Poucos setores avançaram tão rápido e de maneira tão transformadora no Brasil quanto o de telecomunicações. No fim da década de 1980, de cada 100 ligações telefônicas discadas, 41 não eram completadas na primeira tentativa, segundo estudo técnico da Consultoria Legislativa da Câmara Federal. Sob a asa do governo, o setor estava em crise e havia carência de investimentos. De 1995 a 1998, rompeu-se o monopólio estatal, foram formuladas as diretrizes da privatização e criadas a Lei Geral das Telecomunicações (LGT) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em duas décadas e meia, pessoas e empresas estão mais conectadas do que nunca. A primeira revolução das teles foi concluída. Hoje começa a segunda revolução dessa jornada.

As operadoras são mais do que meras fornecedoras de telefonia e internet. Elas têm se transformado em verdadeiros hubs de tecnologia, com serviços variados em suas plataformas digitais. “Temos avançado nas conexões, mas também em serviços digitais e conteúdos agregados”, disse Christian Gebara, CEO da Vivo, em recente participação no Expert Talks, promovido pela XP. A Vivo, líder de mercado nacional controlada pela Telefônica Brasil, avança em suas redes de fibra óptica, mas também abre novos mercados. Na área financeira, criou uma carteira digital e concede crédito a clientes. Possui um marketplace de saúde e trabalha para um negócio semelhante na educação. Tem usado uma robusta arquitetura de big data para atrair e reter clientes.

CONEXÃO Regulamentação da Lei Geral das Antenas abre caminho para investimentos no setor, mas atualização das legislações municipais ainda é um desafio. (Crédito:Divulgação)

A investida no campo da saúde se dá pela plataforma Vida V, marketplace em parceria com a americana Teladoc Health, uma das maiores empresas de telemedicina do mundo. Anunciado em maio, o serviço é oferecido por meio de um app em que o consumidor pesquisa preços, tem descontos em consultas e exames e na compra de medicamentos. Também está disponível conteúdo de nutrição e bem-estar. Tem dado certo. Tanto que a Vivo já planeja lançar projeto igual para a área de educação, em parceria com grupos do setor, para preencher “um gap educacional”, segundo Gebara, principalmente nos ensinos médio e superior. “Em uma plataforma tão robusta como a nossa e com tantos acessos, vamos fazer o link de empregabilidade das pessoas que passam por essa formação.”

A previsão de investimentos em conectividade de todo o setor é da ordem de R$ 431,5 bilhões até 2024, segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom). A Tim anunciou no mês passado parceria no segmento de educação a distância com a Kroton, do Grupo Cogna. A empresa de telefonia poderá deter até 30% de participação na Ampli, plataforma digital educacional criada pela Kroton ano passado.

Se a educação tem sido um nicho, a penetração no terreno de serviços financeiros tem sido obsessão pelas teles. A Vivo coloca em prática um movimento ousado, diante da concorrência dos grandes bancos e da capilaridade das fintechs. Cada passo tem sido bem calculado. A base de dados da companhia, com 76,5 milhões de acessos, segundo a Anatel, é, digamos, um bom começo. Nessa área, a empresa tem o Vivo Pay, sua carteira digital que possibilita pagamentos, recargas, compras on-line e outras transações. Como bônus aos usuários, concede gigas de internet. A outra linha é o Vivo Money, que oferece crédito pessoal de R$ 1 mil a R$ 30 mil para clientes de planos pós-pago e controle. Tudo de maneira digital. “A cada mês multiplica por dois o número de pessoas que pedem financiamento na plataforma”, afirmou Gebara.

