No mundo dos negócios, o maior de todos os pecados capitais é vender e não entregar. Na política nacional, é o oposto: prometer e não cumprir já faz parte das campanhas eleitorais. Quando os “enganados” são empresários, financistas e agentes do mercado, cada promessa não cumprida tem um preço, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, está sentindo na pele as retaliações da rejeição de um mercado que ajudou a sustentar sua chegada a Brasília. Depois de mais de dois anos como suposto mentor intelectual das políticas econômicas do governo de Jair Bolsonaro, Guedes se tornou uma espécie de falso profeta. A mais recente projeção do ministro soou para o mercado mais como outra manifestação de seu pacote de frases ao vento, e não a de alguém que tem um plano. Ele disse que caso o governo consiga avançar na vacinação contra a Covid-19 o País pode “voltar à normalidade em cinco ou seis meses.” Otimismo que nem o clã Bolsonaro ousou externar.

Guedes e suas promessas não se sustentam nos fatos. A pandemia só piora, a vacina não chega no volume que deveria, as restrições à circulação crescem em todos os estados e as incertezas sobre os rumos da economia só aumentam. No mês passado, o mercado de trabalho emitiu sinais positivos, com a criação de 260.353 vagas com carteira assinada. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) foram divulgados na terça-feira (16) pelo Ministério da Economia, mas a taxa de desemprego continua em patamares recordes, na porta dos 14%. “Há sinais por toda parte de que a economia brasileira está de novo decolando”, disse Guedes. “O resultado mostra que o País continuou com a recuperação econômica após o pico de casos de Covid-19 em 2020, que fechou parte das atividades econômicas no País”, afirmou em nota assinada pelo Ministério da Economia.

O milagre de Guedes se ancora na esperança de que o Brasil terá, enfim, uma política de vacinação em massa. Na visão do ministro, a imunização dos brasileiros vai abrir caminho para reduzir o desemprego e para a retomada da atividade econômica. “A prioridade incontornável é a vacinação em massa”, afirmou. “Temos que criar essa imunização do povo brasileiro para garantir que a economia informal volte.” É um fato. Só não dá para entender — ou perdoar — por que ele não tentou convencer seu chefe disso ao longo do último ano.

TESOURO Apesar de insustentável, o discurso do ministro recebeu endosso de outros integrantes da equipe governista, como o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal. Na quarta-feira (17), ele disse que a julgar pelo calendário para vacinação de prioritários, “deveremos entrar num período de normalidade entre o fim de junho e início de julho, do ponto de vista de projeções econômicas.” Para Funchal, a vacinação é o melhor instrumento de política econômica e fiscal. “O objetivo do governo agora é acelerar a produção ou importação de vacinas e o processo de vacinação”, disse Funchal, em entrevista à GloboNews.

Sentido no bolso: enquanto Guedes diz que a normalidade econômica vai se dar em seis meses e há sinais que sustentam essa teoria, brasileiros sentem nas gôndolas a alta no preço dos alimentos

O secretário também voltou a fazer ponderações sobre a necessidade de controle de despesas, ao destacar que a capacidade de financiar novas rodadas de auxílio emergencial é “extremamente limitada”, depois de centenas de bilhões de reais gastos com o benefício em 2020 e da reedição no valor de R$ 44 bilhões neste ano. “A gente também precisa pensar em paralelo. Pensar na crise agora e no pós-crise”, afirmou.

A torcida geral para que Guedes esteja certo é grande, mas seu retrospecto pessoal joga contra. Desde que se sujeitou a ser Posto Ipiranga de Bolsonaro, o ministro falou muito mais do que cumpriu — ou porque foi desautorizado pelo chefe ou porque se deu conta que, na política, a gestão não é como administrar uma empresa no setor privado. Para o economista-chefe da Valor Investimentos, Paulo Duarte, a primeira, e talvez principal bravata foi estrutural. “Entre as grandes promessas não cumpridas estão o equilíbrio das contas públicas, as privatizações e as reformas, principalmente a tributária e a administrativa”, disse.

Na lista daquilo que, por enquanto, não passou de retórica — no jargão político também conhecido como estelionato eleitoral — estão, além das reformas, a promessa de zerar o déficit público nos primeiros 12 meses de governo, arrecadar R$ 2 trilhões com privatizações e venda de imóveis da União, entre muitos outros. O descumprimento do que Guedes apregoou, segundo Duarte, não pode ser atribuído apenas à pandemia. “O governo já vinha tendo dificuldade para cumprir o que prometeu no primeiro ano. A situação já não era boa”, afirmou o economista. “A sensação que fica é a de que Guedes ainda tenta manter um discurso de esperança, mas o presidente não é simpatizante de várias de suas ideias, especialmente do que diz respeito às privatizações.”

Outro economista que se mostra cético ao canto da sereia é Eduardo Giannetti da Fonseca, que condiciona a recuperação ao controle dos gastos públicos e a introdução de iniciativas liberais na economia. “Não podemos confundir o liberalismo ao longo de dois séculos e meio de história com essa versão muito empobrecida representada no Brasil pelo Paulo Guedes, que é o neoliberalismo de Chicago”, disse Fonseca. Seja por otimismo ou ufanismo, as promessas só deverão superar o descrédito e voltar aos níveis de 2018 quando se tornarem realidade e deixarem de ser só uma tábua com orientações genéricas. Guedes só precisa lembrar de pedir a bênção de Bolsonaro e torcer para não ser desautorizado publicamente.