O cientista político e economista Renan Ferreirinha encara a sua ocupação atual como a de uma startup. Tem um desafio enorme para realizar mudanças de impacto, precisa de criatividade para vencer barreiras históricas e conta com escassos recursos pelo caminho. Há um risco alto de insucesso. A descrição poderia ser tranquilamente a de uma jornada no Vale do Silício, para onde o jovem de 25 anos foi convidado a ir após deixar a Universidade Harvard, nos Estados Unidos. A empreitada, porém, é no quintal de sua casa, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e tem como pano de fundo um dos ambientes menos inovadores de que é possível se imaginar: a política brasileira. Em campanha para deputado estadual, ele recebe hoje um salário de R$ 5.000 mensais, muito abaixo dos empreendedores de sucesso do polo tecnológico americano e menos de um quinto do que lhe foi oferecido em outra proposta apresentada ao fim da graduação, para ocupar uma vaga num banco de investimento em Nova York.

Ferreirinha tem plena consciência das renúncias. Uma das formas de explicar o desejo pelo caos da política é lembrar um desfile do qual participou aos cinco anos, em que se orgulhou de representar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho”, afirma o candidato pelo Rio de Janeiro. “Por que não fazer algo maior do que a sociedade impõe e contribuir através de um mandato?” O mantra da ambição costuma ser repetido pelo empresário Jorge Paulo Lemann aos bolsistas da Fundação Estudar, criada por ele para formar lideranças no País.

Nova política: para mudar os métodos de campanha e do mandato, ex-bolsistas da Fundação Estudar encontram respaldo de movimentos suprapartidários como o Renova BR (Crédito:Divulgação)

Curiosamente, o sonho do jovem fluminense representa o início do novo sonho do homem mais rico do Brasil: a de ver um ex-bolsista da entidade chegar à Presidência da República. “Eles sabem que vai ser difícil serem eleitos, mas espero que alguns deles sejam e que isso crie uma corrente de gente boa no governo também”, afirmou em evento do grupo no início deste mês, em São Paulo.

Há grandes chances de que o desejo comece a sair do papel nestas eleições. Sete profissionais que passaram pela fundação concorrem a cargos eletivos. Há desde candidatos a deputado estadual até a governador (conheça os perfis ao final da reportagem). Em comum, os novos políticos – não, eles não se incomodam com o rótulo de políticos – ostentam formação nas melhores universidades do mundo, dividem a decisão de renunciar a carreiras prósperas na iniciativa privada, além dos anseios de mudança na gestão pública e de renovação na política. Nas campanhas, eles empregam métodos corporativos aprendidos no ambiente da rede Estudar. São os mesmos atributos que levaram muitos que lá passaram aos postos mais altos de empresas por todo o globo.

Não é à toa que Ferreirinha, assim como os outros ex-bolsistas, chama sua campanha de startup. Trata-se de um esforço coletivo, composto de 10 pessoas que trabalham em tempo integral, com salários, e outros 20 em tempo parcial. Há integrantes até de fora do País. Um dos principais desafios é levantar recursos e quebrar as barreiras criadas pela política tradicional. Os diferenciais vão desde jingles inspirados em séries do Netflix até o plantio de árvores para compensar o gasto com papel nos panfletos. O grupo estima em 30 mil votos o total necessário para se eleger. A ideia é defender propostas claras, mas sem promessas. Uma delas é a de trabalhar para elevar de 5% para 50% o alcance do ensino técnico no Estado.

Na disputa por um cargo de deputado estadual em São Paulo, Daniel José Oliveira, de 30 anos, também cita a cabeça de startup. Filho de uma diarista, ele cresceu ao lado de dez irmãos e só cursou economia no Insper graças à fundação criada por Lemann. Trabalhou no banco JP Morgan, de onde saiu para ser voluntário na Jordânia. Foi de uma posição no braço de educação da Falconi Consultoria que ele decidiu “pular o balcão” . “A escolha de entrar para a política é a menos óbvia que alguém pode ter, envolve muitas perdas”, diz o jovem. “Mas percebi que várias iniciativas que são muitos simples não aconteciam com a velocidade devida.”  Para atingir os 30 mil votos que precisa para se eleger pelo partido Novo, ele dividiu a campanha em sete projetos, como o de distribuição de kits, enviados aos seguidores mais engajados para espalhar aos seus conhecidos.

Se eleito, ele pretende defender a cobrança de mensalidade das universidades estaduais para quem tem condições de pagar e a adoção de vouchers para o ensino técnico. Assim como Oliveira, a maioria dos egressos da fundação enfrentou resistências de familiares e amigos para ingressar na política, tenta lutar para vencer as barreiras de entrada (todos repetiram o jargão corporativo) do sistema político, tem como pauta a educação e procurar focar a campanha em qualidade em vez de quantidade. “As regras do sistema funcionam para não te deixar ser competitivo”, afirma Oliveira.

