A Intel já formou, ao lado da Microsoft, uma dupla quase imbatível. Tanto que, nos anos 1990, a parceria foi apelidada de Wintel por dominar a computação pessoal. A Intel fabricava os chips. A Microsoft desenvolvia o sistema operacional Windows. Os dois produtos eram o coração e a alma dos PCs. Mas a computação móvel e em nuvem, bem como de serviços de internet, fizeram com que novos competidores ganhassem os holofotes, como Amazon, Google e Facebook. “Não é que não estamos mais na vanguarda”, afirma Maurício Ruiz, presidente da Intel no Brasil. “Hoje somos uma empresa de dados e com negócios diversificados que vão desde os componentes para os PCs até os data centers.” Nesta entrevista, Ruiz, que está há 19 anos na Intel – e apenas dois à frente da subsidiária brasileira –, fala sobre internet das coisas, 5G e de como a tecnologia pode melhorar a gestão pública, ajudando na construção de cidades inteligentes. Acompanhe:

DINHEIRO – A Intel surgiu no fim dos anos 1960 como uma empresa de vanguarda e durante anos fez uma parceria de sucesso com a Microsoft, sendo a dupla mais inovadora do mundo nos anos 1990. Atualmente, a companhia não aparenta mais ter essa característica. O que aconteceu?

RUIZ – Não é que não estamos mais na vanguarda. A diferença é que o consumidor conhecia a nossa marca por causa dos computadores. Hoje somos uma empresa de dados e com negócios diversificados que vão desde os componentes para os PCs até os data centers. Trabalhamos de ponta a ponta.Existem muitos dispositivos gerando uma alta quantidade de dados que precisam ser capturados, armazenados e processados. Os dados são o novo petróleo e nós já temos a tecnologia para refiná-los.

DINHEIRO – Entre os mercados que a Intel trabalha, qual se destaca mais?

RUIZ – Nossa maior unidade ainda é a destinada aos componentes para computadores. Lá, movimentamos cerca de US$ 33 bilhões. Os data centers cresceram bastante e já representam US$ 19 bilhões. A produção de chips de memória se mostrou expoente em termos de crescimento e já nos rende US$ 3,5 bilhões. A internet das coisas, com US$ 3 bilhões, também já se tornou um mercado relevante nos últimos anos.

DINHEIRO – Como a Intel enxerga o Brasil?

RUIZ – Enxerga como uma das dez maiores economias do mundo. Temos um setor financeiro extremamente atraente para as empresas de tecnologia e um mercado de óleo e gás grande, que precisa de investimentos de computação. Há, ainda, muitas outras carências que podem ser minimizadas com o auxílio da tecnologia. O Brasil tem um potencial de crescimento imenso.

DINHEIRO – As empresas brasileiras de tecnologia não estão preparadas para lidar com essas carências?

RUIZ – Temos uma política no Brasil na qual você tem de manufaturar produtos e componentes aqui no País. Se a empresa não tem uma escala para produzir, tem de importar. Mas, se faz isso, o equipamento sai da Lei da Informática e, consequentemente, acaba sendo taxado com mais impostos. São percalços financeiros que atrapalham as empresas brasileiras.

DINHEIRO – Essas iniciativas para a produção local são os únicos fatores que atrasam o crescimento das empresas brasileiras?

RUIZ – O Brasil é um país bastante regulamentado. Toda vez que vamos lançar algo, temos de olhar toda a regulamentação para ver o que é ou não permitido. Para quem trabalha com a venda de produtos para o consumidor final é ainda mais complicado pela cascata de impostos.

DINHEIRO – Faltam profissionais de tecnologia no Brasil?

RUIZ – Sim. Falamos muito hoje sobre inteligência artificial. Mas se você perguntar em qualquer empresa se é fácil encontrar profissionais de inteligência artificial, elas te dirão que não. Precisamos de mais pessoas ligadas à ciência. Não é só difícil, por exemplo, achar cientistas de dados no mercado. É difícil também encontrar profissionais que dominem o idioma inglês.

DINHEIRO – Como lidar com o problema de oferta e demanda de profissionais?

RUIZ – Não existe uma fórmula mágica, mas investimento continuado. Nos Tigres Asiáticos (Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan), por exemplo, as decisões que hoje estão rendendo frutos em relação aos avanços tecnológicos foram tomadas a 30 anos, 40 anos atrás. É preciso que o País tenha um direcionamento estratégico.

DINHEIRO – E no curto prazo?

RUIZ – No curto prazo é complicado, porque não existem ações pontuais e miraculosas que vão resolver essa questão. A primeira coisa que precisa ser feita é colocar as pessoas na escola. Existem grandes faculdades de engenharia no Brasil e é preciso acelerar a aproximação dos estudantes com as empresas de tecnologia.

DINHEIRO – A crise econômica que o Brasil atravessou e que prejudicou os investimentos em ciência e tecnologia também atrapalhou?

RUIZ – Existe uma racionalização de gastos para algumas coisas. Não adianta tapar o sol com a peneira. Se você tem um problema de caixa, você tem de economizar. É preciso ser conservador. Falta, porém, enxergar a tecnologia como um elemento estratégico para o crescimento e não apenas como um acessório. O Brasil tem muitos problemas e tenta resolvê-los com soluções do século 20 em vez das do século 21.

“O Brasil tem muitos problemas e tenta resolvê-los com soluções do século 20 em vez das do século 21” – Fila de atendimento em um posto de saúde em São Paulo (Crédito:José Patrício / AE)

DINHEIRO – Que problemas são esses?

