A solenidade está marcada e terá direito a champanhe e rojões. Se tudo correr bem, no dia 29 de setembro, a uma semana das eleições, o governo de São Paulo pretende entregar à população um trecho de 32 quilômetros do Rodoanel Mário Covas. Trata-se de uma das maiores obras de infra-estrutura em andamento no País, que pretende interligar todas as rodovias que chegam à cidade de São Paulo. Por ela, passarão diariamente 150 mil veículos e grande parte dos caminhões que atormentam o trânsito dos paulistanos. Seria motivo apenas de festa, não fossem alguns detalhes. O trecho Oeste do Rodoanel, que agora será entregue, foi orçado em R$ 338,8 milhões. Foi esse o preço dado pelo consórcio Queiroz Galvão/Constran para vencer a licitação, feita em setembro de 1998. O problema é que, depois dos vários aditivos contratuais, o valor subiu para R$ 575,8 milhões: 70% a mais. Por lei, só são permitidos aditivos de 25% ? em caso contrário, os governos são obrigados a fazer novas licitações, anulando os contratos anteriores. Somando ainda os outros custos que surgiram durante a execução das obras, como as desapropriações, o valor do projeto subiu para R$ 1,3 bilhão. E mais: nem assim, a obra foi entregue no prazo. Prevista para acabar em dois anos, em 2000 portanto, será entregue com 24 meses de atraso. O projeto total, com 171 quilômetros de extensão, não fica pronto antes de 2006 e custará, pelas estimativas atuais, algo em torno de R$ 8 bilhões.

 

Responsável pela construção do Rodoanel, o governo de São Paulo apresenta várias justificativas para o aumento dos custos e os atrasos na entrega da obra. ?A Prefeitura não entrou com o que prometeu, o governo federal atrasou recursos e houve uma série de imprevistos?, conta Sérgio Luiz Gonçalves Pereira, presidente da Dersa, a empresa estadual que toca as obras. De fato, no projeto inicial, a Prefeitura de São Paulo, que prometeu arcar com 25% dos recursos, não colocou um centavo no Rodoanel ? a gestão Celso Pitta chegou ao cúmulo de, formalmente, alocar um real no orçamento municipal para as obras do Rodoanel. Além disso, o governo federal deve cerca de R$ 90 milhões à Dersa. Mas isso é só parte da história. O governo de São Paulo gastou mais de R$ 300 milhões com as desapropriações. Muitas foram cercadas de polêmica, como a do falecido empresário Mikhael Nassar que, em 1998, adquiriu uma gleba por R$ 300 mil no município de Barueri e recebeu uma indenização de R$ 4,1 milhões pouco tempo depois, na desapropriação. O presidente da Dersa também cita obras compensatórias, como a construção de mais de mil casas populares para as famílias carentes que foram desalojadas. ?Havia favelas no caminho da obra?, afirma.

Proibição eleitoral. Ainda assim, nada parece justificar um aditivo contratual tão alto em favor das construtoras. ?O preço que o consórcio vencedor ofereceu foi muito baixo?, disse à DINHEIRO um grande empreiteiro que participou da licitação. ?Quando fizeram os aditivos, deu para entender a lógica do negócio.? O governo de São Paulo alegou que os aditivos custariam menos do que uma nova licitação. O problema é que, agindo assim, levantou suspeitas de um jogo de cartas marcadas na concorrência. Bastava dar um preço baixo, ganhar a disputa e depois ajustar os valores. Além disso, a empresa contratada para fiscalizar um dos lotes, a Ductor, já teve como sócio Michael Zeitlin, secretário de Transportes durante a contratação das obras. Até mesmo a participação do governador Geraldo Alckmin no acompanhamento do projeto é vista com ressalvas. Proibido pela lei eleitoral de inaugurá-la, Alckmin tem feito vistorias semanais ao Rodoanel ? na última, ele admitiu a hipótese de a inauguração não acontecer no dia 29 e ficar para outubro, depois das eleições. Mas suas imagens na obra são usadas em jornais e no programa eleitoral do candidato na TV ? o que, para os adversários, seria uma forma de driblar a proibição.

O aspecto positivo é que, apesar dos contratempos, o Rodoanel é vital para São Paulo. Diversas indústrias e empresas de logística vêm se instalando ao longo do traçado das pistas. É o caso da Gerdau e do Carrefour, que estão implantando centros de logística nas proximidades da estrada. O Ceagesp, maior centro atacadista de alimentos do País, também sairá da cidade de São Paulo, cedendo espaço para áreas residenciais. São investimentos importantes, que melhoram a qualidade de vida da maior metrópole do País, mas que podem ter custado mais caro do que o necessário.