Não param de surpreender os movimentos traçados pelo pelotão da política em torno da chamada PEC Kamikaze. O próprio relator chegou a cogitar estender um pouco mais os seus “benefícios”, esticando vantagens até alcançar os motoristas de Uber, e calculou existir margem para ampliar gastos para um patamar superior a R$ 50 bilhões. Não há, de verdade, mais qualquer limite para passar a boiada. O que começou como subsídios aos combustíveis já deve, neste caso, consumir a bagatela de R$ 85 bilhões dos cofres públicos. E a troco de nada. A vantagem no preço final, na ponta da bomba, será rapidamente consumida por novas e necessárias remarcações, a acompanhar a variação do mercado internacional. Todos os especialistas são unânimes em apontar que a PEC Kamikaze joga por terra o arcabouço institucional e coloca em xeque o trabalho realizado pela pasta da economia e pelo próprio BC na política monetária para controlar preços. Vêm pela frente mais inflação e risco fiscal. Somadas as medidas, o prejuízo a médio prazo é inédito. A questão não é engordar a fatia dos programas sociais, mas a falta de lastro para bancá-los. Não há essencialmente nas medidas um programa econômico. É mero arranjo. O oportunismo contido numa empreitada que tem prazo certo — até o final das eleições — para vigorar está evidente. Instituições financeiras calculam que o pacotão poderá ter um impacto negativo da ordem de 0,9% no PIB já em 2023. Conta demasiadamente salgada para um país que vem crescendo marginalmente nos últimos tempos. O contorno a esse rombo ficará sob responsabilidade do próximo governo, qualquer que seja ele. A mensagem que o governo está passando é de irresponsabilidade administrativa. Jogou uma bomba no colo do contribuinte, embalada pelo conceito enganoso de benefício, e vai deixar a conta lá para frente, a ser cobrada dos mesmos atendidos pelos incentivos pontuais. Sentindo desde já o peso da pancada, prefeitos de mais de 1 mil municípios fizeram romaria a Brasília para tentar fazer coro contra a aprovação da PEC Kamikaze. Sem sucesso. Nas contas deles, o buraco federativo vai ultrapassar facilmente a cifra de R$ 250 bilhões. A queixa maior deles não é sobre o valor do custo e sim pela ponta da receita que deixará de ser arrecadada para os seus cofres. A ofensiva dos alcaides, naturalmente, traz também o fator do marketing político, tentando mostrar alguma preocupação com a lisura operacional. O Ministério Público, por sua vez, quer que o Tribunal de Contas da União investigue os desdobramentos e repercussões da PEC Kamikaze. Alerta para o dirigismo que fere a Lei Eleitoral a menos de três meses dos votos nas urnas. Quem vencer o escrutínio já sabe que encontrará um quadro contábil completamente desarrumado. O próprio conceito de teto de gasto terá de ser revisto à luz das violações praticadas sem penalidade. A sustentabilidade da União dependerá de um novo pacto orçamentário, ainda não desenhado. Do contrário, a penalização dos investimentos públicos levará a consequências danosas sobre toda a economia. Com falta de recursos, o Estado não terá condições de induzir o tão esperado e necessário crescimento.

Carlos José Marques
Diretor editorial