Viktor Orban se refere a seu governo como “revolução conservadora”. Em seus doze anos no poder, o primeiro-ministro húngaro transformou a sociedade de seu país como raramente se viu na Europa e mudou seu destino.

Em 2020, a influente ONG americana Freedom House retirou este país da Europa Central da lista de Estados democráticos e classificou-o como um “regime híbrido”, uma novidade para um membro da União Europeia (UE).

Justiça, religião, mídia, economia… Para ilustrar essa transformação que Orban quer tornar irreversível se conquistar um quarto mandato consecutivo nas eleições legislativas de 3 de abril, a AFP encontrou quatro figuras emblemáticas da sociedade civil que, sob seu governo, foram enfraquecidas, excluídas, ou condenadas.

Seu destino contrasta com o daqueles próximos ao primeiro-ministro, que experimentaram uma ascensão sob seu poder.

Contactados pela AFP, cinco recusaram pedidos de entrevista antes das eleições. É o caso de Andras Varga, atual presidente da Suprema Corte, eleito pelo Parlamento quando “não tinha qualquer experiência na Justiça”, segundo o Conselho da Magistratura (CNM).

Viktor Orban e vários de seus ministros também se recusaram a falar. Apenas um eurodeputado próximo ao premiê concordou em ser entrevistado, contrapondo as críticas de autoritarismo da Comissão Europeia à “busca de soberania” deste antigo país comunista.

A seguir, cinco perfis que ajudam a entender os últimos 12 anos na Hungria.

– O juiz demitido –

Em 2010, Viktor Orban chega ao poder. Desde o início, causa grande impacto, graças à forte maioria de seu partido, o Fidesz. Progressista em suas origens, a sigla acaba dando uma guinada para a direita.

“Começou com a justiça. É a primeira barreira ao poder absoluto”, observa o ex-chefe da Suprema Corte Andras Baka, conhecido como “o juiz que disse não” ao líder húngaro.

“Eles me fizeram sair, porque eu criticava as reformas incompatíveis com o direito europeu”, afirmou este magistrado de 69 anos, um homem afável e de fala precisa, que recebeu a AFP em sua casa no início de fevereiro. “Foi político e claramente evidente”, completou.

Baka foi demitido de um dia para o outro em 2012, após denunciar a redução da idade de aposentadoria dos juízes de 70 para 62 anos como um expurgo camuflado no Judiciário.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) julgou esta lei contrária ao direito comunitário, Washington criticou-a, mas Orban não recuou.

A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) deu razão a Baka em 2016, considerando que sua demissão buscava intimidar o órgão judicial. Ainda hoje, no entanto, o presidente da Suprema Corte pode ser destituído pelo Parlamento sem o controle de um órgão judicial independente, o que não está em conformidade com a jurisprudência do CEDH.

– O pastor decepcionado –

Pastor metodista envolvido em causas beneficentes, Gabor Ivanyi, de 70 anos, era do círculo do primeiro-ministro. O homem de longa barba branca pronunciou uma bênção no casamento do protestante Viktor Orban e batizou seus dois primeiros filhos.

Essa respeitada figura moral, especialmente por sua discordância sob o comunismo, caiu em desgraça, porém, quando se recusou a endossar a política do primeiro-ministro.

“Aparentemente, ele não gostou”, diz.

O religioso critica a “indiferença do governo com os pobres”, que se revela no tratamento reservado à minoria cigana e na proibição de os sem-teto dormirem na rua, ou de entrarem em alguns espaços públicos.

Invayi também denuncia leis “feitas sob medida” para sufocá-lo financeiramente e que “custaram sua saúde”.

Em 2011, o governo conseguiu a aprovação no Parlamento de uma lei sobre igrejas para reconhecer apenas 14 comunidades religiosas, número bem abaixo das 300 existentes até aquele momento.

Sem subsídios públicos, Ivanyi luta, desde então, para continuar administrando sua casa para pessoas sem-teto. No fim de fevereiro, o Tesouro fez uma operação de busca e apreensão em suas instalações por suspeita de “fraude em grande escala”.

– O jornalista asfixiado –

Em 2013, em discurso aos estudantes da Universidade de Varsóvia, o primeiro-ministro húngaro, alvo de manchetes na imprensa ocidental sobre “seu sonho do Orbanistão”, ataca os jornalistas.

