trump passou a encarar um novo alvo, a Coreia do Norte.

Em sua conta no Twitter, Trump ameaçou o ditador Kim Jong-Un, caso não interrompesse os testes com mísseis de longo alcance. O recado gerou um aumento nas tensões entre o governo coreano e o americano porque Jong-Un não recuou e afirmou estar preparado para qualquer ação do governo de Washington. Nessa troca de ameaças, a China contemporizou e pediu calma aos dois lados. “Trump é a maior fonte de incerteza na política internacional de hoje. Principalmente por ele querer redefinir o papel dos EUA no mundo”, diz Willis Sparks, diretor global de macropolítica da Eurasia Group. “Haverá um monte de testes e suposições erradas traçadas por Trump. Do ponto de vista empresarial, isso é negativo, pois os mercados odeiam a incerteza.” Em 100 dias, Trump mostrou do que é capaz. O mundo sobreviveu. Resta saber se será capaz de aguentar os próximos 1.300 dias de governo.


América grande de novo?

Em 100 dias de governo, Donald Trump chacoalhou os EUA e o mundo, com uma posição protecionista e uma ameaça de Guerra. Confira alguns dos seus controversos atos nesse período: