Há dois anos, um americano de um metro e noventa de altura, 49 anos, desembarcou no Brasil com a espinhosa missão de dar novo fôlego à Coca-Cola. Acostumada a dominar mais de 50% do mercado brasileiro de refrigerantes, a legendária marca vinha dramaticamente perdendo posição. Ao ser convocado, Stuart Cross, foi alertado: ?Aperte os cintos e prepare-se?. Foi só um aviso do que ele encontraria por aqui. De 1998 para cá, encarou de frente fenômenos como a desvalorização cambial, a ofensiva das miúdas do setor ? as tubaínas ? e, pior, a inesperada união de forças da Brahma e da Antarctica. Por conta de sua experiência como presidente da divisão América Central e Caribe, área onde os furacões são freqüentes, o executivo parece não ter tido problemas para enfrentar o turbilhão brasileiro. Do lado pessoal, assimilou rapidamente o jeitinho local. Tanto é que freqüenta as praias cariocas com a mulher e as filhas trigêmeas e até ganhou um apelido dos colegas de trabalho. É conhecido como Stu. No ambiente profissional, os primeiros resultados da gestão dele na filial animaram a matriz. Do final do ano passado para cá, as vendas começaram a subir. Os gráficos que ele apresenta em seu escritório em Botafogo, no Rio de Janeiro, com vista para o Pão de Açúcar, mostram uma curva ascendente. Veja os principais trechos da entrevista concedida à DINHEIRO.

DINHEIRO ? A Coca-Cola elaborou alguma estratégia para enfrentar a Ambev?
STUART CROSS ? Não diria que temos novos planos por causa da fusão. Se voltarmos aos primeiros meses de 1999, vemos que tivemos muitas dificuldades por causa da desvalorização, do aumento do desemprego, da inflação e, mais importante, da queda no poder aquisitivo dos nossos consumidores. Com isso, tivemos que construir uma nova base para nossas marcas, sem perder de vista a competição. Em junho de 1999 nossos negócios cresceram 7%, depois passou para 8% e no primeiro trimestre deste ano chegou a 11%.

DINHEIRO ? E para o futuro?
CROSS ? Temos um lançamento previsto em água mineral e um outro na linha de bebidas não-carbonatadas.

DINHEIRO ? O Brasil é o único país onde a empresa atua com bebida alcoólica, no caso a Kaiser. Parece que Atlanta mostrou seu descontentamento com o assunto. Como a questão está sendo tratada?
CROSS ? Vamos esclarecer uma coisa. Não sei onde você ouviu que a direção em Atlanta disse não ser uma boa idéia, porque eles não disseram. Coca-Cola e seus engarrafadores se envolveram na distribuição e, em alguns casos, na compra de uma participação na Kaiser 18 anos atrás. Isso porque ambas indústrias trabalhavam muito bem juntas. Além disso, bares e restaurantes preferiam ter apenas um fornecedor. Desde então estamos filiados à Kaiser e não temos nenhuma instrução para sair.

DINHEIRO ? Há um plano para ter apenas três engarrafadores de Coca-Cola no Brasil, no lugar dos atuais 19. Como será a consolidação?
CROSS ? Há dois ou três anos começamos o processo para ter menos engarrafadores e ficar mais competitivos e eficientes. Não importa se ficarão 15 ou cinco engarrafadores. Não há um plano com um número específico.

DINHEIRO ? Por que Luiz Lobão, o antigo presidente, perdeu o posto?
CROSS ? Não vou comentar sobre o sucesso ou fracasso de uma pessoa. A companhia, seja em Atlanta, no Brasil ou na Argentina, desenvolve estratégias. Algumas delas funcionam, algumas delas não. E nós aprendemos com todas.

DINHEIRO ? E as tubaínas?
CROSS ? Toda vez que você tem um segmento de mercado que responde por um terço das vendas é preciso ficar atento. Neste caso, a participação está dividida entre pelo menos 700 fábricas, que operam de maneira formal ou informal.

DINHEIRO ? Com a redução nos preços para enfrentar a concorrência, como ficaram as margens de lucro?
CROSS ? É óbvio que essa decisão nos custou muito dinheiro, especialmente na redução do lucro. Mas isso acabou nos tornando mais competitivos. A diferença entre o preço do produto premium e as tubaínas foi reduzido e fomos perceber isso assim que passou a crise financeira do País. Nós voltamos a crescer, para 45% do mercado e depois para os antigos 50%.

DINHEIRO ? Há mudanças previstas nas embalagens?
CROSS ? Estamos testando novidades em alguns mercados, como a embalagem de 2,5 litros, de 600 ml, em São Paulo, e há outras por vir este ano, como uma de 250 ml, em garrafa de vidro descartável.

DINHEIRO ? O sr. ficou apreensivo por ter acabado de chegar quando a crise da mudança cambial explodiu?
CROSS ? Acho que fiquei antes de chegar aqui. Me avisaram que a única coisa que eu podia ter certeza sobre o País era a perspectiva de mudanças repentinas e que você não espera. Não podia prever a desvalorização, que foi maior do que todos esperavam, nem a criação da Ambev. O que me disseram foi ?aperte os cintos e prepare-se?.

DINHEIRO ? O sr. estava preparado?
CROSS ? Não acho que alguém pode estar preparado para um câmbio que vai de R$ 1,20 por US$ 1 para R$ 2,00 por US$ 1,00 dentro de poucas semanas.

DINHEIRO ? Com a fábrica de concentrado em Manaus, a da Argentina pode ser fechada?
CROSS ? Não. Nós testamos a exportação para a Argentina, mas fomos mal interpretados pela imprensa daquele país. Continuaremos com a produção lá, mesmo com as pequenas remessas que fazemos do Brasil.

DINHEIRO ? O que mudou na direção da Coca-Cola depois que Douglas Daft assumiu a direção mundial, no ano passado?
CROSS ? A maior mudança entre a Coca-Cola que existia há um ano e a de agora foi a percepção de Daft de que as decisões, tanto na Ásia quanto no Brasil, precisam ser locais. Ele eliminou quase toda burocracia em Atlanta, então agora há poucas coisas para as quais precisamos pedir permissão para a matriz. Ele acredita que as melhores decisões para o Brasil são as tomadas pelos brasileiros.