Efetivado em março no cargo de ministro do Planejamento, após dez meses de interinidade, o economista Dyogo de Oliveira tem dedicado a maior parte de seu tempo para prestar esclarecimentos sobre dois temas de obsessão do governo federal: a reforma da Previdência e o plano de concessões. No primeiro, o desafio é convencer parlamentares da necessidade de aprovar pautas impopulares. No segundo, é seduzir investidores a apostar no novo cenário do Brasil.

No final deste mês, Oliveira ganhará reforço nesta última tarefa. Estará ao lado de Michel Temer, dos comandantes do Senado e da Câmara, e de outros ministros, para expor oportunidades no Fórum de Investimentos Brasil 2017, que reunirá em São Paulo 1.400 investidores de todo o mundo. O esforço não é à toa. Busca compensar a perda de capacidade de investimento do Estado. “Vamos substituir, parcialmente, o que seria investimento público pelo privado”, afirmou Oliveira à DINHEIRO na quinta-feira 11.

DINHEIRO: O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, indicou num evento recente que poderia haver uma revisão para cima da previsão do PIB deste ano. O governo avalia essa possibilidade?
DYOGO DE OLIVEIRA: Eu estou ouvindo essa informação de você (risos). Temos um ciclo orçamentário que prevê revisões periódicas. A cada dois meses, refazemos as projeções, mas eu não recebi nenhuma alteração ainda.

Há sinais de que a retomada da economia engrenou?
Os dados do primeiro trimestre foram muito positivos. As projeções do mercado são de 0,9% de crescimento trimestral do PIB. A produção industrial teve um crescimento de 0,7%, o comércio de 3,1% e o setor de serviços também veio positivo. O IBC-Br, indicador coincidente do PIB, acumulado até fevereiro, dá 1,3% de crescimento sobre o trimestre anterior. São indicadores que mostram o fim da recessão. A nossa percepção hoje é que o primeiro trimestre foi positivo e podemos marcar isso como o início da retomada do crescimento.

A tendência é sustentável?
Sim. A tendência da economia, agora, é ir melhorando a cada novo período. Isso não quer dizer que no próximo trimestre vai crescer mais, mas nós vamos ter uma sequência de dados positivos. A tendência demonstrada pelos números é de que a recuperação, embora gradual, é permanente, não vai ter sobressaltos como em outras ocasiões em que a gente teve recuperações mais rápidas, mas também mais volatilidade. Desta vez, não. Nós teremos uma recuperação gradual da economia, mas continuada.

O IPCA de abril mostrou a inflação abaixo do centro da meta, no acumulado em 12 meses, pela primeira vez em sete anos. O mercado leu isso como um espaço para juros mais baixos. Para quanto pode cair a taxa básica de juros?
Esta é uma pergunta que eu não posso nem ouvir (risos). Não é nem responder, eu não posso nem ouvir. O governo tem prezado muito – e este é um dos motivos da recuperação –pela independência operacional do Banco Central. Este é um assunto que a gente não pode fazer nenhum comentário, porque, tudo que eu disser, vai fazer justamente o efeito oposto.

“Vivemos num país democrático. O governo envia uma proposta e sabe que haverá alteração”
“Vivemos num país democrático. O governo envia uma proposta e sabe que haverá alteração” (Crédito:Wenderson Araujo)

Diante desse quadro, já é possível prever uma recuperação do emprego?
O emprego é o último a entrar em crise e também o último a sair dela. Como estamos no início da retomada, o mercado de trabalho será impactado mais para frente. É cedo para fazer uma projeção.