CABO FORTE Os avanços em fibra óptica levam conectividade para mais pessoas e preparam a estrutura para absorver maior e mais pesado tráfego de dados a partir do 5G. (Crédito:Istock)

WHATSAPP Pelos lados da concorrência, Oi e Tim também brigam com força nessa seara. Na Oi, o Conta Zap permite várias operações financeiras pelo WhatsApp. Já a Tim fez parceria com o C6 Bank em meados de 2020 para conceder vantagens a seus usuários, que vão desde bônus de internet a parcelamento na compra de produtos e acesso a fundos de investimento diretamente pelo aplicativo. A Claro Pay é outro player, ainda que tímido. A Vivo também tem buscado parceiros para agregar valor aos seus serviços. No entretenimento, os pacotes do Vivo Selfie têm incluídos assinaturas de plataformas de streaming como Amazon Prime, Disney+, Netflix, Spotify e Telecine. De acordo com a empresa, 30% das novas vendas são com esses serviços acoplados. Além disso, a companhia ampliou a aliança com a plataforma digital Dotz, de benefícios para fidelização dos clientes, e estendeu a parceria com a CDF, marketplace de assistência residencial e tecnológica, associada ao projeto da Vivo de casa conectada.

A criação, planejamento e execução dos projetos da Vivo tem como base a divisão de dados e inteligência artificial, comandada pelo vice-presidente Luiz Medici. É um dos primeiros e maiores clusters de big data da América Latina, com mais de 28 PB (petabytes) de informações em produção e análise. “A Vivo entendeu que precisava trazer dados para dentro do core. É uma empresa de telecomunicações, tecnologia e informação, o que possibilita criar outras soluções”, afirmou Medici. Essa ampliação de portfólio com pegada digital é vista de maneira positiva por Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em oportunidades do mercado, questões regulatórias e impacto de tecnologias em negócios. “Essa diversificação é uma tendência que agrega na receita. Tem tudo para dar certo.” Faturamento que está em recuo, de acordo com a Conexis Brasil Digital. Em valores corrigidos pelo IPCA, a receita bruta anual das teles foi de R$ 276 bilhões em 2016 e caiu para R$ 249 bilhões no ano passado.

Ampliação do portfólio com pegada digital visa também reforçar as fontes de receita do setor que recuou de R$ 276 bilhões em 2016 para R$ 249 bilhões em 2020, segundo o relatório da Conexis Brasil Digital

NOVA OI No mesmo caminho de novas linhas de negócio para incrementar a receita está a Oi. Os projetos vão de plataforma de conteúdo Oi Play a serviços financeiros digitais com o Oi Conta Zap, passam pelo marketplace Oi Place e por serviços de assistência técnica remota e presencial, Oi Expert. “Essas frentes de atuação além da conectividade serão bastante relevantes como novas fontes para a Nova Oi, com algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão de receita incremental em 2024”, afirmou a empresa em comunicado. Todos esses projetos estão agora sob o guarda-chuva da Nova Oi, que surge a partir da separação dos serviços de fibra óptica da empresa, que agora se chama V.tal.

Os investimentos em expansão da rede de fibra óptica da Vivo seguem em ritmo acelerado. No primeiro trimestre, ela ganhou 368 mil clientes. Agora, são 16,3 milhões de contratantes na carteira. O plano é chegar a 24 milhões em 2024. Além da rede própria, a companhia criou no início do ano a rede neutra FiBrasil, em acordo com o fundo canadense CDQP que envolveu R$ 1,8 bilhão. O objetivo é ampliar o alcance da fibra para domicílios de pequenas e médias cidades ou de bairros periféricos de grandes centros urbanos fora do estado de São Paulo. A Vivo entrou com 1,6 milhão de domicílios que já usam seus serviços de FTTH (Fiber To The Home) e pretende ampliar para um total de 5,5 milhões clientes da joint venture nos próximos quatro anos. O principal cliente da FiBrasil é a própria Vivo.

NOVA CONCEPÇÃO A Oi, do CEO Rodrigo Abreu, separou sua operação de fibra e criou junto com investidor a V.tal, que tem como CCO Pedro Arakawa e vai atuar no campo das redes neutras. (Crédito:Divulgação)

A Fibra também é um foco da Oi, liderada pelo CEO Rodrigo Abreu. Até o final do primeiro trimestre deste ano, R$ 1,3 bilhão foi destinado para a fibra, o que representa 70% do total investido. A companhia acaba de atingir a marca de 3 milhões de clientes do produto de banda larga por fibra ótica, a Oi Fibra. No primeiro trimestre, foram conectadas, em média 122 mil casas por mês, superando todos os concorrentes. Atualmente a Oi Fibra está disponível em 176 cidades no Brasil e deve chegar a 208 até o fim deste ano.

