O Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para questionar a portaria publicada pelo Ministério da Saúde na última sexta-feira, 28, que obriga médicos e profissionais de saúde a notificarem a polícia ao atenderem a vítimas de estupro que desejam realizar um aborto legal. A entidade diz que a portaria ‘demonstra o uso político e ideológico do estado para dificultar o aborto legal’, além de simbolizar um retrocesso nas políticas de proteção à mulher, à criança e ao adolescente e a vítimas de violência sexual.

A ação apresentada ao Supremo diz que é ‘inequívoca’ a inconstitucionalidade da norma por confrontar preceitos constitucionais e também tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A norma ‘desmantela políticas públicas de saúde que por anos alinharam o país às mais claras práticas de valorização dos direitos humanos e da proteção à vítima de violência sexual’, aponta a entidade.

“Uma portaria jamais poderia restringir a aplicabilidade de um claro direto previsto constitucionalmente e em lei”, diz o Ibross. O caso foi distribuído para relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

O Instituo pede liminar para suspender cautelarmente a portaria, sob o argumento de que centenas de mulheres, crianças e adolescentes deixarão de procurar assistência médica. “Se antes a vítima possuía um porto seguro assistencial nas unidades de saúde, com a edição da portaria terá mais uma etapa de agressões”.

Com relação a determinação para que os servidores da saúde tenham de chamar a polícia ao atenderem mulheres que desejem fazer um aborto legal – previsto em casos de estupro, risco à vida da gestante e feto anencéfalo -, o instituto frisa que as unidades de Saúde do País não tem estrutura e função de estado policial.

“A função das unidades de saúde é assistir, acolher e proteger as vítimas de estupro e violência sexual e a aplicação da norma fatalmente levará a discussões internas que acabarão por agravar o sofrimento da vítima – retirando o foco da assistência, do acolhimento, da proteção e garantia da saúde física e mental da estuprada”, apontam.

Segundo o Ibross, a portaria não buscou prever instrumentos e ferramentas de acolhimento à vítima ou medidas de defesa contra agressores, ‘mas tão somente medidas que sob vários aspectos constrangem a vítima a não procurar assistência hospitalar adequada’.

“Sob o aspecto legal, moral e humanitário a norma se presta a prolongar o estupro e seus efeitos físicos, mentais e psicológicos transformando o Estado no longa manus do estuprador – fazendo, a portaria, um uso hábil e sutil das mesmas técnicas do estuprador, constrangendo, ameaçando e impingindo dor e sofrimento físico e mental à vítima como forma de demovê-la”, diz a entidade.

O Ibross questiona diferentes pontos da portaria. Além de determinar que médicos chamem a polícia quando atenderem vítimas de estupro, a norma determina que para procedimento de autorização do aborto em caso de estupro, a mulher deverá fazer um relato sobre a violência sofrida, com informações sobre local, dia e hora do fato, descrição do agressor e indicação de testemunhas. Depois disso, deverá passar por exame físico, incluindo até ultrassonografia. A equipe de saúde responsável pelo procedimento deverá ser integrada por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.

Segundo a entidade, o oferecimento de exame de ultrassom para a vítima visualizar o feto ‘prolonga o sofrimento das mesma e a transforma em criminosa’. As Organizações Sociais dizem ainda que a exigência de que a vítima detalhe a violência sofrida – prevista na norma do Ministério da Saúde – ‘implicarão num doloroso e cruel processo’, fazendo com que a mulher ou criança reviva o abuso ainda grávida do estuprador.

O Instituto diz ainda que a temporariedade da portaria ‘denuncia sua inconstitucionalidade e demonstra o uso político e ideológico do estado para dificultar o aborto legal’. “Isto, porque, a mesma foi editada dias após o dramático caso do aborto realizado em uma menor de 10 anos, estuprada desde os 6 anos de idade. Nesse caso, resta bastante claro que o estado, não apenas criou inúmeros obstáculos ao aborto previsto em lei, como deixou de garantir o sigilo de informações dos dados da menor e do local onde o aborto legal seria realizado”, registra a petição inicial.