O professor Raj Sisodia, guru do mundo dos negócios que conquistou a atenção de empresários do porte de Abilio Diniz, está navegando por novas águas. Fundador do movimento Capitalismo Consciente, que incentiva as empresas a se pautar por um propósito e não somente pelo lucro, o indiano naturalizado americano propõe uma nova abordagem para o feminismo no mercado de trabalho. O assunto está em voga, especialmente depois dos escândalos sexuais que abalaram diversas indústrias, de Hollywood ao turismo. Nessa guerra dos sexos, sobram acusações e falta diálogo, especialmente nas redes sociais. Mas Sisodia acredita que a questão não é sobre sexo ou gênero, mas sobre poder. “Esses homens poderosos sentem que podem fazer qualquer coisa a qualquer pessoa”, diz o professor. “É uma questão de acabar com essa noção de dominação masculina.” Em visita ao Brasil, Sisodia conversou com a DINHEIRO sobre como a valorização de conceitos femininos, como compaixão, empatia e incentivo, pode não só ajudar a acabar com essa disputa, mas também a formar líderes melhores. “O trabalho já tem muito de masculino. Precisamos elevar o feminino”, diz Sisodia. Confira a entrevista:

DINHEIRO – O sr. propõe um novo enfoque para a questão do feminino no mundo do trabalho. Qual seria?

RAJ SISODIA – O enfoque é a liderança. Por toda a nossa história, a liderança sempre foi ensinada e vista por um ponto de vista masculino. Praticamente toda instituição na sociedade foi liderada por homens, usando um leque limitado de recursos masculinos. É o que chamamos de hipermasculinidade. Dominação, agressividade, competição, resultados a todo custo, sempre com um estilo militarizado. Claro que também existem conceitos masculinos que são positivos, como força, disciplina e coragem. Mas o que se vê na sociedade é que valores femininos, como cuidado, compaixão, incentivo, vulnerabilidade, empatia, são vistos como fraquezas, sem um lugar no conceito de liderança. Eles pertencem ao lar e à família. As mulheres e os valores femininos foram suprimidos. Entretanto, valores masculinos e femininos existem tanto nos homens como nas mulheres. E mesmo os homens não se permitem demonstrar esse lado. Garotos são ensinados, desde criança, a não demonstrar emoções, ou serão ridicularizados. Isso é bastante prejudicial, pois invalida um aspecto importante da própria humanidade. Os líderes precisam ser mais femininos.

DINHEIRO – A ideia, então, é mais avançada do que se supõe em relação a essa demanda por mais mulheres no mercado de trabalho e em cargos de liderança. Não adianta apenas aumentar a presença feminina, é preciso também tornar a cultura empresarial mais feminina?

SISODIA – Uma combinação de masculino e feminino. O trabalho já tem muito de masculino. Precisamos elevar o feminino. Não somente isso: promover a masculinidade e a feminilidade maduras. Não queremos substituir um pelo outro. Nós queremos a força, a coragem e a disciplina masculinas, mas não a competição excessiva e a agressividade. A ideia é se tornar uma pessoa completa. Como disse Carl Jung (psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica), todo homem tem uma mulher interior e toda mulher tem um homem interior.

DINHEIRO – O que os líderes devem fazer para se tornarem essa pessoa completa?

SISODIA – O primeiro passo é autoconhecimento. É preciso entender o seu modo padrão, quais qualidades que expressa com mais evidência. A partir desse conhecimento, há diversos exercícios, que apresento no livro Liderança Shakti (HSM, 2016), sobre como cultivar outros aspectos. Mas é uma jornada de longo prazo de desenvolvimento pessoal.

DINHEIRO – Essas características estão relacionadas ao gênero da pessoa, ou um homem pode reunir mais qualidades femininas em seu estilo de liderança, por exemplo?

SISODIA – A questão é ser uma pessoa completa. Não se trata de ser mais masculino ou feminino. A linguagem, algumas vezes, pode ser uma barreira. Homens não querem ser chamados de femininos e mulheres não querem ser chamadas de masculinas. Então, tento usar a ideia de energias masculina e feminina. Mas também podemos falar de força versus amor. Nós queremos os dois. Então, podemos adotar uma linguagem que não tem relação com gênero. Uma frase que utilizo é que o líder deve se tornar um “sábio tolo de amor forte”. Ele precisa ter a habilidade de ser duro, mas amável. Deve ter sabedoria, mas também a ingenuidade de uma criança. Seu modo padrão pode ser o de uma pessoa sábia e rigorosa. Entretanto, deve aprender a ser carinhoso e desenvolver um senso de humor. Outra pessoa pode ser brincalhona e rigorosa. Donald Trump, por exemplo, é um tolo rigoroso, o tempo todo. Ele precisa desenvolver a sabedoria e o seu lado amoroso.

“Trump é como uma criança durona. Barack Obama é sábio e amável e tinha alguma firmeza. Hillary Clinton seria durona, como Trump, mas sábia, e não infantil.” – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (à esq.), e seu antecessor, Barack Obama (Crédito:AFP Photo / Jim Watson)

DINHEIRO – O sr. está propondo essa discussão em meio a uma grande crise entre os sexos, com acusações de assédio sexual aparecendo em diversas indústrias. Como o sr. espera que homens e mulheres reajam?

