Poucos políticos na história brasileira recente tiveram tanto sangue frio e predisposição para o caos quanto o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). E o interessante é que, assim como Lira, todos os outros pirotécnicos da política ocuparam cargos de presidência do Legislativo. Eduardo Cunha (o do “tchau, querida”) e Renan Calheiros (conhecido incendiário da república) são alguns dos nomes mais lembrados por suas posturas midiáticas e adeptas à confusão. Mas talvez resida em Lira um potencial destrutivo que supera o de seus antecessores. Com a Câmara absorvendo mais poder do que nunca sobre a condução e destino do Orçamento, o político entrará em 2023 (caso seja reeleito) com ambições de primeiro-ministro, a chave do cofre do dinheiro público nas mãos e o desejo de restituir a reeleição para a presidência das Casas, que foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. O parlamentar arma uma cenário em que, não importe quem leve as eleições, ele o Centrão se sairão bem.

Mas para que o plano dê certo, era preciso amarrar bem a Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Senado e encaminhada à sanção presidencial. O relator-geral do texto, senador Marcos do Val (Podemos-ES), retirou uma aberração que era a execução obrigatória das emendas de relator, identificadas como RP 9 e que amarravam a gestão desse dinheiro por parte do Executivo. Trouxe a impressão de que seria o “passo para trás” no crescente poder do Legislativo, que desde 2015 só aumenta sua importância nas decisões financeiras e orçamentárias da União.

Em Brasília, a explicação formal para essa pseudo derrota é que falta regulamentação. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (PL-TO), disse que “é preciso uma discussão mais aprofundada ainda, mas o assunto não acabou aqui, continuará sendo discutido”. Com isso os R$ 19 bilhões da RP9 entram no Orçamento, mas sua execução será feita diante da vontade do Executivo.

Nos bastidores, a explicação para a derrubada da obrigatoriedade é que, caso Lula vença as eleições de outubro, ela favoreceria a base aliada petista (exatamente como foi com o Centrão no governo Bolsonaro). Mantendo seu discurso da regulamentação, Gomes garantiu que outras medidas de transparências foram adotadas na LDO este ano. Agora as indicações devem trazer o nome do parlamentar que solicitou a despesa.

Mas isso, claro, é para inglês (ou o STF) ver. E por isso no mesmo dia 12, quando passou o Orçamento, os senadores aprovaram que as emendas do relator também poderão ser direcionadas para ministérios e, por isso, se enquadrar na categoria RP2 e poder ficar em sigilo. Segundo o Líder do governo no Senado, a ferramenta é uma forma de “repatriar recursos do Executivo para ser aplicados na melhoria do país”. O projeto também está nas mãos (e caneta BIC) de Bolsonaro.

ENTRE AMIGOS Mas a sacada de Lira não para por aí. Ele conseguiu que fosse incluído no texto da LDO que o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) “em exercício quando da aprovação da LOA 2023 definirá, junto do relator, os beneficiários e a ordem de prioridade para a distribuição dessas verbas”. E quem é o presidente da CMO hoje? Celso Sabino (União Brasil-PA). Um dos homens fortes e mais próximos de Lira. Isso porque o relator do Orçamento de 2023, Marcelo Castro (MDB-PI), próximo de adivinha quem? Lula. Há ainda linha arrematadora do final do texto e garante que, caso Sabino não seja reeleito, vá para o posto outro político da mesma “representação proporcional junto à CMO”.

O cientista político Emerson Cardoso, professor da Universidade de Brasília e que integrou a equipe de transição do ex-presidente Michel Temer afirma que a inteligência para caminhar no limite da legalidade é o que difere Lira dos outros políticos agentes do caos que o Legislativo já abrigou. “Lira possui um refino político que não é muito encontrado no Centrão. Ele tem um domínio e conhecimento de regimentos internos como poucas vezes eu vi”, disse. Segundo Cardoso, o político do Progressistas não passa do limite da legalidade, “e ainda assim desenvolve manobras de deixar todos moralmente constrangidos”.

E será também nessa margem legal que Arthur Lira já tem na manga uma PEC que mudaria a regra da obrigatoriedade das RP9, caso seja necessário. Também prevendo inimizades a depender de quem assuma o Executivo em 2023, há outro gatilho no Orçamento. E ele proíbe o contigenciamento de alguns perfis de despesas. Ao todo são 25 áreas blindadas, que vão desde infraestrutura de ferrovias ao direito dos idosos que não poderão mais ser bloqueados por meio de uma canetada presidencial. Isso, claro, pode ser revertido pontualmente, caso a caso, com anuência do Congresso Nacional. Uma jogada de mestre de Lira, cujo plano nunca foi bater tambor e esperar a tempestade, como fizeram seus antecessores. Ele quer ser Poseidon.