Ônibus e caminhões são responsáveis por cerca de metade da poluição atmosférica da região metropolitana de São Paulo, apesar de representarem apenas 5% da frota veicular, segundo um estudo publicado nesta segunda-feira, 16. O trabalho faz uma dissecação inédita dos poluentes que contaminam o ar da metrópole paulistana, permitindo separar o que foi emitido por veículos pesados, com motores a diesel, daquilo que foi gerado por veículos leves, como carros e motos.

Os resultados apontam para a instalação de filtros no escapamento dos ônibus como uma opção simples, rápida e barata de redução da poluição atmosférica na cidade. “As soluções existem, e não custam caro; mas são necessárias políticas públicas coerentes de longo prazo para serem implementadas”, diz o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade São Paulo (USP), que assina o estudo com outros seis cientistas brasileiros, na revista Scientific Reports. Segundo ele, há filtros no mercado que reduzem a emissão de poluentes dos ônibus em até 95%, a um custo de R$ 10 mil a R$ 20 mil por veículo. Só a cidade de São Paulo tem 14,5 mil ônibus, o que implicaria custo de até R$ 300 milhões. “Mas quanto vale a vida das milhares de pessoas que morrem ou ficam doentes todos os anos por causa da poluição?”, indaga Artaxo. Essa poluição pesada causa e agrava sobretudo problemas vasculares e respiratórios.

A aposentada Aparecida Pechini, de 69 anos, conhece bem o problema. Na casa dela, na Vila Leopoldina, zona oeste, “todo mundo” tem algum problema respiratório, como rinite ou tosse. “Está sempre muito poluído”, diz. Enquanto falava à reportagem, ela lavava o piso da garagem de casa, no qual se acumulava a fuligem preta. “Está vendo? De vez em quando tem que jogar água, senão não resolve. Chega a ficar oleoso”, relata. “Moro aqui há mais de 40 anos, e não era assim tão poluído o ar. Agora está pior.”

O assessor jurídico Roberto Marques, de 66 anos, também aponta a fuligem como um problema e descreve a situação como “péssima”. A garagem da sua casa, separada da rua apenas por um portão de ferro, é lavada todos os dias e, mesmo assim, as patas da cachorrinha da família ficam pretas. Com pelagem branca, a cadela costumava tomar banho a cada 15 dias, no máximo uma vez por semana. Ultimamente precisa ser ao menos limpa todos os dias. “É muita poluição, ao extremo.”

Essa fuligem é o que os pesquisadores chamam de “black carbon”, que é a “fumaça preta” expelida pelos escapamentos dos ônibus. Segundo o estudo, 47% dessa fuligem presente no ar paulistano é produzida pela combustão ineficiente de diesel nos motores de ônibus e caminhões que circulam pela Grande São Paulo.

“Foi surpreendente ver o papel dos veículos pesados”, diz o pesquisador Joel Brito, que fez o estudo na USP e hoje está na Universidade Clermont Auvergne, na França. “Eles têm um papel relevante em todos os poluentes que a gente analisou.” As emissões mais expressivas foram de material particulado, benzeno e tolueno – todos altamente tóxicos.

A pesquisa tem por base três meses de amostragem contínua do ar de São Paulo no topo de um prédio da Faculdade de Saúde Pública da USP, na Avenida Dr. Arnaldo, que faz parte do chamado “espigão da Paulista”, região mais alta do centro de São Paulo. Nesse ponto, apesar do maior tráfego de ônibus, é possível encontrar o ar que sobe de outras regiões. Do ponto de vista analítico, o grande diferencial foi usar o etanol como um “traçador” para diferenciar as emissões de veículos leves e pesados – já que apenas carros e motos utilizam etanol.

Segundo os cientistas, é a primeira vez que um estudo faz esse tipo de caracterização da poluição em “condições reais”. Normalmente, as estimativas são feitas com base em extrapolações de medidas de emissão em laboratório.

Trilhos

Especialistas também citam a expansão da malha ferroviária como peça-chave para a redução da poluição do ar em São Paulo, pelo fato de reduzir o número de veículos no asfalto. “O número de linhas de metrô ainda é pequeno, comparado a outras cidades de grande porte”, aponta Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, coordenador do curso de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.

Ele também critica o baixo custo de venda do óleo diesel. “O empresário conta no papel e não vê vantagem em colocar energia mais limpa”, diz. “O nosso transporte é baseado em decisões do século passado.”

Os veículos de médio e grande porte da frota de ônibus da cidade de São Paulo tem idade de 6 anos e 1 mês, segundo informações da São Paulo Transporte (SPTrans). A Secretaria de Mobilidade e Transportes destaca a lei municipal aprovada em janeiro que dá prazos para a redução de poluentes.

Prazo

No dia 17 de janeiro, o ex-prefeito João Doria (PSDB) sancionou a Lei 16.802/18, que dá prazos para a redução de poluentes para veículos de transporte público e de coleta de resíduos sólidos urbanos e hospitalares na capital paulista. O texto, impõe, por exemplo, prioridade na expansão da frota de trólebus.

No caso do dióxido de carbono (CO2), a redução da emissão deve ser de 50% até 2028 e de 100% até 2038. Já o óxido de nitrogênio e o dióxido de nitrogênio (NO2 e Nox) devem ser reduzidos em 80% nos próximos 10 anos e, em 95%, em até 20 anos. Por fim, a lei ainda determina a diminuição na emissão de material particulado (incluindo fuligem) em 90%, até 2028, e em 95%, até 2038.

Anteriormente estava em vigor a Lei 14.933/09, que instituiu a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo, determinando que a frota do transporte público deveria fazer a troca progressiva dos combustíveis fósseis até chegar a 100% dos veículos movidos a energia renovável não fóssil já em 2018.

Agora, a Prefeitura tem até julho do próximo ano para apresentar um “estudo dos cenários possíveis de redução de emissões da frota, mediante a implementação de uma rede abrangente de corredores com operação avançada e com prioridade para os veículos que operam em canaletas segregadas”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.