SISODIA – Isso é resultado da hipermasculinidade e do patriarcado na sociedade. Homens têm todo o poder e as mulheres são secundárias. É uma questão de poder, e tem de acabar. Não é sobre sexo, é sobre poder. Esses homens poderosos sentem que podem fazer qualquer coisa a qualquer pessoa. Eles abusam de mulheres e também de outros homens. É uma questão de acabar com essa noção de dominação masculina. Eu acredito que este é o século em que veremos a igualdade para as mulheres. O século 19 marcou o fim da escravidão. O século 20, em grande medida, marcou o fim das ditaduras e do totalitarismo. O século 21 marcará o fim da opressão do feminino e das mulheres.

DINHEIRO – A sua proposta é de uma jornada interior para que os líderes encontrem o seu lado feminino. Porém, o que acontece hoje no mercado é que as mulheres recebem o equivalente a 70% do salário dos homens, para a mesma função. Essa não é uma agenda mais urgente para o feminismo?

SISODIA – Acredito que são processos paralelos. Pagamento igualitário pode ser uma questão de legislação. Nos Estados Unidos, temos a Equal Rights Amendment, proposta muitos anos atrás (a emenda constitucional foi redigida em 1923 e ainda não foi ratificada por todos os Estados americanos). Mas isso vai acontecer, assim como o casamento gay, que há 20 anos não era permitido. Na minha visão, é uma questão de políticas públicas. E, nos EUA, em resposta a Trump, muitas mulheres estão acordando para a política.

DINHEIRO – Os homens podem liderar essas transformações, ou se trata de uma atribuição que deve ser encabeçada exclusivamente pelas mulheres?

SISODIA – Eu vejo que as mulheres querem que os homens sejam seus aliados. Não acredito que isso seja um problema. Assim como homens não se comportam de uma maneira madura, algumas vezes, mulheres também podem encarar a questão como uma batalha dos sexos. Mas acredito que essa seja uma abordagem errada. Meu livro trata de acabar com essa guerra, trazer conciliação. Homens e mulheres completam um ao outro. Não é preciso haver vencedores e perdedores.

DINHEIRO – Mas os homens precisam ser mais femininos…

SISODIA – Precisamos do masculino. Haverá exércitos, polícias e pontes para serem construídas. Os homens construíram o mundo, de diversas maneiras. Mas as mulheres poderiam ter feito mais, se fosse permitido. Hoje, o que está acontecendo é que os meninos estão ficando para trás em relação às meninas. Elas estudam mais e tendem a ser mais focadas, em idade escolar.

“Ela é uma das mais poderosas mulheres do mundo, mas é resultado, quase que exclusivamente, de pura masculinidade” – A chanceler alemã Angela Merkel (Crédito:AFP Photo/John Macdougall)

DINHEIRO – Como a discussão sobre gênero e os direitos dos homossexuais e transexuais se encaixa nesse modelo?

SISODIA – Eu tento não entrar nessa questão de gênero. Estou falando de qualidades femininas e masculinas. Homens e mulheres apresentam as duas qualidades, assim como homossexuais e transexuais.

DINHEIRO – No fundo, a ideia é eliminar essa questão do gênero da liderança, focando apenas nas qualidades que um ser humano precisa ter para ser um bom líder?

SISODIA – Exato. Precisamos ser uma pessoa completa. A maioria das pessoas tem pai e mãe, certo? Mas, algumas só têm um dos dois. Nesse caso, elas precisam que esse pai ou essa mãe reúna as qualidades de ambos: cuidado, compaixão, incentivo e também regras, disciplina, força. Um líder, quase sempre, é uma só pessoa e ele precisa ser completo, da mesma forma.

DINHEIRO – Por que o sr. resolveu tratar desse tema, num momento tão conturbado?

SISODIA – Trabalhando com as empresas do capitalismo consciente, eu percebi que muitos valores presentes eram associados ao feminino. São qualidades que as mulheres, naturalmente, têm. Eu já vinha falando sobre a ascensão dos valores femininos, que vem acontecendo há algum tempo. Um dos motivos para isso é a educação. O ano de 1989 foi um marco por vários motivos, como a queda do Muro de Berlim. Mas também foi o ano em que, pela primeira vez, os EUA tiveram mais mulheres graduadas na faculdade do que homens. Cada vez mais empregos requerem nível universitário. Os números mostram que essas vagas serão dominadas por mulheres. Valores femininos se tornarão um padrão, simplesmente porque as mulheres vão dominar o mercado de trabalho. Esse ponto de virada está se aproximando.

DINHEIRO – Considerando os líderes políticos atuais, quem o sr. elegeria como o mais bem balanceado em relação a essa questão?

SISODIA – É uma pergunta difícil. Trump é como uma criança durona. Barack Obama é sábio e amável e tinha alguma firmeza. Hillary Clinton seria durona, como Trump, mas sábia, e não infantil. Para responder, na verdade, eu teria de voltar no tempo e pensar em alguém como Abraham Lincoln, Nelson Mandela ou Mahatma Gandhi. O Dalai Lama também é assim. Mas, no mundo político atual, são poucos.

DINHEIRO – E Angela Merkel?

SISODIA – Ela é uma das mais poderosas mulheres do mundo, mas é resultado quase que exclusivamente de pura masculinidade. Ela veio do mundo comunista, onde não havia muitas qualidades femininas. Eram todos iguais, mas viviam como homens.

DINHEIRO – E no mundo dos negócios?

SISODIA – Herb Kelleher, da companhia aérea Southwest Airlines, é um líder que chega bem perto. O encontrei algumas vezes. É brilhante, simpático e bem humorado, mas duro quando tem de ser. Howard Schultz, da Starbucks, também reúne essas qualidades. Paul Polman, da Unilever. Richard Branson, da Virgin, também. São poucos, porque o nosso protótipo de líder não é esse.