“Completei 74 anos e chegou a hora de passar o bastão. Quero contratar você ou algum outro consultor da sua confiança para capacitar o meu filho, que tem 40 anos. Pela lei natural das coisas, gostaria que ele assumisse o comando da empresa antes de eu comemorar meu próximo aniversário.”

Com essas palavras, o fundador e presidente de uma empresa industrial, localizada em uma cidade na região metropolitana de São Paulo, iniciou a conversa comigo, logo após comentar sobre o resultado da partida de futebol da véspera. O time pelo qual torcia conseguiu, na disputa por pênaltis, uma vitória que parecia improvável no desenrolar da partida.

Agradeci a confiança, mas procurei argumentar com ele que não há milagres da noite para o dia em um projeto de sucessão e algumas considerações devem ser feitas:

  • Esse processo deveria ter sido feito ou se iniciado há algum tempo, pelo menos uns 10 anos;
  • Leva tempo considerável para capacitar um sucessor;
  • Trata-se de um processo gradativo e não de uma data marcada;
  • O processo deve contemplar não apenas o sucessor, mas também o sucedido.

Depois da longa conversa, harmonizada com vários cafezinhos, ele revelou que tinha receio de perder alguns executivos na empresa, pois o filho não era muito bem visto em algumas áreas.

E perguntou minha opinião sobre a passagem do bastão para um herdeiro, pois muitos amigos o aconselhavam a escolher um profissional do mercado. Deixei clara minha posição resumindo em uma palavra: meritocracia!

Expliquei que, na minha visão, o mais importante é o nível de competências e habilidades do candidato a sucessor para tocar o negócio, enfrentar eventuais adversidades e liderar a construção do futuro da empresa a partir da percepção das oportunidades identificadas. Também enfatizei a relevância de avaliar e comparar os familiares com os executivos que já trabalham na empresa e, eventualmente, até com profissionais do mercado. Entretanto, nesse último caso, sempre defendo mobilizar a busca fora da organização apenas quando estiverem esgotadas as possibilidades internas.

Contudo, a regra de ouro na hora de optar entre familiares e membros das equipes internas é o patamar de capacitação, entendida não apenas como currículo e experiência anterior, mas por fatores intangíveis que determinam o grau de encaixe (“match”) dos candidatos, incluindo aspectos como:

– Tipo de negócio;

– Cultura e valores da empresa;

– Momento do negócio e a força das circunstâncias;

– Resultados desejados;

– Tipo de personalidades envolvidas.

Ou seja, foi-se o tempo da crença da “pessoa certa no lugar certo”, pois temos de levar adicionalmente em consideração o “momento certo”, o timing da empresa e o tipo de resultados desejados.

Por exemplo, uma empresa que tem como prioridade faturamento e liderança do mercado, com crescimento da base de clientes, exige uma personalidade muito diferente para liderá-la, na comparação com outra cuja prioridade é aumentar a rentabilidade e ter rígido controle sobre os seus riscos.

Após essas colocações, ele entendeu que projeto de sucessão pressupõe um plano estratégico claro da empresa, pois, como sempre argumento, fica difícil escolher um sucessor no vazio, sem forte casamento entre a personalidade e as competências do candidato com o rumo desejado para o negócio pelos acionistas e demais dirigentes.

Alinhamos alguns pontos e, então, assumi compromisso para os seguintes passos:

1) Inicialmente, fazermos em conjunto uma breve e pragmática reflexão estratégica, visando identificar com clareza e de forma compartilhada os direcionadores estratégicos no horizonte até 2025;

2) Desenvolver uma mentoria executiva com o seu filho, em quatro ou cinco sessões privadas, visando perceber esse “match” dele com esses direcionadores e, se for o caso, iniciar a elaboração de um “Compromisso de Auto Desenvolvimento”, com o objetivo de prepará-lo para assumir a posição em um período de tempo a ser determinado;

3) Estruturar um “Plano B” para identificarmos, pelo menos, dois outros executivos que estejam trabalhando na empresa, para a eventualidade de chegarmos à conclusão que o filho não seria o melhor candidato para sucedê-lo.

Aí veio o “momento da verdade”, quando lancei a pergunta: “e você, qual o projeto de vida e carreira para a nova etapa, uma vez definido o caminho para a sua sucessão?”

Um silêncio embaraçoso se fez presente e combinamos, devido ao adiantado da hora, de continuar aquela conversa em um almoço fora da empresa, uma semana depois.

Ao nos despedirmos, enfatizei de forma muito objetiva que toda sucessão envolve um plano para o sucessor e outro para o sucedido. Então, deixei essa provocação ele pensar mais claramente sobre o assunto.

César Souza é presidente da Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de diversos best sellers e do novo livro “O Jeito de Ser Magalu” (Rocco, 2021).