“Na mídia, todo mundo é liberal”, diz. “Se você não quer depender da imagem que fazem de você, então construa suas próprias estruturas”. A solução? “Encontre empreendedores com visões mais tradicionais para criar veículos”, afirmou.

Desde então, a maioria dos meios de comunicação independentes da Hungria foi fechada, ou adquirida por pessoas próximas ao poder, de acordo com a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

“Ainda podemos falar em imprensa, quando 500 destes veículos dizem a mesma coisa palavra por palavra?”, questiona o diretor da Klubradio, Andras Arato.

Esta emissora nascida na década de 1990 ficou sem frequência no ano passado por decisão do regulador de mídia, o NMHH. As autoridades acusam o veículo de violar as regras administrativas, mas Arato vê isso como uma medida de punição pelo tom muitas vezes crítico de seu conteúdo. Confinada à Internet, perdeu 90% de seu mercado publicitário.

“Contamos nossos anunciantes nos dedos de uma mão”, relata Arato, de 68 anos.

“Se anunciarem conosco, terão direito a um bom controle fiscal e não ganharão mais licitações públicas”, diz ele, sobre práticas já denunciadas.

Por enquanto, consegue manter seus 80 funcionários “graças à arrecadação de fundos duas vezes por ano” e a “auditores bastante generosos”, mas se preocupa com o futuro.

Ocupando o 25º lugar no ranking de liberdade de imprensa da RSF em 2009, o país caiu para a 92ª posição, atrás do Quirguistão e do Haiti.

– O empresário perseguido –

Então conhecido como “o rei do fertilizante”, o bilionário Laszlo Bige, de 65 anos, vê-se agora como alvo de um processo “às ordens” do poder.

“A polícia ocupou uma das nossas fábricas acusadas de contaminação há três anos, o que interrompeu suas entregas no mundo todo”, conta.

“Ainda não fomos indiciados”, destacou ele, em uma rara entrevista, à AFP.

Em outro caso, sua companhia Nitrogenmuvek foi condenada em 2021 junto com outras sete empresas por acordos ilegais.

Impecavelmente vestido, o empresário nega as acusações e denuncia manobras para forçá-lo a vender a empresa para um oligarca próximo ao poder.

“Clientelismo”, “favoritismo”, “nepotismo”: em seu último relatório anual sobre o Estado de Direito na Hungria, a Comissão Europeia destacou as “ligações entre o setor privado e a política”.

“Todo mundo se alinhou. Não conheço ninguém que se atreva a dizer duas frases sinceras. Porque aí você tem que aceitar as consequências”, explica Bige do último andar da sede da empresa, com uma vista fabulosa das colinas próximas.

Ele não quer vínculos com “a máfia que dirige a Hungria” e se recusa a ceder. E evoca os artigos satíricos, das quais é vítima frequente.

“São escritos com antecedência e enviados para as redações”, acrescenta. “Eles deram sinal verde para atirar em mim, destroem a vida das pessoas”, lamenta.

– O deputado agradecido –

“Após 12 anos de governo com uma maioria sólida e uma vontade inabalável de reforma, houve uma renovação das elites. É totalmente lógico”, diz Balasz Hidveghi, companheiro de viagem de Orban.

Militante do Fidesz desde os 18 anos, vem ascendendo na carreira desde 2010: subsecretário de Estado, diretor de comunicação do partido e, agora, eurodeputado.

Pai de quatro filhos, o deputado barbudo de 52 anos agradece ao primeiro-ministro que virou definitivamente a página dos anos comunistas.

Seu pai foi mantido preso durante um ano após a Revolução húngara de 1956, sufocada pelos tanques soviéticos.

“Tudo teve que ser reconstruído, especialmente o pensamento conservador”, já que a burguesia intelectual católica foi espoliada, forçada ao exílio nos tempos soviéticos e depois marginalizada pelos liberais com a chegada da democracia em 1989.

Na sua opinião, foi-se de um extremo ao outro, porque, com o fim do comunismo, “ainda tínhamos que correr atrás do que o Ocidente fazia”, enquanto que, com Orban, a Hungria goza de grande independência, libertando-se da tutela europeia e “falando diretamente” com a Rússia, ou com a China.

“A busca da soberania é a pedra angular da nossa política, e isso explica os muitos mal-entendidos” no exterior, defende Hidveghi, que vê nas recriminações contra seu poder “as frustrações de uma oposição que está perdendo”.