Na ausência de armas mais poderosas para lutar contra a apreciação do real, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aderiu ao arsenal do Banco Central: vai usar os recursos do Fundo Soberano para comprar dólares no mercado e tentar segurar a cotação da moeda americana pelo menos no nível atual. O fundo tem um saldo de R$ 17 bilhões, criado em 2008 a partir de um excedente do superávit primário, acumulado antes da crise. Desde então, a meta vem sendo cumprida com dificuldade. Mas Mantega diz que recursos extras poderão ser obtidos com emissão de títulos públicos, ou dívida. “É a mesma coisa do BC. 

 

O BC não tem limite para adquirir dólares. O Tesouro também não tem limite para comprar. É uma troca de real por dólar, não se está fazendo nenhum gasto, só uma troca de moeda por outra”, explicou o ministro na quarta-feira 22, quando anunciou que o Banco Central será encarregado de executar as operações do Tesouro. A questão é: por que a Fazenda precisa fazer o que o BC já está fazendo?

 

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O ministro da Fazenda, Guido Mantega (à esq.), e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, 
podem atuar de maneira sintonizada, mas têm pouco poder para segurar o dólar

 

O titular da pasta responde que trata-se apenas de aumentar a munição do governo para conter a valorização do real perante o dólar, que passa de 4% em 12 meses. “É uma fonte adicional. Podemos dizer que dobra a capacidade de compra, mas certamente vamos atuar sintonizados com o BC”, disse Mantega. 

 

As compras do Banco Central continuaram fortes na semana passada. Pela primeira vez, as reservas ultrapassaram US$ 270 bilhões. Foram quase US$ 10 bilhões em compras em setembro, até o dia 21. O problema da anunciada coordenação entre BC e Fazenda é que os dois órgãos do governo têm interesses distintos. Para o BC, que tem a função de conter a inflação, interessa um dólar desvalorizado, porque permite importações baratas. 

 

Seu maior esforço, no dia a dia, é evitar as flutuações bruscas, o que tem conseguido (nos dias seguintes ao anúncio, o dólar se manteve estável, próximo a R$ 1,72). Já a Fazenda, que tem outras atribuições e é mais sujeita a interferências políticas, tem que lidar com a choradeira dos empresários brasileiros afetados pelas importações e com menor competitividade para exportar. 

 

Poderia, portanto, atuar para elevar a taxa de câmbio um pouco mais que o desejável pelo BC. Na prática, no entanto, as coisas são bem mais difíceis: o regime de câmbio é flutuante, a taxa não é mais definida em Brasília por burocratas e a tendência global do dólar é de desvalorização, dada a fraqueza da economia dos Estados Unidos.

 

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Ao insistir que o poder de fogo do governo é colossal, o ministro Mantega tenta reduzir a especulação cambial no gogó. O fato é que os R$ 17 bilhões do Fundo Soberano durariam poucos dias se fosse feitas intervenções pesadas no mercado. Talvez tivesse sido melhor deixar as coisas seguirem seu rumo natural, sem criar uma espécie de BC do B. Novidades que nada mudam podem atrapalhar. 

 

A enxurrada de dólares continua forte no Brasil, inclusive por conta da capitalização da Petrobras, e há pouco o que se possa fazer para impedir novas altas do real nos próximos meses. “É um instrumento a mais, mas o Fundo Soberano vai fazer o que o BC já vem fazendo”, afirma o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. 

 

A economista-chefe do RBS Global Banking & Market, Zeina Latif, acha que a intervenção da Fazenda deve colocar alguma areia na engrenagem, mas não necessariamente vai funcionar. “É um instrumento paliativo. O ideal seria ter superávits fiscais nominais e comprar dólares com os recursos que sobram, sem exigir a emissão de títulos”, propõe.