Dados recentes sugerem uma grande queda no investimento público, da ordem de 60% no primeiro trimestre. O Estado perdeu a capacidade de investir?
Nós temos uma conjuntura fiscal muito severa, uma projeção de déficit neste ano de R$ 139 bilhões. Temos adotado uma série de ações, revisão de programas, redução de despesas, mas o desempenho da arrecadação é muito fraco, o que reflete a duração da crise. Isso impactou a capacidade financeira das empresas. A arrecadação vai demorar para reagir. Não só o governo federal, mas as diversas esferas de governo estão num momento em que a capacidade de investimento ficou reduzida. Não vamos conseguir nos próximos anos manter os mesmo níveis de investimento dos últimos dez anos. A alternativa é a expansão dos projetos de concessão e de parcerias com o setor privado. Vamos substituir, parcialmente, o que seria investimento público por investimentos privados. Os aeroportos já saíram, teremos agora mais uma rodovia e já tivemos três áreas de portos. Vamos ter, neste mês, mais uma rodada de leilões de petróleo, no segundo semestre, outras duas, 35 linhas de transmissão e cinco ferrovias que estão concedidas e vão ter programa de antecipação de investimento.

Do ponto de vista qualitativo, o investimento público não é uma rubrica que deveria ser priorizada?
O problema é que nós temos 90% do orçamento indexado com despesas obrigatórias. Quando há uma flutuação de receitas, o espaço que temos para administrar é muito pequeno e acaba prejudicando mais o investimento, porque é a única área que tem alguma flexibilidade, o que não é desejável. É por isso que é muito importante a reforma da Previdência e outras que estamos fazendo, para abrir espaço dentro do orçamento. A Previdência ocupa 55% da despesa e aperta outras áreas. Não só está ocupando 55%, como está se ampliando. Neste ano, o gasto com a Previdência vai crescer R$ 50 bilhões. O investimento total deve chegar a R$ 30 bilhões.

Qual é a fatia do investimento?
O investimento chega a 3% da despesa.

Deve se manter nesse patamar nos próximos anos?
Estamos fazendo todo o esforço para isso, com a reforma, com a revisão dos programas de políticas públicas, com as iniciativas que o governo tem tomado de controle das despesas e de redução dos subsídios. As iniciativas vão permitir que a gente sustente o nível de investimentos do governo federal.

Há risco de cair?
Se as reformas não passarem, não há alternativa, vai ter de ampliar ainda mais a parte da Previdência nas despesas e isso vai tirar todas as outras despesas do orçamento. Nas nossas projeções, até 2060, a Previdência já consumiria 90% das despesas. Essas coisas estão interligadas, não é uma decisão autônoma. O orçamento tem limite.

Estamos acostumados a ver anúncios ambiciosos de planos de concessões, leilões e que, no final das contas, não são cumpridos. Como garantir que tudo que está no plano sairá do papel?
A primeira coisa é fazer um plano factível. As propostas entram no programa de parcerias quando elas estão maduras, quando já têm estudos técnicos, já há um nível de preparação que permite a gente ter certeza que essas medidas vão ser realmente efetivas. Temos a concessão da BR-101 para este ano, no Rio Grande do Sul, as BRs-364 e 365, também para este ano. E, para o ano que vem, a BR-101, em Santa Catarina, o leilão de três que já estão concedidas, que são a Nova Dutra, a CRT (Concessionária Rio Teresópolis) e a Concer (Juiz de Fora-Rio de Janeiro). É um projeto pé no chão, são rodovias em que os estudos já estão avançados, que temos informações dos interessados. A outra ação é dar credibilidade aos projetos, com regras claras, transparentes, viabilidade financeira e econômica comprovada.

Qual a ordem de investimentos dos projetos já considerados avançados?
Nesta segunda rodada temos R$ 45 bilhões em 55 projetos.

Qual o argumento para convencer o investidor a apostar no Brasil num momento em que ainda há incerteza política, um ambiente macroeconômico que ainda não está completamente claro, uma menor participação do BNDES e um País que não tem grau de investimento?
Em primeiro lugar, o Brasil está fazendo algo que poucos no mundo estão enfrentando, que são grandes reformas estruturais, para criar melhores condições ao crescimento. Os investidores sabem ler isso. Segundo, que o Brasil é um país seguro, onde o investimento estrangeiro, historicamente, foi bem recebido. Estamos aprimorando o marco legal de diversos setores, dando mais segurança jurídica, transparência, tentando melhorar a relação com os órgãos de regulação. O que recebemos do contato com diversos grupos é que há muita expectativa sobre o Brasil, os investidores querem participar do processo de retomada do crescimento. Convidamos os principais presidentes de empresas, grandes investidores e gestores de carteira de todo o mundo para participar, no final do mês, do Fórum de Investimentos no Brasil. Há interesse em entender melhor os efeitos das reformas.

