Entre as poucas certezas envolvendo o plano do presidente Donald Trump para revisar o sistema tributário, duas tendências parecem mais claras para os especialistas, até o momento: o grupo de contribuintes mais ricos deve ser o maior beneficiário e o impacto fiscal pode ser preocupante. Todo o restante é cercado de dúvidas, em especial a disposição do Congresso em aprovar o texto. A versão completa ainda precisa ser apresentada e os detalhes serão essenciais para uma avaliação precisa. Porém, as reações acerca das primeiras diretrizes indicam uma série de resistências pela frente.

Além de ser uma bandeira histórica do Partido Republicano, a mudança no nível de tributação foi uma promessa eleitoral de Trump, acusado de ter um caráter populista. Na campanha, ele sugeriu reduzir as alíquotas para as empresas de 35% para 15%. A proposta atual não chega a esse nível. As companhias passarão a pagar 20% de impostos sobre lucros. Negócios classificados como “pass-through”, em que os proprietários pagam impostos das suas empresas na pessoa física, terão uma alíquota de 25%. Atualmente a tributação pode chegar a 39,5%. Mais de 90% das companhias americanas são classificadas nessa categoria, que inclui uma maioria de pequenos negócios, mas também fundos de investimento, fazendas, profissionais liberais, entre outros.

Entre as pessoas físicas, as faixas de tributação caem de sete para três, com um teto menor para as rendas mais altas, de 35%, ante os atuais 39,6%. O texto elimina ainda uma categoria de tributação sobre heranças. Incentivos fiscais de diferentes naturezas serão revistos, incluindo os estaduais e os municipais. Essa medida é elogiada por especialistas em tributação, porque torna o sistema mais igualitário. Também é um dos principais pontos de batalha em Washington. Empresas estão fazendo as contas para ver se a redução na alíquota compensará o fim do incentivo. Já os parlamentares, entre os quais os partidários de Trump, estão pressionando para retirar do texto o trecho que elimina os benefícios regionais.

Na visão liberal dos republicanos, impostos mais baixos significam menos Estado e um ambiente mais propício para os negócios, mais crescimento e desenvolvimento. Para Trump, ainda há uma questão pessoal. Sua trajetória de empreendedor carrega acusações repetidas de sonegação e práticas fiscais heterodoxas. Ele foi o único presidente americano a se recusar a tornar público seu Imposto de Renda. Analistas independentes estimam que Trump pode ter uma redução de até US$ 1 bilhão na sua conta tributária. Uma análise do Centro de Políticas Tributárias mostrou que a fatia dos 1% mais ricos da população teria uma redução média de 5,7% na fatura de impostos federais no ano que vem, enquanto os 99% restantes seriam beneficiados com reduções entre 0,4% e 1,7%.

Ele gostou: o presidente do JP Morgan, Jamie Dimon, diz que a reforma gerará mais emprego e crescimento econômico aos Estados Unidos (Crédito:AFP Photo / Toshifumi Kitamura)

Em seus discursos, o presidente tem focado os benefícios para a classe média e a economia como um todo. “O sistema tributário é uma barreira colossal no caminho da retomada econômica”, afirmou Trump, ao apresentar o plano no Estado de Indiana, no fim do mês passado. “Vamos acabar com essa barreira e criar finalmente um sistema que as pessoas querem e merecem.” A meta é alcançar um nível de crescimento econômico de 4% ao ano. Economistas estão divididos quanto ao potencial incremento no ritmo do PIB. “Em teoria, sim, as empresas deveriam investir mais”, afirma o economista Roberton Williams, do Centro de Políticas Tributárias. “Mas há indicações de que as empresas que estão com recursos acumulados não estão fazendo isso agora.”

Simulações feitas pelo instituto sugerem um impacto moderado no crescimento, com efeito de curta duração. Não há previsões de números, apenas de tendência. Num prazo mais longo, o risco de ampliação do endividamento público pode gerar um efeito contrário e contribuir para minar o crescimento, segundo o instituto. Os cálculos sugerem um impacto fiscal de US$ 2,4 trilhões em dez anos. O Comitê pelo Orçamento Federal Responsável estima um rombo semelhante, de R$ 2,2 trilhões no mesmo período. “Uma reforma tributária que aumenta o endividamento tem mais propensão a diminuir do que incrementar o crescimento no longo prazo”, afirma o grupo, que calcula um aumento na relação dívida/PIB dos atuais 77% para 104%.

Com esse patamar, há o risco de os investidores reduzirem suas posições em títulos públicos americanos, além de um possível rebaixamento da nota (rating) do país pelas agências de classificação de risco. A discussão é semelhante à levantada por especialistas no Brasil quando a presidente Dilma Rousseff, numa política econômica populista, decidiu anunciar desonerações voltadas para estimular o PIB. A redução em tributos sobre a folha de pagamentos custou pouco mais de R$ 80 bilhões em quase seis anos, sem que os benefícios estejam claros. O País entrou num ciclo recessivo e vive hoje uma de suas piores crises fiscais. Em recente declaração, Dilma afirmou se arrepender da decisão, que teria contribuído, segundo ela, para aumentar margens de lucro e não gerar investimentos.

Nos Estados Unidos, também não há consenso sobre o tema. Para uma maioria dos empresários, corte de impostos gera benefícios sistêmicos na economia. “O anúncio é um passo encorajante nos nossos objetivos de criar um sistema tributário que entrega maior crescimento econômico, mais empregos e salários maiores, de que o país desesperadamente precisa”, afirma Jamie Dimon, presidente do JP Morgan Chase. O populismo sempre consegue angariar declarações de apoio, mas normalmente o seu impacto final na economia é negativo.