Outro movimento importante da Oi é criação da V.tal, empresa de rede neutra nos moldes do que fez a Vivo. Ela foi constituída a partir de ativos de infraestrutura de fibra da Oi adquiridos no mês passado pelo sócio-investidor BTG — negócio que aguarda aprovações regulatórias. A Oi continuará com participação relevante no capital da V.tal (42,1%), que terá papel estratégico para massificação da fibra ótica no País devido à conectividade fim a fim (conexão por fibra do backbone ao modem na casa do cliente) atuando nacionalmente para atender a todos os perfis de empresas, das grandes operadoras a provedores regionais. A previsão de investimento é de mais de R$ 30 bilhões até 2025. “Tem como meta atingir 32 milhões de HPs [endereços com serviço de fibra disponível para contratação] e a empresa já tem um plano de expansão que envolve as cinco regiões do Brasil”, afirmou a Oi, por nota, sobre a V.tal, que tem Pedro Arakawa como CCO.

O avanço em fibra óptica e outras infraestruturas, como as antenas, para garantir melhor conectividade, tem ambiente favorável e “as condições estão maduras”, disse Sergio Sgobbi, diretor de relações institucionais da Brasscom. Ele cita a Lei Geral das Antenas, regulamentada no fim do ano passado, que abre caminho para investimentos – inclusive relacionados ao 5G –, a alteração na tributação de dispositivos de internet das coisas (IoT), que deixaram de ser onerados, e avanços na liberação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), para que R$ 1,2 bilhão seja aplicado em expansão do setor e projetos de transformação digital. “Na ponta de todo esse processo está a melhoria no serviço prestado aos consumidores”, afirmou Sgobbi. Essa é a nova revolução das teles.

ATRASOS E POLÊMICAS NA ÓRBITA DO 5G

Os benefícios do 5G têm sido exaltados com frequência por alguns setores do mercado e principalmente por integrantes do governo federal. Os avanços proporcionados pela nova tecnologia de internet de quinta geração são, de fato, inegáveis. Cirurgias remotas com precisão, carros autônomos, cidades inteligentes, internet das coisas (IoT) e outras usabilidades farão uma revolução na sociedade e na relação entre pessoas e máquinas. Tudo muito bonito. O problema é que o Brasil já está atrasado na implementação da infraestrutura necessária para tudo isso funcionar. Estudo da Phygitall, especializada em tecnologias LoRa, Wi-fi e Bluetooth, aponta que o 5G demore ao menos uma década para ser totalmente instalado no País. O que vemos é uma necessidade instantânea com um ritmo sonolento de preparação e execução.

E aqui vale um apontamento importante: a morosidade é do governo, já que as teles já preparam terreno para absorver tráfego maior e mais pesado de dados e aguardam as definições para investir ainda mais. Já foram dois adiamentos na divulgação oficial do edital de leilão do 5G brasileiro que colocam o País, apesar do potencial de estar na vanguarda, atrás de nações como Chipre, Kuwait, Peru e Uzbequistão.

Não bastasse o atraso, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou na segunda-feira (9) dezenas de irregularidades no edital, inclusive na precificação definida pela Anatel, de R$ 44 bilhões. Regras obscuras, inconsistentes e mal detalhadas são criticadas há tempos por especialistas e empresas do setor. Entre os apontamentos mais salientes do TCU estão o erro superestimado de antenas para frequência de 3,5 GHz, falta de previsão de conectividade em escolas e brechas para contratação sem licitação.

O edital será colocado em votação no TCU na próxima quarta-feira (18). Há possibilidade de pedido de vistas ou definição de alterações no texto, o que pode atrasar, pela terceira vez, a previsão do Ministério das Comunicações de colocar o edital na rua em outubro. O 5G tem por característica a baixa latência e alta velocidade. Mas os processos burocráticos para colocá-lo em prática andam em ritmo – em com as falhas – de internet discada.