Um levantamento do Departamento Sindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontou o risco de o índice de renovação do Congresso ficar abaixo da média histórica, de 49%, nesse pleito, pela necessidade de alguns parlamentares de manter o foro privilegiado e pela vantagem que eles levam de já estar no cargo. Contra essa perspectiva de continuidade, alguns grupos vêm se engajando para quebrar a inércia da política, caso dos movimentos suprapartidários Renova BR e Acredito, do qual fazem parte a maioria dos candidatos que passaram pela iniciativa de Lemann. Por meio desses coletivos, os jovens podem se escorar em cláusulas de independência ao ingressar em partidos tradicionais e encontram uma via formal ao sentimento de despertar para a causa de renovação. “Fiz de tudo que era possível na área de educação fora da política, mas é frustrante”, afirma a cientista política e astrofísica, Tabata Amaral, candidata a deputada federal por São Paulo, pelo PDT. “Chegou a hora de pessoas comuns, que não são ricas entrarem para a política.”

Filha de uma diarista e de um cobrador, Amaral, de 24 anos cresceu no bairro de periferia Vila Missionário, na capital paulista. Passou em seis universidades de ponta dos Estados Unidos. Em Harvard, foi bolsista da Estudar. Chegou a trabalhar na Ambev, mas se evolveu rápido com educação, área em que ganhou notoriedade. Agora, decidiu largar tudo pela tentativa de chegar ao Congresso. Os conceitos aprendidos graças à Estudar são incorporados na campanha. Há metas desdobradas para os integrantes do time, todos da periferia, a aplicação do conceito de Orçamento Base Zero e um apreço pela boa gestão. Para atingir a meta de 110 mil votos, ela conta com uma rede de 1.000 voluntários. “O nosso é um trabalho de formiguinha, enquanto os políticos tradicionais pagam líderes”, afirma a candidata. “Só que nós entramos nas casas, os políticos da velha política, não.”

Velha política: o deputado Paulo Maluf, cassado por denúncias de corrupção. Desafio dos novos candidatos é vencer o desgaste associado aos vícios do processo eleitoral tradicional (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

A formação de uma rede de voluntários engajados, ao lado de presença nas redes sociais, é o trunfo dos jovens para vencer o sistema. Eles, porém, são muito realistas quanto à necessidade de recursos. O engenheiro Felipe Rigoni, 27, que acaba de voltar de um mestrado em Políticas Públicas na Universidade de Oxford, com apoio da Estudar, começou a sua campanha ainda do exterior. Ele calcula um custo de R$ 10 por voto e a necessidade de levantar R$ 800 mil para chegar aos 80 mil votos que estima precisar para se eleger. Já arrecadou metade disso e não sabe se conseguirá o resto. “O sistema é todo desenhado para beneficiar quem está lá”, afirma o candidato a deputado federal pelo Espírito Santo, pelo PSB. “Estou competindo com gente que já está com R$ 2,5 milhões depositados pelo partido.” Rigoni sabe bem o que é enfrentar dificuldades. Aos 15 anos, perdeu completamente a visão. Agora, luta para manter vivo o sentimento de esperança nos que acreditam no seu trabalho. “Eu não brinco com a esperança dos outros.”

Uma das suas propostas para inovar na forma de fazer política é um mandato coletivo. A ideia é criar um conselho parlamentar formado por cem pessoas, de representantes da sociedade civil, com poder de deliberar. “O distanciamento é um dos principais problemas dos políticos hoje”, afirma Rigoni. O jovem capixaba é um exemplo da mudança de perfil nas pretensões de Lemann com a Fundação Estudar. No processo seletivo, o engenheiro já havia tentado ser vereador e deixou claro suas ambições políticas. Enquanto Lemann sempre buscou se afastar do mundo da política em sua carreira, percebeu que precisaria abrir o leque da fundação se quisesse de fato ter um impacto maior sobre o País. Aos poucos, o escopo dos cursos foi se ampliando e o empresário passou a falar abertamente do sonho de que seus pupilos contribuíssem mais diretamente com a gestão pública.

Na turma atual, 19% dos bolsistas estão focados em cursos de gestão pública. Não era assim no passado. Nos 27 anos de existência, a fundação formou 673 líderes. Até 2007, eles eram voltados majoritariamente para as áreas jurídica, de administração, negócios e finanças. A partir dali, foi feito um esforço para incorporar mais o tema do empreendedorismo e, desde 2010, a ideia passou a ser de quebrar quase todas as barreiras, incluindo a ciência e a gestão pública. “Há uma valorização dessas pessoas que estão arriscando a carreiras delas e abrindo mão de algo no curto prazo, de algo financeiro, para resolver os problemas do Brasil”, afirma Anamaíra Spaggiari, diretora-executiva da Fundação Estudar. “A gente espera que se repita. Vai depender do sucesso deles nesta eleição” Se os resultados seguirem roteiro semelhante às conquistas de Lemann no mundo corporativo, o Brasil tem muito a ganhar.