A crise que envolve evidências de uma espécie de orçamento paralelo destinado a sedimentar o apoio ao governo Bolsonaro no Congresso aumentou a efervescência da já tensa relação entre os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Os embates nos bastidores inflamam as articulações para recriar a pasta do Planejamento, tirando a área da alçada do “Posto Ipiranga”. Guedes está convencido de que Marinho tem agido fortemente para furar o teto e deixá-lo em maus lençóis, tramando, na sua visão, contra a agenda liberal. Marinho, por sua vez, acha que o colega acalenta um ciúme forte do prestígio que cativou junto ao presidente por suas boas movimentações na área política. O clima de disputa deixa o Planalto dividido. Bolsonaro gosta do trabalho de Marinho, mas teme perder Guedes e, com ele, a credibilidade na área da Economia. Enquanto os dois ministros digladiam pela preferência do capitão, dinheiro de menos tem levantado pressões de toda ordem na Esplanada dos Ministérios. Com o Itamaraty à míngua, o chanceler Carlos França tem dito a todos que a estrutura diplomática está praticamente sem recursos para operar. Segundo ele, o Itamaraty não pode ficar inadimplente em contratos firmados no Brasil e no exterior. Em carta enviada ao ministério da Economia apelou por mais dinheiro a Guedes. Solicitou o desbloqueio de R$ 225.352,21 e disse que a necessidade orçamentária da pasta das Relações Exteriores para este ano é estimada em cerca de R$ 1,75 bilhão. Na sua carta, o chanceler cita risco de prejuízo ao atendimento a cidadãos brasileiros que residem fora do País e do pagamento de serviços essenciais, como segurança, água, energia, comunicações e salários dos auxiliares locais, além dos alugueis de algumas representações no exterior. Na toada de tirar dinheiro de onde nem deveria, a tropa de Guedes parece ter abusado mesmo. Imaginando o fim da pandemia, não foram incluídos sequer gastos novos com o coronavírus no Orçamento de 2021. O argumento, em ofício encaminhado à CPI da Covid, é, como citado claramente, que o governo “não vislumbrou a continuidade” da pandemia. Por ingenuidade ou por má fé mesmo essa atitude mostra o tamanho da barbeiragem praticada nas contas para se alcançar um número minimamente razoável de cortes. Através de novos empréstimos – em outras palavras, aumento de dívida pública – tiveram de ser contratados neste ano cerca de R$ 86 bilhões para o combate à doença. Desse valor, cerca de R$ 42 bilhões para a rodada adicional do auxilio emergencial e o restante para bancar demais gastos operacionais, de equipamentos e insumos da estrutura pública do SUS. na base do cobertor curto, todo mundo tem razão para reclamar, mas não há mais de onde tirar.

Carlos José Marques, diretor editorial