Secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que guerra na Ucrânia elevou tensões geopolíticas a níveis não vistos desde a crise dos mísseis cubanos de 1962, durante a Guerra Fria. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse nesta segunda-feira (01/08) que a humanidade pode estar “a um mal-entendido, a um erro de cálculo da aniquilação nuclear”.

“Até agora, tivemos uma sorte extraordinária. Mas a sorte não é uma estratégia ou um escudo para evitar que as tensões geopolíticas se transformem num conflito nuclear”, frisou Guterres.

A fala ocorreu em Nova York, durante a abertura da 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear, assinado por 191 países e que entrou em vigor em 1970.

Segundo ele, a crise climática, as desigualdades gritantes, os conflitos, as violações dos direitos humanos e a devastação pessoal e econômica causada pela pandemia de covid-19 colocaram o mundo sob enorme estresse.

“A humanidade corre o risco de esquecer as lições aprendidas nas terríveis explosões de Hiroshima e Nagasaki”, disse Guterres.

Segundo ele, a guerra na Ucrânia elevou as tensões geopolíticas a níveis não vistos desde a crise dos mísseis cubanos de 1962, durante a Guerra Fria.

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Cerca de 13 mil armas nucleares em todo mundo

A conferência ocorre em um momento em que crescem as preocupações sobre a rápida aceitação do arsenal nuclear da China e a disseminação da tecnologia nuclear, especialmente no Irã e na Coreia do Norte.

“Em todo o mundo estão armazenadas cerca de 13 mil armas nucleares e isto num momento em que os riscos de proliferação aumentam e as salvaguardas para impedir essa escalada diminuem”, disse, referindo-se em particular às “crises” no Oriente Médio e na península coreana e à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Após ter sido adiada várias vezes desde 2020 devido à pandemia de covid-19, a conferência ocorre até 26 de agosto para revisar o tratado internacional.

Para Guterres, a reunião é uma “oportunidade para fortalecer o tratado e alinhá-lo com o mundo de hoje”. “Eliminar as armas nucleares é a única garantia de que nunca serão usadas”, afirmou.

Em janeiro deste ano, antes do começo da guerra na Ucrânia, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), todos potências nucleares, comprometeram-se em “impedir a disseminação” nuclear. Na última conferência, realizada em 2015, as partes não conseguiram chegar a um acordo sobre questões substantivas.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), referentes ao início de 2021, há nove países no mundo com armamento nuclear: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – os quatro últimos não fazem parte do pacto que 191 Estados assinaram.

O Sipri alertou em junho que os estoques mundiais de armas nucleares devem aumentar nos próximos anos, revertendo um declínio observado desde o fim da Guerra Fria.

Negociação entre EUA e Rússia

Numa declaração prévia à conferência, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que sua administração quer negociar rapidamente “uma nova estrutura de controlo de armas para substituir o Novo Start, quando este expirar em 2026”.

Implementado em 2011, o New Strategic Arms Reduction Treaty (Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas ou Novo Start) limita o número de armas nucleares dos Estados Unidos e da Rússia, sendo considerado o único acordo de controle de armas remanescente entre as duas potências.

No entanto, segundo Biden, a negociação de um acordo que substitua o Novo START exige “um parceiro disposto a operar de boa-fé”, referindo que “a agressão brutal e não provocada da Rússia na Ucrânia destruiu a paz na Europa e constitui um ataque aos princípios fundamentais da ordem internacional”.

“A Rússia deve demonstrar que está pronta para retomar o trabalho de controlo de armas nucleares com os Estados Unidos”, ressaltou Biden.

O presidente americano também reafirmou a sua intenção de voltar a liderar o acordo de 2015 sobre o programa nuclear do Irã, depois de o seu antecessor, Donald Trump, o ter abandonado em 2018.

Pressão contra Rússia

Em Nova York, a ministra alemã das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, pediu o desarmamento nuclear, apesar da crescente tensão geopolítica e da incerteza global.

“Esse objetivo pode parecer distante com a situação atual em que o mundo se encontra, mas nunca devemos perdê-lo de vista”, afirmou.

Segundo ela, “a brutal guerra de agressão da Rússia” foi um sinal claro de que “as armas nucleares são uma realidade amarga”.

O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, pediu a todos os Estados nucleares que se comportem “responsavelmente” nos esforços de não proliferação, em um momento em que, segundo ele, o caminho para um mundo sem armas nucleares se tornou muito mais difícil.

Estados Unidos, França e Reino Unido criticaram as ameaças de Putin de uso de armas nucleares em meio à invasão da Ucrânia.

“Após a guerra de agressão não provocada e ilegal da Rússia contra a Ucrânia, pedimos à Rússia que cesse sua retórica e comportamento nuclear irresponsável e perigoso, para manter seus compromissos internacionais”, disseram em comunicado.

“As armas nucleares, enquanto existirem, devem servir a propósitos defensivos, impedir a agressão e prevenir a guerra. Condenamos aqueles que usam ou ameaçam usar armas nucleares para coerção militar, intimidação e chantagem”, diz o comunicado.

Em uma carta dirigindo-se aos participantes da conferência, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que não pode haver vencedores em uma guerra nuclear e que essa guerra nunca deve ser iniciada.

(Lusa, AFP, AP, Reuters, dpa)