O americano Jim O’Neill, que durante quase duas décadas foi o todo-poderoso economista-chefe do Goldman Sachs, previu em 2001 que um grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China, e que logo depois ganhou a companhia da África do Sul — o conhecido Brics —, seria protagonista da expansão da economia global nas décadas seguintes, com forte atração de investimentos, desenvolvimento industrial e melhoria da qualidade de vida. Naquela época, O’Neill previa que os quatro emergentes (ainda não havia o S, de South Africa) se tornariam a maior força econômica do planeta até 2050, à frente de países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália. Mas ele não previu que um conflito militar com potencial catastrófico abalaria as relações entre os emergentes.

A questão é saber se mesmo com as sanções de Estados Unidos e Europa à Rússia, os países do Brics permancerão em sintonia. Na primeira prova, no começo do mês, na votação feita na ONU para aprovar as sanções, África do Sul, China e Índia se abstiveram. Apenas o Brasil votou a favor. Ainda assim, há relutância na posição brasileira, já que na quinta-feira (24), em sabatina no Senado, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, afirmou que o Brasil não está de acordo com sanções unilaterais e seletivas. “Essas medidas, além de ilegais, preservam concretamente os interesses urgentes de alguns países.”

Para o economista e cientista político Sébastien Salerno, da Universidade de Webster, em Genebra, na Suíça, seja Bics, Bic, ou Bis, o fato é que uma eventual saída do R faria falta. “Sem a Rússia no bloco, há poucas chances de sobrevivência do intercâmbio de negócios e investimentos”, afirmou. Isso porque, ainda que a África do Sul e o Brasil estejam tentando se manter neutros, há uma inclinação pró-Russia da China e da Índia — o PIB combinado dos dois bate em US$ 22 trilhões, enquanto Brasil e África do Sul juntos não chegam a 10% desse montante. Além disso, os vínculos econômicos entre Rússia e Europa, muito por causa do gás e do petróleo.

Sergio Lima

RISCO AO BANCO Com a guerra e a pressão do Ocidente, o próprio banco do Brics suspendeu empréstimos à Rússia depois que a ONU aprovou a proposta de sanções a Moscou. O país tem aprovado junto ao Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como o Banco do Brics, US$ 4,8 bilhões, um dinheiro insignificante perto das reservas de US$ 630 bilhões. O problema é que parte considerável desse dinheiro ou está bloqueada ou sem liquidez. Aí entrou em jogo a providencial decisão da Índia de afirmar, na quarta-feira (23), que aceitará transacionar petróleo em rublos com a Rússia, o que significa uma providencial saída e um certo alívio para as agruras financeiras de Putin.

“Mais que a ruptura econômica decorrente dos embargos do Ocidente contra Putin, a depender da profundidade das sanções pode haver um racha ideológico que vai comprometer os negócios”, disse Salerno. “Isso colocaria Rússia e China de um lado, África do Sul e Brasil de outro, e a Índia determinaria os caminhos do bloco.” Essa resposta foi dada na quarta-feira (23) por Nova Déli. Na prática, dentro do bloco os players de peso e que importam globalmente estão com a Rússia. A única mudança nesse cenário aconteceria se as sanções aumentassem e passassem a afetar ainda mais a economia dos quatro países.