Quem são os maiores interessados até agora?
Há manifestações de interesse de grandes fundos de investimentos, tanto fundos financeiros, de renda fixa, como os chamados private equities (participação em empresas), de diversas partes do mundo. Há investidores operacionais, a exemplo das empresas que compraram os aeroportos, que operam infraestrutura no mundo, setores industriais e de logística.

O Congresso afrouxou as regras do Programa de Regularização Tributária (PRT), o que deve reduzir a arrecadação em R$ 6 bilhões. Se o texto ficar assim, a recomendação da área econômica será pelo veto do presidente?
Se realmente tiver toda esta perda de arrecadação, não teremos outra alternativa que não seja ampliar o contingenciamento. Já tivemos R$ 42 bilhões de contingenciamento para o qual estamos tentando encontrar receitas – o Refis era uma delas. Se a lei for aprovada desta maneira, haverá perdas. Evidentemente que não podemos concordar com isso e estamos inclinados a recomendar o veto. Não podemos concordar com uma medida que implique na redução de receitas a esta altura dos acontecimentos.

Os empresários falavam que, se ficasse da forma como estava, a adesão seria muito aquém do previsto.
Fizemos uma estimativa que tinha em perspectiva um nível de adesão de R$ 8 bilhões de receita para este ano. É evidente que isso talvez não fosse atrativo para alguns empresários, mas estava na nossa estimativa. O problema é, que da forma como está colocado agora, mesmo que haja uma grande adesão, os descontos e os perdões são tão generosos que, na verdade, não se arrecadará nada. Em vez de R$ 8 bilhões, a estimativa agora é de R$ 2 bilhões. Vai ter mais adesão, mas menos arrecadação. Não faz sentido.

O relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, traçou um cenário desafiador para o cumprimento do teto dos gastos nos próximos anos, inclusive com a reforma da Previdência. O risco de estourar o teto é real? Qual é o caminho para que isto não ocorra?
Cada exercício precisa ser avaliado pelas hipóteses que assumiu. Dentro das hipóteses que trabalhamos, é possível, sim, ter o cumprimento do teto, com a aprovação da reforma da Previdência. Sem a reforma, não é possível.

As contas de alguns analistas sugerem que as mudanças na reforma da Previdência provocam uma redução maior que o previsto pelo governo na economia com os gastos previdenciários nos próximos anos. O governo cedeu demais?
De novo, as nossas estimativas apontam que não. O projeto atende as necessidades do ponto de vista fiscal, embora tenham sido feitas flexibilizações importantes, que atenderam demandas legítimas do Congresso Nacional. É legítimo que haja alterações. Sinceramente, acho um pouco escandaloso que as pessoas se manifestem de uma maneira tão ríspida em relação ao Congresso. Vivemos num país democrático. O governo envia uma proposta, a coisa mais óbvia é saber que haverá alteração. As alterações foram acordadas e, do nosso ponto de vista, atendem plenamente às expectativas sob o ponto de vista fiscal.

Qual é a estratégia para aprovar em plenário agora?
É divulgação, mostrar aos parlamentares as alterações feitas, as consequências de não se aprovar e os riscos ao País. Estamos nos comunicando em vários canais para mostrar que a reforma da Previdência beneficia os aposentados, porque não adianta você ter a expectativa de que vai se aposentar ganhando valores determinados e, ao final, não ser possível pagar, como aconteceu com vários países e está acontecendo em vários Estados.

Conversando com alguns parlamentares, ainda há resistência. Será preciso abrir uma nova rodada de negociações?
Vamos convencê-los com argumentação, explicação e vamos aprovar.

O senhor não acredita que será preciso fazer novas concessões? Já se fala em expandir a idade especial para agentes penitenciários, uma nova revisão do Benefício da Prestação Continuada…
Por enquanto, não entramos nesta fase. O que temos de fazer agora é um trabalho de comunicação, de explicar. Aí, na hora da votação, veremos se essas coisas vão aparecer ou não.