O economista mineiro Eduardo Giannetti da Fonseca, principal coordenador do plano econômico da candidata à Presidência Marina Silva, da Rede, tem engrossado o tom de voz ao criticar as propostas dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) e o ex-prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT). Para ele, a incoerência dos discursos com o que ambos apresentaram na prática gera preocupações. Giannetti afirma que, caso Marina seja eleita, precisará promover uma profunda reforma da Previdência, congelar os aumentos reais do salário mínimo e colocar as contas públicas nos trilhos em cerca de dois anos. Essa é mais uma entrevista que DINHEIRO realiza com os economistas dos principais candidatos à Presidência neste ano. Confira:

DINHEIRO – O que há de novo no plano de governo de Marina Silva nesta eleição em relação às propostas anteriores?

EDUARDO GIANNETTI – Em relação aos princípios, não houve alteração. Mas em relação às medidas concretas sim, porque a situação fiscal do Brasil se agravou dramaticamente de 2014 para cá. Então, hoje temos de ter uma postura muito mais contundente e profunda em relação aos desafios que o Brasil enfrenta para equilibrar as contas públicas.

DINHEIRO – Quais são os desafios?

GIANNETTI – Vários. Vamos ter de encarar uma reforma da Previdência que contemple tanto o setor privado (o INSS), quanto o setor público, principalmente. Essa é uma agenda que o Brasil vem procrastinando há muito tempo. E, quanto mais demorarmos, mais grave o problema se torna. A Previdência tem problemas intrínsecos. Ela não é em si sustentável. A Previdência é profundamente iníqua.

DINHEIRO – A mudança na Previdência já resolveria boa parte do problema fiscal?

GIANNETTI – Consideramos que a existência de um caminho sustentável para a Previdência terá um efeito importante nas expectativas, no que estamos chamando de ancoragem fiscal. Os mercados financeiros vão aceitar quando a proposta estiver aprovada, que embora as contas ainda não melhorem dramaticamente no curto prazo, o problema foi endereçado e tende a se resolver com o tempo. Vamos ter de adotar medidas de contenção do gasto da folha do governo, tanto inativos quanto ativos, e vamos ter de repensar um pacto federativo no País, porque a constituição de 1988 nos legou uma assimetria muito grande, em que as atribuições do setor público foram transferidas para os entes federativos, para os Estados e municípios, mas a autoridade para tributar ficou concentrada na União.

DINHEIRO – Essa assimetria tem gerado confusão?

GIANNETTI – Isso gera muita má utilização dos recursos públicos. Um fato importante que todo cidadão precisa saber é que o Estado brasileiro arrecada 33% do PIB em impostos. Ou seja, de cada R$ 100 que os brasileiros criam com seus trabalhos, o setor público brasileiro arrecada R$ 33, cobrando impostos. É uma carga tributária alta para um País de renda média. Muito alta. E o Estado brasileiro gasta mais do que arrecada. Além de arrecadar R$ 33 de cada R$ 100 produzidos, ele gasta R$ 7 de cada R$ 100 produzidos a mais do que arrecada. O déficit nominal é 7% do PIB. Portanto, estamos em um País em que 40% da renda nacional transita pelo setor público. E o Estado brasileiro não entrega minimamente as políticas públicas que a cidadania demanda. Tem algo profundamente errado nas finanças públicas brasileiras.

DINHEIRO – Existe entre os eleitores a percepção de que as reformas são necessárias?

GIANNETTI – Acho que a questão previdenciária entrou na pauta brasileira. Isso é um fato incontornável. Agora, não há clareza ainda, por parte da população e dos eleitores de um modo geral, de quão iníquo é o sistema previdenciário. Olhe para o exemplo do INSS. Quem se aposenta com a idade média de 54 anos são aqueles que têm maior renda, porque o tempo de contribuição permitiu a eles antecipar para uma idade muito prematura a aposentadoria. A população de menor renda se aposenta com 65 anos. Quando se coloca a idade mínima, se corrige uma enorme desigualdade. Nos regimes especiais do setor público, a desigualdade é ainda mais assombrosa. Enquanto o benefício médio do INSS é R$ 1,3 mil, o benefício médio do Poder Executivo é R$ 7 mil. O do Poder Legislativo é R$ 16 mil. E no Judiciário são espantosos R$ 27 mil. A Previdência Social no Brasil é um verdadeiro sistema de castas.

