12/07/2019 - 11:00
Apesar da crise, o Brasil, ao lado de China, Índia e Coreia do Sul, segue como um dos países emergentes preferidos de Mark Mobius. “O mercado brasileiro é muito atraente”, diz o gestor de 82 anos nascido em Nova York. A confiança se reflete em aportes nos setores de consumo, por meio das Lojas Americanas, e educação, com a Kroton, as únicas brasileiras nas quais seus fundos investem. Após liderar por três décadas a área de mercados emergentes da gestora americana Franklin Templeton, Mobius resolveu empreender. Em maio de 2018, ele criou a Mobius Capital Partners, gestora com sede em Londres e que tem US$ 200 milhões sob administração. Conhecido por sua paixão pelo carnaval brasileiro, Mobius falou sobre política, economia e taxas de juros.
DINHEIRO – Como o senhor vê a tramitação da reforma da Previdência?
MARK MOBIUS – Os investidores estão dando muita atenção à aprovação da reforma da Previdência. Só que, a meu ver, não estão se atentando como deveriam para outro aspecto importante: as privatizações que devem ocorrer nos próximos meses. No médio prazo, a privatização é mais importante que a Previdência para dar impulso à economia brasileira.
DINHEIRO – Por que privatizar é tão importante?
MOBIUS – Quando essas empresas forem vendidas, elas vão para as mãos de pessoas com capacidade para aumentar sua produtividade, o que deve permitir que elas se tornem lucrativas. E mais importante, elas se tornarão pagadoras de impostos, gerando uma grande contribuição fiscal para o governo. Isso será extremamente benéfico para o desenvolvimento econômico.
DINHEIRO – As privatizações estão demorando. Isso deve retardar a recuperação da economia?
MOBIUS – A velocidade do programa de privatização é um ponto de atenção para os investidores, mas o importante é que ele está sendo levado adiante.
DINHEIRO – O Índice Bovespa está acima de 100 mil pontos. As ações brasileiras são atraentes?
MOBIUS – O mercado brasileiro é muito atraente. Já temos investimentos na região e avaliamos novas oportunidades. Ainda haverá bons negócios a serem feitos no país.
DINHEIRO – Quais companhias brasileiras estão na carteira da Mobius Capital Partners?
MOBIUS – A principal ação brasileira em nosso portfólio atualmente é a das Lojas Americanas. Ela é a quinta ação mais importante em nossa carteira, com cerca de 5,1%. Temos também a Kroton, a décima maior posição do fundo, com 4,4%. Estamos olhando para outras possibilidades, mas ainda não investimos.
DINHEIRO – O que o levou a apostar no varejo brasileiro?
MOBIUS – Gostamos de empresas capazes de aproveitar o mercado brasileiro de consumo. Tenho muito interesse no setor, e acredito que ele ainda vai apresentar grandes oportunidades.
DINHEIRO – O PIB fraco pode atrapalhar?
MOBIUS – É verdade que os números sobre o ritmo da atividade doméstica não têm sido muito bons, o que tem levado algumas pessoas a acreditar que os consumidores não terão mais dinheiro. Mas eu discordo. Logo veremos a renda e o consumo voltarem a crescer, o que vai representar uma boa oportunidade para as empresas que souberem aproveitar esse movimento.
DINHEIRO – Mesmo com a economia brasileira crescendo menos do que o desejável?
MOBIUS – Os dados do PIB foram fracos, mas refletem o que já ficou para trás. Pelas nossas projeções, os economistas estão muito pessimistas. Acredito que os próximos números serão melhores que o esperado.
DINHEIRO – Uma visão de longo prazo ajuda a atravessar momentos de instabilidade?
MOBIUS – Sim. Nosso horizonte é de três a cinco anos, não estamos tão preocupados com o que está acontecendo agora. Inclusive muitas das ações que analisamos tiveram uma queda dos preços acima do que consideramos razoável, o que pode representar boas oportunidades de compra.
DINHEIRO – Quanto as ações brasileiras representam na carteira da Mobius Capital Partners?
MOBIUS – A participação brasileira está atualmente por volta de 8%. Esse número está sempre variando, devido às operações que fazemos e também por conta das oscilações nos preços de mercado.
DINHEIRO – O que pode fazer o senhor elevar sua exposição ao Brasil?
MOBIUS – Qualquer aceleração no processo das reformas do governo seria ótima. E não apenas a da Previdência, ou as privatizações, mas também esforços para reduzir a burocracia e as barreiras. Precisam ser criadas condições mais propícias para o desenvolvimento de empresas de pequeno e médio porte. Esse é o grande problema do País em minha avaliação. E me remete a uma questão curiosa.
DINHEIRO – Qual?
MOBIUS – Sempre que penso no Brasil me lembro que as pessoas têm grande expectativa com os resultados dos sorteios da loteria. Isso ocorre porque é muito difícil uma empresa ter condições para prosperar. Se essas condições forem aprimoradas os resultados corporativos serão muito melhores.
DINHEIRO – Qual sua avaliação sobre os primeiros seis meses do governo Bolsonaro?
