Quando o químico americano Wallace Carrothers desenvolveu para a Dupont, na década de 1930, um novo polímero sintético, a empresa logo criou um nome comercial para a invenção, nylon, e tratou de buscar uma demanda para ele. O primeiro produto a chegar no mercado foi uma escova de dentes com cerdas de nylon, e havia a expectativa de que o material também pudesse substituir tecidos importados da Ásia. Mas veio a Segunda Guerra Mundial, e o nylon acabou se provando essencial nos esforços de combate, servindo para a fabricação de pára-quedas e de cabanas. A demanda foi tamanha que a empresa precisou redirecionar toda a produção para usos militares e interrompeu a fabricação de meias e de lingerie de nylon.

Na história dos negócios, não são raras as vezes que uma empresa viu as vendas de um de seus produtos decolarem por conta de uma demanda inesperada. No Brasil, as gigantescas filas que se formaram de pessoas interessadas em tomar a vacina contra a febre amarela poderia indicar que a Sanofi Pasteur, subsidiária de vacinas da farmacêutica francesa Sanofi, estaria comemorando uma grande explosão de negócios. Não é bem assim. A Sanofi, de faturamento anual de € 5 bilhões, dos quais o Brasil costuma representar pouco menos de 10% do total, é a principal fornecedora para as clínicas privadas de vacinas de febre amarela. Já o laboratório público Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, é o responsável pelo fornecimento ao Sistema Único de Saúde.

A empresa duplicou a produção com uma fábrica no norte da França e aumentou em 300% a importação no Brasil (Crédito:Divulgação)

Pelos cálculos do Ministério da Saúde, 20 milhões de pessoas, que vivem em áreas de riscos da doença, deverão ser imunizadas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Como os estoques das clínicas foi completamente esgotado, a Sanofi Pasteur se comprometeu a montar uma operação da guerra em todas as suas operações no mundo para importar um novo lote de Stamaril, o nome de sua vacina, até o fim deste mês. “É importante ressaltar que, diante do cenário atual da febre amarela no Brasil, a Sanofi Pasteur solicitou a aprovação em caráter excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a importação de um novo lote da vacina contra febre amarela com embalagem internacional, que foi concedida nas últimas semanas”, informou a empresa por meio de nota. “Tanto a Sanofi Pasteur quanto a Anvisa estão empreendendo todos os esforços possíveis para acelerar a importação e disponibilizar esta vacina o mais rapidamente possível, seguindo todas as normas e regras aplicáveis para o processo de importação e disponibilização das doses no mercado privado.” A empresa prevê que o lote estará disponível para comercialização em cerca de 30 dias.

A companhia vem se dedicando fortemente a enfrentar essa doença, nos últimos anos. Em 2014, a Sanofi Pasteur inaugurou uma unidade de produção de vacinas de febre amarela em Val de Reuil, na Normandia, no Norte da França, que dobrou a sua capacidade de produção. E, no ano passado, já houve um incremento de 300% na distribuição de doses para as clínicas privadas brasileiras, em relação a 2016.
O produto é altamente lucrativo. A Fiocruz, que produz a vacina por meio de um processo similar ao da Sanofi, informa que o governo paga R$ 3,50 por dose. Mas o custo das doses nas clínicas particulares varia entre R$ 130 e R$ 200. A Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC) aconselha que o preço máximo praticado deve ser de R$ 180.

A Sanofi não informa o seu custo de produção ou o preço de venda para as clínicas. De qualquer forma, trata-se de um bom negócio a todos envolvidos. Porém, esse mercado tem particularidades que não permitem muita comemoração. Na Sanofi, um surto inesperado como esse não é considerado uma grande oportunidade de negócios tão grande quanto poderia parecer. O problema é que a produção de um lote contra a febre amarela pode levar até 22 meses para ficar pronto. O processo envolve a inoculação do vírus vivo atenuado num ovo de galinha.

Corrida: mesmo brasileiros que não estavam no grupo de risco fizeram fila para tomar a vacina em São Paulo (Crédito:AFP Photo / Miguel Schincariol)

Dessa forma, quando a oferta está pronta, a alta procura já pode ter passado. “Toda a indústria produz vacinas de acordo com a média de demanda”, afirma Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC. “Se a empresa aumentar agora a produção, quando o lote estiver pronto, a procura terá diminuído, e vai precisar desprezar as doses.” Segundo a associação, as vacinas possuem dois anos de validade, mas, incluindo o período de importação e de aprovação pela Anvisa, costumam chegar às clínicas com apenas um ano para serem aplicadas. Esse pequeno período possível de comercialização, adicionado à cultura do brasileiro de só se vacinar quando existe um surto amplamente divulgado pela mídia, cria um problema para as empresas. “Havia estoque de vacinas de febre amarela no ano passado, mas ele acabou em três meses com o aumento do consumo”, diz Barbosa. “O lote não vai resolver o problema, porque não deve atender toda a fila de espera, e ainda se corre o risco de que seja necessário desprezar doses se a onda de vacinação já tiver terminada.”

É um risco que a empresa não pode se dar ao luxo de correr. A última grande inovação da Sanofi Pasteur foi a vacina para a dengue, chamada de Dengvaxia, apresentada em 2015. Dois anos depois, a companhia recomendou que ela fosse aplicada apenas em pessoas que tivessem contraído dengue anteriormente. O motivo foi a descoberta que os pacientes que tivessem uma infecção da doença após tomar a dose poderiam sofrer com uma contaminação mais intensa. A Filipinas, o primeiro país a fazer vacinação em massa contra a dengue, já havia aplicado doses a 733 mil crianças quando o problema foi divulgado. Envolta nessa polêmica, a Dengvaxia, que custou mais de 20 anos e US$ 1 bilhão para o seu desenvolvimento com a expectativa de se tornar um blockbuster, passou a ser um problema, capaz de trazer um prejuízo estimado de US$ 120 milhões no quarto trimestre de 2017. Boas vendas de vacinas de febre amarela no Brasil e uma forte campanha do governo francês de vacinação obrigatória em 2018, para conter os movimentos anti-vacinação, podem ajudar a cobrir as perdas.