Quando a equipe econômica do presidente Michel Temer foi anunciada, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, analistas do mercado financeiro ousaram chamar o grupo de “dream team”, pela capacidade técnica dos profissionais escalados. Mas o governo Temer está chegando ao fim e o crescimento ficará aquém do esperado. A barreira política impediu que as medidas técnicas fossem aprovadas e o País, se não foi para trás, andou de lado. Por isso, por mais que admirem o grupo em formação pelo superministro Paulo Guedes, os analistas agora relutam em usar a mesma classificação para a equipe que está sendo composta. E o motivo é justamente o mesmo: como profissionais de gabarito conseguirão superar os desafios políticos para a revisão que pretendem fazer do Estado brasileiro?

Os nomes escolhidos por Guedes carregam currículos extensos e de relevo e fariam valer o rótulo de “time dos sonhos”. Há um misto de economistas da iniciativa privada com um tempero de técnicos do setor público. Com uma visão comum: a ideologia ortodoxa.“É uma equipe impecável e com coesão ideológica”, diz o cientista político Demétrio Magnolli. “É mais liberal que a equipe formada no primeiro governo Lula, considerada a mais liberal até hoje.” O time promete ser uma espécie de extensão de Paulo Guedes pelas mais diversas áreas da administração pública. Assim como o superministro, outros dois dos cinco confirmados passaram pelo reduto liberal da Universidade de Chicago e, mesmo os que frequentaram outras faculdades, estão alinhados àquele pensamento. “Se colocadas em prática, as ideias da nova equipe econômica podem garantir um crescimento bem maior do que temos hoje em dia”, diz o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio Leal. “Precisa agora combinar com os políticos.”

A reação mais tímida em torno dos nomes pode ser explicada pela enorme expectativa para conhecer o texto da principal medida esperada da nova gestão, a reforma da Previdência. Até agora, o que se sabe são algumas poucas convicções externadas na campanha eleitoral. Nada mais. A proposta é considerada a “mãe” das reformas porque é essencial para reverter a urgência das contas públicas, uma promessa feita pelo próprio Guedes: de zerar o déficit público em apenas um ano. Sem a reforma, o rombo das aposentadorias pularia de cerca de R$ 200 bilhões neste ano para mais de R$ 1 trilhão em 2060, segundo estimativas do especialista no tema Paulo Tafner (confira gráfico abaixo). Para a maioria dos analistas, colocar as contas públicas no azul já no ano que vem é uma tarefa impossível mesmo se uma proposta de revisão das aposentadorias avançar. “Vemos nos novos economistas uma manutenção da base do governo Temer e uma equipe bastante técnica, voltada para uma política econômica ortodoxa”, afirma a economista-chefe da gestora de recursos Reag, Simone Pasianotto. “O maior risco é a Previdência. Até agora eles não apresentaram nada.”

No campo fiscal, a manutenção de Mansueto Almeida na secretaria do Tesouro Nacional é peça-chave no quebra-cabeça da reversão do déficit. Formado em economia pela Universidade Federal de Pernambuco e servidor de carreira do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Almeida é considerado uma das principais autoridades em finanças públicas do País. Seu conhecimento da engrenagem orçamentária federal será fundamental para tornar viáveis as ideias propostas no plano liberal de Guedes. A redução do Estado passará pela mão dos outros indicados. Na Petrobras, Roberto Castello Branco, aliado de longa data de Guedes, assumirá a presidência da estatal com uma visão alinhada: contra a política de intervenção nos preços, que implique em subvenções custosas para o Tesouro, e a favor da continuidade no programa de redução do endividamento e de venda de ativos considerados não estratégicos, como a distribuidora BR.

Castello Branco carrega passagens pelas diretorias do Banco Central, da Vale, além da cadeira de professor na FGV. Sua formação é o que mais o aproxima do perfil de Guedes. O novo presidente da estatal tem pós-doutorado na Universidade de Chicago, reduto da ortodoxia econômica. Sua veia liberal radical foi expressa num artigo, em junho, no qual defendia a privatização total da petroleira. A tese teve de ser refutada logo após a sua indicação. “A privatização da estatal está descartada. Não tenho mandato para pensar nisso”, afirmou o economista. Sobre o tema, Bolsonaro afirmou, na segunda-feira 19, que é possível pensar numa privatização parcial da companhia. “Alguma coisa pode privatizar, não toda”, disse o presidente eleito.

No BNDES, a indicação de mais um “Chicago boy” – como ficaram conhecidos os oriundos da Universidade de Chicago – sinaliza outro recuo na presença estatal. O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy deve coordenar uma diminuição do banco, com redução dos repasses do Tesouro e maior participação do mercado de capitais. No Banco Central, a percepção de continuidade é vista como positiva. Diante da recusa de Ilan Goldfajn de permanecer no cargo, o escolhido foi Roberto Campos Neto, diretor do banco Santander e neto de um dos maiores nomes liberais da história econômica nacional, Roberto Campos (1917-2001), um dos criadores do BNDES e ministro do Planjamento do governo Catello Branco.

A postura firme do atual presidente do Banco Central é vista como um dos fatores responsáveis por ter recalibrado para baixo as expectativas de inflação, um dos componentes fundamentais para abrir espaço ao crescimento daqui para frente. Goldfajn também conseguiu destravar uma agenda de reformas capaz de dinamizar o mercado de crédito. A expectativa é que Campos Neto dê continuidade às revisões. Ele pode ser ainda premiado com um bônus caso a equipe de Bolsonaro consiga aprovar o projeto de independência do Banco Central, que poderia contribuir para uma redução das taxas. Seria um bom teste da articulação no Congresso diante do desafio necessário para a reforma da Previdência em 2019. A janela é curta. A lua de mel com o mercado continua, mas pode se esvair em seis meses se as reformas não avançarem.