DINHEIRO – Então, quais são os pilares da sua reforma da Previdência?

GIANNETTI – Vamos ter que ter uma idade mínima, que não está definida ainda. Isso vai ser discutido com a população. Achamos que é pertinente em um primeiro momento haver uma diferença entre a idade mínima para homens e mulheres, dada a sobrecarga que incide hoje sobre as mulheres. Mas, isso, com o tempo, tenderá a uma equalização.

DINHEIRO – E os trabalhadores rurais?

GIANNETTI – Precisamos separar no Brasil o que é efetivamente Previdência. Ou seja, aquilo que está amparado por contribuições que permitem cobrir os benefícios, e o que é assistência social, uma transferência de renda para grupos que precisam receber algum tipo de transferência da sociedade. É incorreto onerar o custo do trabalho, cobrando encargos sobre a folha, que não tem relação com a questão da Previdência e dos direitos do trabalhador.

“A Previdência Social no Brasil é um verdadeiro sistema de castas”Fila em agência da Previdência Social em São Paulo

DINHEIRO – Qual a sua proposta para o salário mínimo?

GIANNETTI – Defendemos manter o poder de compra real do salário mínimo, mas consideramos que, no curto prazo, por algum tempo, será preciso uma pausa dos aumentos reais que prevaleceram nos últimos dez anos, porque esse é o principal item que afeta as contas públicas no Brasil. Uma pausa mantendo religiosamente o poder de compra.

DINHEIRO – O sr. tem sido muito crítico à questão do teto dos gastos. O que será feito em relação a isso?

GIANNETTI – Temos um absoluto compromisso com o ajuste fiscal. Sobre isso não pode haver a menor dúvida. Mas não consideramos o teto do gasto como a maneira adequada e correta de alcançar o resultado. Não se começa a construir uma casa pelo teto. A sequência que o governo Temer adotou foi completamente errada, muito errada.

DINHEIRO – Não foi uma medida emergencial?

GIANNETTI – Não. Foi o seguinte: é muito mais fácil aprovar o teto do gasto do que a reforma da Previdência. Eles resolveram fazer a parte mais fácil antes porque não atinge diretamente nenhum grupo corporativista, nenhum segmento, e é abstrato o teto do gasto.

DINHEIRO – Qual sua ideia para a política de controle de preços dos combustíveis?

GIANNETTI – O Brasil oscilou de um extremo a outro em um curto período. Primeiro, foi um intervencionismo populista de represamento do preço, não só dos derivados de petróleo. O governo Dilma represou também o preço da energia elétrica e o preço do câmbio de maneira muito desastrada, e com uma incompetência épica. Daí fomos para um fundamentalismo de mercado de corrigir diariamente o preço dos derivados do petróleo. E isso acabou se mostrando profundamente equivocado, e acabou explodindo na greve dos caminhoneiros.

DINHEIRO – Qual será sua a política em um eventual governo de Marina Silva?

GIANNETTI – Temos de ter, sem dúvidas, compromisso com o realismo tarifário. O que certamente não dá para fazer é tratar preço de derivados de petróleo, o GLP e o diesel, como se fossem ativos do mercado financeiro, que variam todos os dias. Não temos o detalhamento técnico, mas temos muita clareza da visão estratégica de que não se pratica populismo represando tarifas.

