Quando chegou ao Brasil, em janeiro de 2004, para assumir a presidência da General Motors no País e no Mercosul, o canadense Ray Young tinha como desafio fazer a companhia voltar a ganhar dinheiro na região. Quase quatro anos depois, ele se despede da subsidiária brasileira com o compromisso cumprido e volta à matriz como o terceiro homem forte do grupo. Mas, mesmo à sua revelia, Ray deixa uma dura e silenciosa herança: a disputa pela sua sucessão provocou o desligamento de um importante executivo brasileiro do grupo. A indicação do colombiano Jaime Ardilla para o comando da GM do Brasil teria sido a principal causa para o inesperado pedido de demissão do presidente da filial argentina, o brasileiro Felipe Rovera, executivo de 56 anos, 37 deles dedicados à GM.

Ele teria se sentido preterido. Rovera ainda é funcionário do grupo. Só se desligará definitivamente no fim de novembro, mas desde o dia 1º de setembro já não é presidente da GM Argentina, a despeito dos bons resultados por lá. Foi sucedido pelo também brasileiro Edgar Lourençon.

Em dois anos e meio no cargo, Rovera ampliou a produção da fábrica de Rosário de 45 mil para 120 mil unidades, aumento de 150%. Além disso, turbinou a imagem da marca ao conseguir lançar no País o Corvette, superesportivo da marca, e fortaleceu a empresa ao assumir a presidência da Adefa, a entidade que reúne e representa as montadoras argentinas, em um momento crucial para a definição do acordo automotivo do Mercosul.

Mas, ele tem um problema ? pelo menos na visão da cúpula da GM. Ou melhor, dois. Rovera é um homem de vendas, um executivo voltado para o mercado, enquanto Ardilla pertence à mesma escola financeira de Ray, e acaba de fazer uma respeitada gestão como diretor financeiro da GM LAAM, região que engloba a América Latina, África e Oriente Médio. O outro problema, sem preconceito, é a origem de Rovera. A questão aqui é que, tradicionalmente, a GM não indica brasileiros para assumir o comando das operações no Brasil. O caso mais emblemático é do atual consultor André Beer, que, após 48 anos de trabalho para a GM do Brasil, se aposentou como vice-presidente. ?Essa é uma política da empresa?, disse Beer à DINHEIRO. ?Eu sou um caso típico?. Ao longo de 18 anos como vice-presidente, ele viu seis estrangeiros sentarem-se na principal cadeira da empresa no Brasil. Mas não chegou lá.

Rovera não fala no assunto, mas para alguns analistas ele foi vítima da falta de importância dada pela corporação à GM argentina. À DINHEIRO, Rovera somente comentou que ele e Ray Young ?deixam o Mercosul em uma situação nunca antes vista pela corporação?. Hoje o Mercosul é o terceiro mercado do grupo, atrás somente dos Estados Unidos e China. Rovera tem razão. Com uma gestão austera, Ray Young aumentou o faturamento da GM no Brasil de US$ 11,7 bilhões em 2003 para US$ 17,6 bilhões em 2006. No ano passado, a empresa apresentou lucro aos acionistas após oito anos consecutivos de perdas. Em vendas, outra explosão. De janeiro a setembro deste ano a empresa comercializou 355 mil unidades, volume que supera todo o ano de 2003 (333 mil), ainda que a sua participação tenha caído de 24,7% para 22,3%, resultado da preocupação com a rentabilidade.

Como se vê, Ardilla assume as operações brasileiras em uma casa caprichosamente arrumada por Ray.