Correndo o risco de soar como se estivesse em plena era dos dinossauros – e aberto a críticas de quem supostamente entende o fenômeno – tenho procurado o racional por trás do investimento da Berkshire Hathaway no Nubank anunciado na semana passada. Sem encontrar.

Não quero ser mal interpretado. Acho que o Nubank é pioneiro no universo das fintechs e tem cumprido, com louvor, seu papel de chacoalhar o mercado de crédito direcionado ao varejo. Isso não é uma tarefa fácil em qualquer lugar do mundo, ainda mais no Brasil, com todas as barreiras de entrada que esse mercado oferece. Assim, não questiono de maneira nenhuma o racional de investir em uma empresa como a Nubank para quem se dedica ao mercado de inovação. O problema é que quem se dedica a esse mercado, em geral, não é value investor.

Há gente muito boa cuja especialidade é separar o joio do trigo e apostar nos vencedores. Esse pessoal entra no começo (e em outras fases do negócio) até que ele se estabeleça firmemente como um ‘going concern’, ou seja, um negócio viável em funcionamento pleno. Quando isso acontece, a empresa entra no universo elegível para os value investors. O Nubank, certamente, é um ‘going concern’. O problema é que, com as demonstrações financeiras que produz, não entraria no radar de nenhum value investor. Explico.

O negócio principal do Nubank é conceder crédito para pessoa física por meio de cartões. Seu atrativo é ser 100% digital, sem cobrar nenhum tipo de tarifas. Ganhou tração com a adesão de um público jovem que não se vê cliente de nenhum dos chamados “bancões”. Até aí, tudo bem.

Crédito é um negócio antigo, feito de maneira antiquada e assimétrico. O Nubank resolveu o primeiro quesito: faz um negócio antigo de maneira moderna. No entanto, não resolveu – e não vai resolver – o segundo: crédito é e sempre será assimétrico, e essa assimetria é cada vez mais acentuada para novos entrantes.

Por assimetria, quero dizer que o credor empresta um valor com a expectativa de receber de volta esse principal e uma parcela de juros. Se receber, seu ganho é a parcela de juros. Se não receber, perde o principal. Além disso, existe outra avaliação, tão importante quanto a primeira: a assimetria de informação. O novo entrante no mercado de crédito não conhece o tomador, diferentemente dos bancões que têm, em geral, o histórico completo da sua vida financeira. É nos bancões que se recebe (ou se para de receber) salários e outras rendas, além de outras informações estratégicas, como o financiamento imobiliário e o comportamento de crédito do tomador em geral.

O novo entrante não tem nada disso. E o que isso significa? Em crédito, isso se traduz em seleção adversa. Vai para o novo entrante aquele que não está sendo atendido nos bancões porque, entre outros motivos, é mau pagador. Assim, o negócio da Nubank, nesse momento, é executar um negócio antiquado de maneira moderna, perdendo dinheiro. E o balanço, até agora, é o reflexo disso. Desde 2017, entre perdas e constituição de provisão para perdas, o Nubank já acumulou quase R$ 2,3 bilhões, em uma carteira média de cerca de R$ 10 bilhões. Ou seja, a cada R$ 100 emprestados, o Nubank perdeu ou espera perder R$ 23.

Onde se encaixa a Berkshire Hathaway nesse negócio? A resposta simples é: não se encaixa. Claro, o valor do investimento é pequeno considerando o universo de Buffett. E, afinal de contas, o  moderno não pode ficar preso aos princípios que valiam na época de Graham e Dodd sob pena de desaparecer. Colocar dinheiro nesse balanço, porém, mesmo para um value investor moderno, é esticar a corda.

Pelo jeito Warren não estava olhando, e escapou. Acontece. O problema é que Buffett tem 90 anos e Charlie Munger, 93. Na última reunião de acionistas, Munger fez questão de dizer que, mesmo sem a presença dos dois, a cultura da Berkshire Hathaway é muito forte. Investimentos como esse me fazem questionar se isso realmente é verdade.

Para o Nubank, a recente aquisição da Easyinvest é um passo na direção correta. Um movimento de diversificação com sinergias nos negócios, amenizando a assimetria do crédito. Já a presença de Anitta no conselho do banco turbina ainda mais algo que eles já fazem muito melhor do que todos: o marketing. Ou seja: agrega bem menos (ou desagrega) à rentabilidade do negócio.

Na minha visão, a Easyinvest hoje é mais importante para o Nubank do que o Nubank para a Easyinvest. Também acredito que outros movimentos desse tipo devem acontecer. Além disso, a comunidade que o Nubank criou ao longo desses anos tem um valor intrínseco extraordinário e bastante difícil de calcular: são 35 milhões de pessoas que estão aprendendo a se relacionar com os bancos por meio dele. Esse pessoal pode, usando o jargão, não “valer crédito”, mas vale. Será essa a justificativa de investimento para o pessoal da Berkshire? O tempo vai dizer. Apesar de não se encaixar em nenhum parâmetro de value investing, o investimento poderá ser bastante lucrativo. E desejo ao pessoal da Nubank todo o sucesso do mundo: são excelentes profissionais comprometidos com uma boa causa num mercado que precisa de mudança.

Quanto à Berkshire, o teste de cultura está acontecendo. Movimentos como esse assustam a quem, no mercado, é sócio de Buffett. Espero que Munger esteja certo, mas muito curioso para ver os próximos capítulos dessa história.