PREMIADO Eleito melhor enólogo de 2019 pelo Guia Descorchados, Sabastián Zuccardi comandou o maior investimento da família até agora: a arrojada vinícola no Valle de Uco que acaba de obter o primeiro lugar do ranking World’s Best Vineyard (Crédito:Divulgação)

Finca Piedra Infinita é o nome de um vinhedo criado pelo viticultor argentino Sebastián Zuccardi em Altamira, no Valle de Uco, Mendoza. Filho e neto de visionários que desde 1963 vêm construindo uma saga de inovação no vinho de seu país, Sebastián escolheu um terreno dificílimo para plantar 36 hectares de parreiras das variedades malbec, cabernet franc, bonarda e tempranillo a uma altitude de 1.100 metros, ao pé da Cordilheira dos Andes. Parodiando o poeta Carlos Drummond de Andrade, não havia uma pedra no meio do caminho. Havia uma pedreira. “Pensei que iríamos retirar 300 caminhões carregados de rocha. Foram mais de mil”, relembrou Sebastián durante um almoço em São Paulo. Valeu a pena? A resposta é sim e não. Do lado do sim está o perfil de solo que restou após a remoção, mapeado em detalhe para definir o plantio de acordo com as características de drenagem (são nove subdivisões) e o potencial de cada parcela para aportar atributos distintos ao vinho obtido a partir das uvas ali plantadas.

Do lado negativo pesa a experiência acumulada, e não apenas em função do custo da empreitada. “Se eu fosse começar hoje, escolheria um terreno mais homogêneo”, diz Sebastián. Ainda que tenha dado trabalho, a Finca Piedra Infinita, com seu solo riquíssimo em calcário, se tornou o berço de uma família de vinhos espetaculares, todos reconhecidos pela crítica internacional com pontuações expressivas. A safra 2016 do Zuccardi Finca Piedra Infinita Paraje Altamira recebeu 100 pontos do rigoroso Robert Parker. Os rótulos da vinícola são importados pela Grand Cru. A safra 2014 está sendo vendida a R$ 1.299.

ESFORÇO recompensado O rótulo que recebeu 100 pontos de Robert Parker na safra 2016 é produzido em um vinhedo do qual foram retirados mais de mil caminhões de pedras

Embora tenha estudado viticultura e não enologia, Sebastián foi eleito o Melhor Enólogo de 2019 pelo Guia Descorchados. E a bodega onde são elaborados seus vinhos primorosos, inaugurada em 2016, acaba de ser reconhecida pela World’s Best Vineyard 2019 com os selos de Melhor Vinícola da América do Sul e Melhor Vinícola do Mundo. “Eu me vejo como um arquiteto do vinho. O que busco é a estrutura, a complexidade”, diz Sebastián. Não por acaso, seus rótulos recebem nomes como Poligonos ou Concreto. “Minha ideia é fazer vinhos que contem a história do lugar”.

Essa é também uma das premissas do prestigiado enólogo norte-americano Paul Hobbs. Depois de ter construído uma sólida reputação como um dos responsáveis por elaborar o mítico Opus One, produzido na Califórnia em uma joint venture criada por Robert Mondavi e pela família Rothschild, ele se mudou para a Argentina, onde trabalhou com o produtor Nicolás Catena antes de se dedicar à Viña Cobos, que na semana passada comemorou 20 anos. Foi graças ao empenho de Hobbs que a América do Sul recebeu pela primeira vez 100 pontos por um vinho, em 2011. “Alcançar esse resultado era uma meta que nosso time havia estabelecido para intensificar nosso foco na qualidade, para dar a cada um o reconhecimento por nossa dedicação a cada detalhe. Não tínhamos tantos recursos, mas estávamos movidos pela paixão”, disse Hobbs à DINHEIRO. “Tínhamos o comprometimento, a motivação, a capacidade, e precisávamos provar a nós mesmos — e para o resto do mundo — que aquele terroir e aquela variedade poderiam resultar em um vinho do mais alto nível”.

VERSÁTIL Depois de trabalhar com Robert Mondavi e Nicolás Catena, Paul Hobbs passou a criar suas próprias vinícolas. Hoje ele comanda oito delas, em cinco países (Crédito:Divulgação)

Reconhecimento obtido, o desafio de Hobbs na Argentina não tem sido menor desde então, Ele passou a aplicar a novos rótulos o conhecimento adquirido no processo de condução das parreiras e de vinificação que resultou nos 100 pontos obtidos pelo Cobos Malbec Merchiori Estate 2011. “Parte da evolução do vinho argentino pode ser atribuída a algumas descobertas que fizemos na região de Mendoza”, afirma. “No final dos anos 1990 nós implantamos vinhedos em zonas de maior altitude. O objetivo era buscar temperaturas mais baixas, especialmente durante a noite, o que provoca uma maturação mais lenta da uva e traz mais elegância e complexidade ao vinho. Isso influenciou muitos dos produtores a partir da década seguinte”. Em 2013, o enólogo que revolucionou a parecepção do malbec argentino no mundo foi apelidado pela revista Forbes de Steve Jobs do vinho. Hoje, além da Viña Cobos, ele comanda outros sete projetos: as duas unidades da Paul Hobbs Winery (em Sonoma e no Nappa Valley), a Hillick & Hobbs (em Nova York), além de vinícolas na Armênia, França e Espanha. Ainda que a dedicação a tantos projetos exija muito de seu tempo, ele consegue dar consultoria para outros produtores ao redor do mundo.

Paul Hobbs e Sebastián Zuccardi são de gerações, países e culturas distintas. Mesmo assim, compartilham algumas crenças quando o assunto é o cultivo de uvas: uma é o respeito ao lugar. Outra, a simplicidade. “Trabalhamos no vinhedo de forma minimalista”, diz Hobbs. Apesar dos mil caminhões de pedra que removeu de sua finca, Zuccardi prefere deixar que a natureza se expresse em cada gole dos vinhos que elabora. Todos eles complexos, estruturados — e excelentes.

VIÑA COBOS Projeto que completa 20 anos rendeu o primeiro vinho avaliado com 100 pontos da América do Sul, o Cobos Malbec Merchiori Estate (acima) (Crédito:Divulgação)