O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) confirmou que a partir desta segunda-feira, 20, alguns radiofármacos fundamentais para o diagnóstico e tratamento do câncer deixaram de ser produzidos por falta de insumos, conforme antecipado pelo Broadcast/Estadão na semana passada.

Desde sexta-feira, 17, segundo o Ipen, o titular do órgão, Wilson Aparecido Parejo Calvo, tenta uma alternativa junto ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para conseguir importar os insumos necessários para a produção de produtos como iodo, Lutécio 177, entre outros. Com a paralisação, há risco de desabastecimento por algumas semanas.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), George Coura Filho, o último carregamento de iodo, muito usado no tratamento do câncer na tireoide, foi entregue hoje, e o fornecimento de Lutécio 177, usado no tratamento de tumor neuroendócrino, foi suspenso. “Também o envio do gerador de molibdênio tecnécio, usado na cintilografia, teve seu último carregamento entregue no domingo”, disse Coura Filho ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. “Estamos sem nenhuma outra opção, é desesperador.”

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Ele informou que já procurou sem sucesso todos os ministérios para tentar resolver o problema, mas não houve resposta até o momento, “só ciência do recebimento das minhas demandas”, explicou. Coura Filho avalia que entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas podem ser prejudicadas com a falta de distribuição dos radiofármacos do Ipen, e não apenas os doentes de câncer. Os remédios do Ipen representam cerca de 10% dos medicamentos usados para tratar a doença.

Procurado, o MCTI disse que continua aguardando a votação do PLN 16/2021 esta semana para solucionar o problema. Essa estratégia é criticada pelo setor médico, que argumenta não poder esperar o tempo incerto do trâmite de um projeto no Congresso para dar continuidade aos tratamentos de câncer no País.

O Ipen fabrica 25 diferentes radiofármacos, ou 85% do fornecimento nacional. Para manter a produção, o órgão aguarda a aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que adicionaria R$ 34,6 milhões ao seu orçamento. Outros R$ 55,1 milhões estão sendo buscados pelo MCTI para completar os R$ 89,7 milhões que o instituto precisa para produzir os radiofármacos até dezembro deste ano.

O órgão importa radioisótopos de produtores na África do Sul, Holanda e Rússia, além de adquirir insumos nacionais para produção de radioisótopos e radiofármacos utilizados no tratamento do câncer. O material é usado na radioterapia e exames de diagnóstico por imagem, entre outros.

Na semana passada, o Estadão revelou que a produção corria risco de ser interrompida. Um documento do órgão aos serviços de medicina nuclear deixava claro que o Ipen estava fazendo todos os esforços para manter a produção, mas destacava o cenário desafiador e o momento delicado que a medicina passa diante da pandemia do coronavírus.

Situação era conhecida desde o início do ano, diz pesquisador

“Durante toda a pandemia os servidores do Ipen conseguiram manter a produção, e parar agora por falta de planejamento é muito frustrante. É uma situação que já se tinha conhecimento desde o início do ano, quando aprovaram o orçamento, o Ipen informou que só teria recursos até agosto”, disse o diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Estado de São Paulo (Sindsef-SP) e pesquisador do Ipen, Luis Antonio Genova.

“O Brasil compra toda semana os insumos para a produção dos radiofármacos, que chegam na quinta-feira para serem processados pelo Ipen. Se algo não for feito, ficaremos um bom tempo sem poder fazer o tratamento dos pacientes”, disse Genova. Segundo ele, os ministérios da Economia e Saúde também estão tentando arrumar recursos para garantir o abastecimento de hospitais e clínicas nas próximas semanas, mas a situação já é grave.

No Ministério de Ciência, a informação oficial é de que aguardam para esta semana a votação do PLN 16/2021, que amplia o orçamento do Ipen. Genova observou, porém, que esse caminho leva tempo e deixaria o mercado desabastecido por algumas semanas.

‘Não avisamos aos pacientes ainda’

Conselheira da Associação Brasileira para Atividades Nucleares (Abdan) e chefe-executiva da Uddo Diagnósticos, Beatriz Cancegliero explicou que ainda não avisou seus pacientes sobre a falta dos produtos, na expectativa de que o problema se resolva nos próximos dias. “Não avisamos ainda pois estamos aguardando uma resposta mais certa ou oficial da SBMN, da Abdan. ou mesmo do Ipen, para tomarmos alguma atitude neste sentido ou mesmo nos programarmos quanto aos atendimentos”, informou.