Em uma bolsa que quebra recordes a cada semana (e já subiu 80% desde o impeachment de Dilma Rousseff)ainda há uma clara oportunidade no setor financeiro. É o que os próprios bancos acreditam — e vêm se esforçando para disseminar essa crença por meio da recompras de ações. “Ao anunciar a recompra, a empresa sinaliza que, no seu entendimento, a ação está barata, chamando a atenção do investidor”, diz Pedro Galdi, analista da Mirae Asset. “Trata-se até de uma questão psicológica, já que a atração dos investidores nesses casos pode ocorrer mais por uma indução da empresa”, afirma o especialista.

O que está ocorrendo com o INFC, índice da B3 que representa o setor financeiro, é um bom exemplo. A carteira tem 17 ações de 15 empresas, pois Bradesco e Itaú Unibanco têm ordinárias e preferenciais na composição. Dez desses 17 papéis, que representam 63,8% do índice, estão envolvidos em programas de recompra. Além dos líderes de mercado, Santader Brasil, BTG Pactual e a própria B3 lançaram propostas de compra. Isso mesmo após a forte valorização nos últimos 18 meses (observe o quadro). Também participam nomes como a seguradora Porto Seguro, o banco ABC Brasil e a processadora de pagamentos Cielo, a única cujas cotações recuam, devido ao aumento da concorrência no setor.

Há de fato razões para ficar animado com o segmento. Os analistas gostaram dos números dos bancos no primeiro trimestre devido à forte expansão das carteiras de crédito conjugada com uma redução da inadimplência. Nesse período, apesar de o Produto Interno Bruto (PIB) ter encolhido 0,2%, os lucros dos três grandes bancos privados somaram R$ 16,5 bilhões, um crescimento de 10,7% em relação ao mesmo período de 2018.

Pedro Galdi, da Mirae: “A recompra é uma tática psicológica para chamar a atenção dos investidores, que podem se sentir instigados a comprar o papel porque a empresa está fazendo o mesmo” (Crédito:Thiago Bernardes)

POTENCIAL Ao inaugurar a temporada de resultados do setor na terça-feira 23, o Santander Brasil deve, mais uma vez, divulgar números que agradarão os investidores. “Temos uma expectativa bem positiva de retomada do lucro por ação dos bancos”, afirma Rafael Passos, da Guide. Ao recomprar as ações, e eventualmente cancelá-las, a companhia busca elevar o retorno individual ao acionista. Quando anunciou a recompra, o Itaú Unibanco deixou isso claro.

No fato relevante divulgado em 30 de maio, em que prorrogou a recompra até novembro de 2020, o banco informou que o processo pode gerar “maior retorno em dividendos, uma vez que as ações adquiridas são retiradas de circulação e o pagamento de dividendos é distribuído para uma quantidade menor de ações”. O Itaú vai comprar até 15 milhões de ações ordinárias e até 75 milhões de preferenciais. A quantidade é alta em termos absolutos, mas em termos relativos é uma pequena fração do total em circulação — o banco tem 387,5 milhões de ações ordinárias no mercado e 4,7 bilhões de preferenciais. Mesmo já tendo subido bastante, especialistas avaliam que as ações ainda têm espaço para continuar em alta.

Felipe Silveira, da Coinvalores, fala sobre os possíveis ganhos de eficiência com o avanço da tecnologia e menor necessidade de agências e pessoal. “Sob essa ótica, faz sentido pensar que as ações ainda têm potencial de valorização”, diz ele. “Claro que há também riscos que não podem ser ignorados, como o crescimento das fintechs”.
Além das melhorias operacionais, as companhias têm agora a seu favor a iminente aprovação da reforma da Previdência. “A percepção do risco país tem recuado por conta disso, reduzindo o custo de capital para as empresas que, como conseqüência, tem uma melhoria dos múltiplos”, diz Passos, da Guide.

Com os investidores confiantes no avanço da agenda econômica, as projeções indicam o Ibovespa ao redor dos 115 mil pontos no fim de 2019. E caso tenhamos outras medidas econômicas além da Previdência, fazendo a economia voltar a crescer de maneira robusta, em 2020 o mercado aposta no índice ao redor dos 140 mil pontos. “Em um ambiente assim, não podemos dizer que o mercado está caro, mesmo após toda a alta”, afirma Galdi, da Mirae.

Rafael Passos, da Guide: “As ações da B3 sobem 55% no ano diante do aumento nas movimentações financeiras dos investidores na bolsa, mas o espaço para seguir na trajetória ascendente é limitado” (Crédito:Rodrigo Klepacz)

O anúncio do programa de recompras da B3, em 27 de junho, causou certo espanto no mercado. Isso porque a ação já subiu 55% em 2019. “O programa da B3 é até um pouco polêmico, uma vez que mesmo após a forte alta a empresa ainda avalia que está barato”, diz Galdi. Segundo Rafael Passos, as ofertas de ações em franco crescimento têm impulsionado os números operacionais da bolsa, atraindo os investidores. “Essa tendência deve prosseguir no curto prazo tendo em vista as ofertas no forno de empresas como Hapvida e Movida”, diz o analista da Guide. Ainda assim, ele também vê um potencial limitado para o ativo no curto prazo.

Do lado oposto dessa história está a Cielo, que recompra suas ações após o tombo de 65,5% nos últimos 18 meses. “Apesar da queda, diante do horizonte para o setor, em que a concorrência deve seguir acirrada, o papel não representa uma oportunidade de compra”, diz Silveira, da Coinvalores.

LIQUIDEZ Não é apenas por avaliar que as ações estão baratas que os bancos as têm recomprado, mas também pelo excesso de recursos em caixa. O setor passou por um processo de consolidação nos últimos anos e, mais recentemente, com as vendas das operações no país do HSBC e do Citi para Bradesco e Itaú, respectivamente. “Não há outros grandes bancos à venda. E como existe uma liquidez muito grande no mercado, eles podem estar usando parte desses recursos na recompra das ações”, diz Claudio Gallina, diretor da Fitch Ratings. Segundo ele, dada a situação confortável de liquidez das instituições financeiras não há um risco do capital utilizado para as recompras fazer falta e causar um impacto que leve a um rebaixamento dos ratings. Procurados, Bradesco, Santander, Itaú Unibanco e B3 não concederam entrevista.