RUIZ – São problemas existentes atualmente e que já temos a tecnologia para resolvê-los. Por exemplo: me incomoda quando vejo a fila de distribuição de remédios. As pessoas esperam horas para buscar um remédio e, quando chegam ao guichê de atendimento, percebem que aquele medicamento não está disponível. Já existem métodos para saber onde essas pessoas que precisam desses remédios moram, quando elas precisam retirar os medicamentos e de quanto em quanto tempo elas terão de comparecer para fazer a retirada. Isso não é algo complicado de ser feito, mas requer investimento. Tecnologia melhora a vida do cidadão.

DINHEIRO – Então, o corte de gastos em tecnologia foi uma decisão equivocada?

RUIZ – Teve cortes de gastos em tudo. Só gastar por gastar não é a solução. Se existe um problema de saúde pública que pode ser resolvido com o uso da tecnologia, é preciso que haja um consenso para injetar verbas naquilo. Quando você está em uma fase de cintos apertados, a questão é quando você vai parar de simplesmente pagar as contas para investir em algo que vai gerar uma transformação.

DINHEIRO – Como está o diálogo entre as empresas de tecnologia e o governo?

RUIZ – Temos conversado bastante. Há vários projetos em que ajudamos o governo. Trabalhamos com o setor público para mostrar o que está acontecendo lá fora e o que pode funcionar aqui.

DINHEIRO – Como o senhor enxerga as iniciativas do governo no campo da tecnologia?

RUIZ – Houve uma mudança. Em vez de comprar bens, como computadores e software, o governo está adquirindo serviços, o que eu acho louvável. Existem alguns projetos que são muito promissores. O principal deles é a unificação dos documentos em uma identidade única, que vai facilitar muito a vida das pessoas. É um projeto transformacional que vai mudar a sociedade.

DINHEIRO – As startups brasileiras estão crescendo bastante nos últimos anos. O que o senhor pensa sobre isso?

RUIZ – É um ecossistema muito rico e que contribui para encontrar os melhores profissionais. O jovem sai da faculdade e não quer ir para uma grande empresa, ele quer montar a sua. É preciso oferecer condições para que essas startups cresçam e floresçam no ambiente que estão trabalhando.

“O 5G será para a internet das coisas o que o 4G está sendo para os smartphones” – Estande da Intel na CES 2018 mostra painel com tecnologia 5G (Crédito:David Becker / Getty Images/AFP)

DINHEIRO – O que falta, então, para que o Brasil se torne um berço de startups, como é Israel?

RUIZ – Precisamos ainda comer um pouco de feijão. Não basta só a iniciativa do jovem. É preciso que haja contribuição do ambiente ao redor. Entre ter uma ideia e construir uma empresa existe uma distância muito grande. Uma das grandes diferenças entre as jovens companhias de tecnologia brasileiras e estrangeiras é que as daqui nascem para serem efetivamente startups e não grandes empresas que operam mundialmente. É preciso investir para ter um desejo mais globalizado.

DINHEIRO – A Intel está bastante empenhada no desenvolvimento da tecnologia 5G, que terá taxas de transmissão que variam de 1 Gbps (gigabit por segundo) até 20 Gbps. Como está esse projeto?

RUIZ – Realizamos um ótimo teste do 5G durante a Olimpíada de Inverno, em PyeongChang, na Coreia do Sul. Lá tivemos as arenas totalmente conectadas com essa tecnologia. A Olimpíada de Tóquio, em 2020, será os Jogos do 5G. Veremos carros autônomos, sensores de conectividade espalhados pela cidade, transmissões em 8K e vídeos para dispositivos de realidade virtual. O 5G será para a internet das coisas o que o 4G está sendo para os smartphones.

DINHEIRO – Como o 5G vai mudar a vida das pessoas?

RUIZ – O 5G não será utilizado para melhor a forma como você recebe vídeos no seu smartphone. Essa tecnologia foi feita para transmitir dados em grande volume, rapidamente e com uma cobertura melhor. Ela serve para dar força a tecnologia de internet das coisas e para conectar cidades.

DINHEIRO – Quando essa tecnologia deve chegar no Brasil?

RUIZ – A partir de 2020. A conversa está bem ativa por aqui e está tudo sendo feito seguindo o que está acontecendo lá fora. Em termos de tecnológicos, vamos ter todo o alicerce para lançar o 5G no Brasil assim que estiver disponível no exterior. Porém, é uma questão de viabilidade econômica e de conversar com as operadoras de telefonia.

DINHEIRO – Quando o 5G chegar, teremos cidades inteligentes por aqui?

RUIZ – Não vejo por que não. Já existem iniciativas ocorrendo em São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Já há projetos de iluminação pública que são conectadas às redes, por exemplo. Mas as cidades inteligentes não vão aparecer de uma hora para a outra. É um processo que vai durar mais do que somente um mandato eleitoral.

DINHEIRO – O senhor está preocupado com as eleições deste ano?

RUIZ – Independentemente de quem será candidato e de quem for eleito, é preciso que o Brasil volte ao ciclo de crescimento. Não carregamos bandeiras políticas ou partidos. Aqui na Intel, eu brinco com os funcionários perguntando qual candidato terá uma plataforma de transformação digital.

DINHEIRO – Em entrevistas anteriores, o senhor costuma frisar que a corrupção se tornou um forte impedimento da inovação tecnológica no País. Por quê?

RUIZ – A corrupção atrasa qualquer setor em qualquer lugar do mundo. Qualquer ranking internacional mostra o Brasil mal colocado em termos de corrupção. A boa notícia, pelo menos, é que as perspectivas para que esse problema seja resolvido são boas. Quem está fora do Brasil se impressiona com a quantidade de prisões e com quem está sendo preso.