Declaração do primeiro-ministro húngaro contra “mistura de raças” na Europa gerou repúdio internacional e foi comparada ao nazismo. Em reação às críticas, ele diz que foi mal compreendido, mas mantém fala racista.O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tentou se defender nesta quinta-feira (28/07) depois que declarações dele contra a “mistura de raças” na Europa geraram uma enxurrada de críticas de governos e instituições. O político manteve seu discurso contra migração, mas disse se tratar de uma “questão cultural”, não racial.

“Às vezes, acontece que eu falo de uma maneira que pode ser mal compreendida… A posição que represento é um ponto de vista cultural, civilizacional”, afirmou o premiê ao lado do chanceler federal da Áustria, Karl Nehammer, durante visita ao país vizinho. “Queremos manter nossa civilização como é agora.”

No sábado, Orbán havia dito que os húngaros “não querem se tornar um povo mestiço”. A declaração foi feita durante um discurso na região da Transilvânia, na Romênia, país que abriga uma comunidade húngara de mais de um milhão de pessoas.

Dirigindo-se a uma multidão, o político de ultradireita disse que “existe um mundo em que os povos europeus são misturados com aqueles que chegam de fora da Europa”.

“Esse é um mundo de raças mistas. E há o nosso mundo, em que os cidadãos da Europa transitam, trabalham e se movem. […] É por isso que sempre lutamos: estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar povos mestiços”, afirmou o premiê, na ocasião.

Ele também disse que países em que europeus e não europeus se misturam “não são mais nações” nem parte do Ocidente, “mas sim do pós-Ocidente”, defendendo uma visão de “uma raça húngara sem misturas”.

Nesta quinta-feira, o chefe de governo austríaco disse que a questão havia sido “resolvida”. “Amigavelmente, e com toda a clareza”, afirmou Nehammer, reforçando que o país “condena severamente qualquer forma de racismo ou antissemitismo”.

A Áustria é o primeiro país da União Europeia a receber Orbán para uma visita oficial desde o início de seu quarto mandato consecutivo – ele está no poder na Hungria desde 2010.

Além da questão racial, os dois líderes discutiram migração e segurança energética em meio às tensões e incertezas causadas pela invasão russa da Ucrânia. Segundo um funcionário do governo austríaco ouvido pela agência de notícias AFP, a Áustria se vê como um “mediador idôneo” para essas questões e não pretende deixar a Hungria de lado.

Repúdio na Hungria e no exterior

As declarações de Orbán tiveram repercussão tanto na Hungria quanto internacionalmente, com críticas e até o afastamento de pessoas do círculo político do líder húngaro.

Uma das principais conselheiras do primeiro-ministro, Zsuzsa Hegedus, anunciou sua demissão na segunda-feira, em repúdio à fala.

“Não sei como o senhor [Orbán] não percebeu que a declaração é pura retórica nazista digna de Joseph Goebbels”, afirmou a então conselheira para temas de Inclusão Social em sua carta de demissão, mencionando o ministro da Propaganda do Partido Nazista durante a Segunda Guerra.

“Depois de tal discurso, que contradiz todos os meus valores básicos, não tive outra escolha: […] tenho que romper com o senhor”, justificou-se a política, que integrava o círculo de Orbán há duas décadas.

Hegedus acrescentou que por muito tempo defendeu o primeiro-ministro contra acusações de antissemitismo, mas que seu último discurso é indefensável: “Lamento sinceramente que uma postura tão vergonhosa tenha me forçado a romper nosso relacionamento.”

O Comitê Internacional de Auschwitz apelou à União Europeia – e também especificamente ao chanceler austríaco – a se distanciar “dos tons racistas de Orbán”.

Christoph Heubner, vice-presidente da organização, classificou o discurso como “estúpido e perigoso” e que fez lembrar aos sobreviventes do Holocausto “os tempos sombrios da sua própria exclusão e perseguição”.

Em resposta, Orbán enfatizou a “política de tolerância zero quando se trata de antissemitismo e racismo” de seu governo: “Estou orgulhoso dos resultados que a Hungria alcançou contra o racismo nos últimos anos”, disse ele a repórteres na quarta-feira.

O porta-voz do governo húngaro, Zoltan Kovacs, também tentou minimizar as declarações dizendo que Orbán fora “mal-interpretado” por quem “claramente não entende a diferença entre a mistura de diferentes grupos étnicos, todos originários da esfera cultural judaico-cristã, e a mistura de povos de diferentes civilizações”.

Declarações não são novidade

Conhecido por suas posições xenófobas, eurocéticas, anti-LGBTQ e pró-Rússia, Orbán comanda a Hungria ininterruptamente desde 2010. Seu governo é rotineiramente acusado de minar a democracia húngara e a liberdade de imprensa, violações do Estado de direito que já levaram ao congelamento de verbas da União Europeia.

Nos últimos anos, ele chamou imigrantes muçulmanos de “invasores”, descreveu a imigração de não europeus como um “veneno”, e disse que “todos os terroristas são imigrantes”.

Aliado de outras figuras da ultradireita mundial, como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e a política francesa Marine Le Pen, Orbán também é um propagador da teoria conspiratória da “grande substituição” ou “plano de Kalergi”, popular entre círculos de direita, que acusam supostas elites mundiais de promover imigração em massa para enfraquecer a população europeia ou branca.

Mais recentemente, ele também se aproximou da China e até incentivou a construção de uma universidade financiada por Pequim em Budapeste, a primeira do gênero na Europa.

gb/ek (AFP, ots)