Especialistas na área de saúde ouvidos pelo Estadão foram unânimes ao criticar a migração do Estado de São Paulo da fase emergencial para a fase vermelha do plano paulista de combate à covid-19. A mudança foi anunciada nesta sexta-feira, 9, pela gestão João Doria (PSDB), que afirmou que a medida não significa um “relaxamento” das restrições. Para médicos e cientistas, os números de casos, internações e mortes ainda estão elevados e as diminuições apontadas pela gestão estadual são flutuações, com risco de nova alta de infectados.

“Foi uma medida incompreensível. Você ainda assiste a uma pressão muito grande sobre os serviços de saúde, então não tem sentido. Se a fase emergencial foi bem sucedida, por que os números não diminuem?”, questiona Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Embora tenham sido colocadas medidas de restrição, o isolamento social foi muito baixo. Não adianta só o governo colocar medidas restritivas, mas precisa que a população respeite.”

Na tarde desta sexta, o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) justificou que a mudança para a fase vermelha foi feita com base em uma tendência de melhora. Os índices usados por ele para fundamentar a medida são o aumento da vacinação no Estado e a ampliação de leitos de UTI, que mesmo após a abertura de 6,5 mil novas vagas nos últimos 90 dias, se manteve com taxa de ocupação acima dos 90% no início desta semana. Ele ainda citou o aumento do isolamento social, que ainda na quarta-feira, 7, estava em apenas 44%, bem abaixo do ideal do nível de 60% almejado pelo governo.

“Se você continua vendo as pessoas circulando, não só por festas e reuniões, mas no transporte coletivo e nas ruas, não dá pra dizer que houve lockdown ou restrição muito grande”, aponta Weissmann. Walter Cintra, professor de Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde da FGV, concorda com o colega. “Está mantido o toque de recolher, mas a sensação é que ele não tem sido muito respeitado. Precisaríamos de medidas mais duras para provocar uma redução significativa em óbitos, casos e ocupação de UTI.”

Apenas nesta sexta, o Estado registrou 1.008 mortes pela covid nas últimas 24 horas, chegando ao total de 81.750 vítimas da doença. No mesmo período, foram registrados 20.701 novos testes positivos, totalizando 2.618.067 infectados desde o início da pandemia. “Não é mais uma questão de saúde pública, mas funerária”, alerta Domingos Alves, professor de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.

Na fase vermelha, restaurantes podem retomar os serviços de take away e drive-thru, mas sem receber clientes no espaço interno, e escolas serão autorizadas a reabrir. Lojas, shoppings e cultos religiosos coletivos estao vetados. Como o Estadão adiantou, membros do Centro de Contingência da Covid haviam indicado que o Estado permanecesse pelo menos mais uma semana na fase emergencial.

“É mais uma decisão lamentável do governo. O cenário que se apresenta hoje no Estado é um em que as medidas de restrição deveriam ser exacerbadas, e não relaxadas”, defende Alves. “As tais melhorias nos indicadores citadas para justificar a medida podem ser entendidas como pequenas flutuações, não relacionadas à fase emergencial, mas sim associadas à própria dinâmica do vírus.”

Cintra também frisa que a taxa de ocupação de 88,3% nos leitos de UTI do Estado registrada nesta sexta é muito próxima de 90%. “Consideramos quase uma ocupação plena. Com base nisso, não daria para relaxar absolutamente nada. Entendo que haja pressão política muito grande, mas eu aguardaria no mínimo uma semana para ver se esses números caem.”

Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), avalia que a medida foi tomada com base na pressão pela reabertura. “Atividades econômicas pesam bastante e não temos uma rede de apoio suficiente para manter o comércio funcionando com pessoas em casa, mas são os dois lados da moeda. Se flexibilizar mais cedo, temos mais casos. Se demoramos muito, impactamos a saúde econômica e a fome.”