MOBIUS – Muita gente está decepcionada com o novo governo por conta de uma expectativa que foi frustrada, mas esse não é o nosso caso. Sabemos que haveria dificuldades no caminho, isso acontece quando se tentam fazer reformas. As pessoas não gostam de mudanças. Estou razoavelmente feliz com o que aconteceu até agora. Só acho que as reformas precisam ser aceleradas.
DINHEIRO – Quais emergentes são mais promissores?
MOBIUS – A China e a Índia estão empatadas em primeiro lugar no nosso portfólio, com participações iguais de 30%. São duas economias muito grandes, com um leque de alternativas bastante amplo para escolher. Depois vem a Coreia do Sul, com aproximadamente 15%, e a quarta posição é do Brasil, com uma participação de 8%. São os quatro principais países em nosso radar no momento.
DINHEIRO – Quais as maiores posições?
MOBIUS – A maior posição é na biofarmacêutica coreana Hugel. Em seguida vem a chinesa de fast food Yum e a taiwanesa de tecnologia eMemory.
DINHEIRO – A queda dos juros vai atrair mais capital para os emergentes?
MOBIUS – Com certeza. Os juros nos Estados Unidos já estão muito baixos, mas o mercado prevê que o Federal Reserve [Fed, o banco central norte-americano] vai reduzi-los ainda mais. A medida vai ser muito importante não apenas para estimular o mercado acionário americano, mas também o brasileiro. Se os juros nos Estados Unidos forem reduzidos, o Brasil vai conseguir atrair um volume maior de recursos para a renda fixa. As taxas brasileiras ainda estão bem acima do que é praticado nos mercados desenvolvidos.
DINHEIRO – Como a guerra comercial entre Estados Unidos e China afeta os emergentes?
MOBIUS – Muitas pessoas enxergam a guerra comercial como algo negativo. Eu não concordo. Acredito que muitos países emergentes vão se beneficiar da disputa entre as duas potências. Isso porque as exportações da China para os Estados Unidos vão ser substituídas por exportações do Brasil, do Vietnã, de Bangladesh. É muito importante que o Brasil perceba essa oportunidade e tente melhorar sua relação comercial com os Estados Unidos, para aumentar suas exportações e substituir a China. Esse processo já está acontecendo com alguns países asiáticos, e o Brasil precisa estar atento para se beneficiar.
DINHEIRO – Quais os riscos para os emergentes?
MOBIUS – Um afrouxamento nas regras que dão sustentação às relações comerciais globais seria um problema. Apesar de existirem falhas, existem regras estabelecidas e reconhecidas que regulam e permitem as transações. Outro problema seria uma eventual alta dos juros. É improvável, mas seria muito ruim.
DINHEIRO – O crescimento econômico na Europa também tem decepcionado. Pode ser um problema para os emergentes?
MOBIUS – A saúde financeira da Europa é um ponto a ser monitorado, em especial o Brexit. Se a saída do Reino Unido da União Europeia for muito abrupta, a economia da Europa pode desacelerar, ao menos temporariamente, prejudicando as exportações brasileiras.
DINHEIRO – Quais são as principais diferenças entre o trabalho que o senhor realizou por tanto tempo na Franklin Templeton para o que faz agora à frente de sua própria gestora?
MOBIUS – Uma das principais diferenças é o porte, temos bem menos dinheiro e uma quantidade muito menor de fundos. [A Franklin Templeton tem cerca de US$ 750 bilhões sob gestão; a Mobius Capital Partners tem aproximadamente US$ 200 milhões]. Na Franklin Templeton havia quase 80 fundos dedicados a mercados emergentes, agora tenho dois. E focamos muito na governança corporativa. Nos dedicamos fortemente em entender como ajudar as companhias a melhorar sua governança. Se a companhia tem uma boa governança, as chances de sua ação ter um bom desempenho são maiores.
DINHEIRO – Esse trabalho de aprimoramento da governança é feito com as companhias brasileiras em sua carteira?
MOBIUS – Sim. Temos conversado regularmente com as empresas brasileiras para entender como podemos ajudar. Nossa atuação geralmente foca em melhorias nas relações com investidores, em um conselho e diretoria com maior grau de independência.
DINHEIRO – Qual foi sua motivação para sair da Franklin Templeton e começar seu próprio negócio?
MOBIUS – Gosto da ideia de fazer algo diferente, e com um foco maior. Na Franklin Templeton desenvolvia muitas coisas, em diversas direções diferentes, e agora posso me concentrar em apenas uma estratégia, o que está sendo muito bom.
DINHEIRO – Quais países emergentes estão em seu radar, mas ainda não receberam investimentos?
MOBIUS – Há alguns países na África que temos acompanhado mas ainda não investimos. Quênia, Costa do Marfim, Egito e África do Sul são alguns exemplos.
DINHEIRO – Quando deve ser a próxima viagem ao Brasil?
MOBIUS – Já estive duas vezes no Brasil neste ano, e gostaria de voltar no fim do ano, em novembro ou dezembro.