DINHEIRO – O economista Paulo Guedes já declarou publicamente que diverge de Jair Bolsonaro em relação ao tema privatização. Por ele, privatizaria tudo, mas o Bolsonaro tem uma visão um pouco mais estatizante. Ele até aceita vender algumas coisas, mas outras não…

GIANNETTI – Um pouco mais estatizante é eufemismo. Quando o Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, Bolsonaro declarou que o FHC deveria ser fuzilado. Um pouco mais, não. É truculentamente estatizante. Marina e eu estamos alinhados nesse ponto. Não é o caso de vender estatais do porte de Petrobras, Caixa e Banco do Brasil, dessa importância para o Brasil neste momento. Somos também contra vender patrimônio público para cobrir despesas de curto prazo do governo. Somos definitivamente contra usar a venda de ativos do Estado para cobrir déficit fiscal no curto prazo.

“Não dá para tratar preço de derivados de petróleo como se fossem ativos do mercado financeiro” Reajuste de preços em posto de combustíveis (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Vários candidatos estão dizendo que vão zerar o déficit fiscal em um ou dois anos. Isso é viável?

GIANNETTI – Nós propomos tentar produzir um equilíbrio do saldo primário em dois a três anos. Acreditamos que é possível, mas depende de premissas em relação a taxa de crescimento, ao impacto do crescimento sobre arrecadação. Qualquer conclusão muito exacerbada, muito exaltada de que faremos isso na marra é bravata. Mas dá para fazer, realisticamente, num horizonte de dois a três anos. As nossas simulações indicam isso. Depende em alguma medida das premissas em relação a outras variáveis da economia.

DINHEIRO – Dentro do contexto eleitoral, há hoje na liderança dois candidatos de extremos, de um lado o PT, de outro uma proposta de direita radical. Qual é a sua visão sobre esses dois extremos?

GIANNETTI – O liberalismo do candidato Bolsonaro não convence e não é crível, porque é inconsistente com tudo o que o candidato defendeu em 27 anos de vida parlamentar. Quando eu vejo o papel que o Paulo Guedes vem tendo nessa campanha, me lembro de um pensamento que li uma vez na Inglaterra, que é o seguinte: os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos são ingênuos sobre economia. É o caso dele. Eu tendo a crer que ele está sendo muito ingênuo em relação ao papel dele como economista nesse projeto do Bolsonaro.

DINHEIRO – Essa tese do Bolsonaro, de terceirizar para o Paulo Guedes, o Posto Ipiranga dele, pelo que as pesquisas indicam está convencendo o eleitor dele…

GIANNETTI – Não acho que o eleitor vota no Bolsonaro por causa disso. Não é a minha percepção. E esse movimento é característico de vários governos autoritários na América Latina ao longo da história. Por exemplo, o Hugo Chávez, que acenou com um certo liberalismo num determinado momento para se eleger, e o Fernando Collor de Mello, aqui no Brasil. E do lado do PT, eles não fizeram ainda, como nós esperávamos, uma real autocrítica sobre o desastre que foi o governo Dilma para o País. A narrativa deles pula os dois mandatos da Dilma, apresenta uma situação como se tudo estivesse maravilhosamente bem com o Lula e vai voltar a ficar de novo tal como era antes, e não fazem o mínimo de reconhecimento da gravidade e da calamidade que produziu o governo Dilma no País. Os discursos econômicos dos candidatos que lideram as pesquisas são trágicos.

DINHEIRO – O candidato Fernando Haddad atribuiu, em algumas de suas entrevistas, os problemas econômicos do governo Dilma ao boicote que foi promovido a ela.

GIANNETTI – Essa é uma narrativa delirante e que causa muita preocupação. Por que foi feito boicote a ela e não ao primeiro mandato do Lula? O governo Dilma foi de uma incompetência épica. Eles conseguiram errar cumulativamente em muitas áreas da macro e da microeconomia. Produziram um dos piores desastres de política econômica da história do Brasil. Se o PT tivesse o mínimo de honestidade intelectual deveria vir a público e prestar contas, dizendo que reconhece os erros que cometeu. Isso não acontece. É uma manipulação, quase da ordem da manipulação que a própria Dilma fez na campanha eleitoral de 2014, quando apresentou aos brasileiros uma situação completamente fantasiosa da real situação do País.