A Etiópia corre o risco de mergulhar em um círculo de violência sectária e vivenciar um êxodo em massa parecido com o ocorrido em agosto em Cabul se o conflito chegar à capital Adís Abeba, alertou um alto responsável da ONU.

Em entrevista à AFP, o subsecretário-geral de Assuntos Humanitários da ONU, Martin Griffiths, mostrou profunda preocupação com a estabilidade dessa nação de 115 milhões de habitantes de mais de 80 grupos étnicos diferentes.

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Na sua opinião, este conflito de mais de um ano desencadeou uma das crises humanitárias mais preocupantes do mundo e as necessidades aumentarão exponencialmente se a batalha chegar à capital.

“O pior, a partir de uma perspectiva humanitária, (seria) se houvesse uma batalha por Adis Abeba ou algum distúrbio ali, levando a um aumento da violência comunitária no país”, disse Griffiths.

“Se isso acontecer, estaríamos enfrentando algo que não enfrentamos há muitos, muitos anos. Enfrentaríamos a fratura (…) do tecido da Etiópia”, alertou.

O caos provocado por essa situação seria muito pior que o ocorrido nos últimos 13 meses, período em que milhares de pessoas morreram, dois milhões foram deslocadas e centenas de milhares caíram na fome, segundo as estimativas da ONU.

Evitar combates na capital

O conflito começou em novembro de 2020 quando o primeiro-ministro Abiy Ahmed enviou o exército para derrubar as autoridades da região do norte do Tigré, a Frente de Libertação do Povo do Tigré (TPLF).

Os rebeldes contra-atacaram meses depois, recuperando a maior parte do Tigré em junho e avançando para as regiões de Amhara e Afar.

O conflito deu uma virada brusca há um mês, quando a TPLF afirmou ter tomado pontos estratégicos a caminho da capital. Na semana passada, o próprio Abiy Ahmed foi para o front de batalha e o governo alega que recuperou o terreno.

Griffiths pediu o fim da violência.

Se os combates se aproximarem da capital, “devem evitar grandes alvos” como o aeroporto ou a própria cidade, com uma população de cinco milhões, “onde é inimaginável considerar uma batalha como essa”.

“A preocupação real e básica é que o conflito se transforme em violência sectária em diferentes partes do governo, em vez de um conflito entre o governo e grupos específicos (…). Isso tornaria tudo exponencialmente pior”, acrescentou.

 “Miséria”

A ONU pretende manter as linhas de ajuda, mas entre os expatriados cresce o medo de viver cenas parecidas com o caos da retirada do aeroporto de Cabul após o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão em agosto.

Temem “que possa acontecer a mesma coisa que aconteceu em Cabul”, afirma Griffiths. “Acredito que poderia (acontecer), mas espero que não”.

Griffiths indicou que 3 bilhões dos 41 bilhões de dólares exigidos pela ONU para ajuda emergencial para 2022 estão destinados a atender as necessidades da Etiópia, que provavelmente aumentarão.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse na semana passada que o número de pessoas necessitadas de sua ajuda no norte da Etiópia era de mais de nove milhões. Além disso, 400.000 podem estar passando fome.

Ao ser questionado se a fome que matou um milhão de etíopes em meados de 1980 pode se repetir, Griffiths respondeu que espera “que não voltemos a ver esse tipo de miséria”.