Se você nunca esbarrou com um esqueleto de concreto em sua cidade, deve ser uma pessoa muito desatenta. Por todo o País, obras abandonadas se multiplicam a uma velocidade impressionante. São 14,4 mil construções públicas paralisadas, que já consumiram cerca de R$ 10 bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Apenas 3% das obras foram interrompidas por decisões judiciais ou do próprio tribunal. Todo o resto está se transformando em escombros devido a projetos deficientes, interrupção do fluxo financeiro e problemas de gestão.

São impasses históricos, mas que foram acentuados fortemente nos últimos anos com a penúria fiscal de estados e municípios, uma situação longe de ser resolvida. Para entregar os projetos, seriam necessários investimentos de R$ 132 bilhões. A cifra revela o tamanho do desafio para reverter a estagnação do setor, que se estende desde o segundo trimestre de 2014. Não há sinais de recuperação. No PIB do primeiro trimestre, a construção teve o segundo pior desempenho entre todas as atividades, com retração de 2,2%. Só não foi a última porque a indústria extrativa foi impactada pelo crime ambiental de Brumadinho.

Impasse: Transnordestina é outro exemplo de má gestão. Construção da ferrovia começou há 13 anos e foi paralisada por problemas financeiros (Crédito:Divulgação)

A construção é considerada uma alavanca de crescimento pela capacidade de estimular uma cadeia extensa de fornecedores e devido ao potencial empregador, atrás apenas do comércio. O setor representa cerca de metade da taxa de investimento do País, apontado como um dos principais remédios para ampliar a capacidade de avanço da economia e evitar vôos de galinha, impulsionados demasiadamente por uma possível alta no consumo. Pelas projeções, há risco de mais um resultado negativo em 2019, o que representaria a sexta queda anual seguida no PIB da construção. O nível de atividade está 30% abaixo do início da crise, com uma perda acumulada de mais de 1 milhão de empregos.

A parcela pública é a face mais evidente da apatia. Os recursos federais disponíveis para investimento caíram pela metade desde 2014 e seguem ladeira abaixo, cada vez menores por conta das restrições do teto de gastos. Nos Estados, a redução foi de 40% no mesmo período. Não faltam exemplos de impactos pelo País. No Nordeste, o Canal do Sertão Alagoano retrata como os problemas históricos se acentuam na atual conjuntura de crise. Com 75% de avanço físico, o projeto, iniciado há 27 anos, precisará de outros R$ 2,5 bilhões para cumprir o prometido: transformar o Sertão e o Agreste do Estado em pólos hortifrutigranjeiros. Não é possível saber quando será concluído.

Na cidade de São Paulo, o esqueleto do monotrilho tumultua a paisagem na principal via da capital. A obra foi iniciada em 2009 e deveria estar pronta em 2012. Após a paralisação, será finalizada, no cenário mais otimista, em 2020. “O País cresceu por 15 anos. De uma hora para outra, houve uma queda violenta. A crise fez com que a receita dos municípios voltasse ao mesmo patamar de 10 ou 15 anos atrás”, afirma o presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), Antônio Roque Citadini.

Citadini, do tribunal de conta de SP: crise fez com que a receita dos municípios voltasse à casa de 15 anos atrás e reduziu recursos para infraestrutura (Crédito:Divulgação)

Conta também o desejo político de governantes de começar os próprios projetos sem terminar os da gestão anterior. “É preciso ter em mente que obra parada é uma despesa permanente para o estado.” Um levantamento do tribunal mapeou 1.677 obras de infraestrutura estagnadas no estado, num total de quase R$ 50 bilhões em investimentos. São projetos de melhorias em estações de trem da CPTM, expansão do metrô, de rodovias, saneamento básico, creches e hospitais, entre outras.

Os levantamentos se restringem apenas à parcela pública da construção. A perda de entusiasmo no setor privado indica que dificilmente será possível compensar a apatia estatal. Em maio, o Índice de Confiança da Construção (ICST), da FGV, caiu para 80,7 pontos, o menor nível desde setembro do ano passado (80,4 pontos). O motivo do desânimo dos construtores é o baixo crescimento do país, o contingenciamento de recursos orçamentários e o aumento das incertezas políticas.

“A percepção vigente na virada do ano, de que havia uma melhora lenta, mas contínua no ambiente de negócios, deu lugar a um pessimismo, cada vez mais disseminado entre os segmentos do setor”, afirma Ana Maria Castelo, Coordenadora de Projetos da Construção da FGV IBRE. Os projetos de concessão e privatização têm o potencial de injetar ânimo nos empresários do setor. O governo anunciou, no fim de maio, a inclusão de 59 projetos em seu plano de concessões e espera, em 30 anos, levantar mais de R$ 1 trilhão. O problema é tirá-los do papel.

Cury, do Sinduscon: liberação do FGTS para aquecer economia pode gerar redução dos investimentos em habitação e acentuar crise (Crédito:Divulgação)

No Sindicato das Indústrias de Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), os problema do setor são acompanhados com lupa. Assim como em outras áreas da economia, a retomada depende de fatores como a aprovação da Reforma da Previdência e do alívio fiscal para estados e municípios. Mesmo se tudo ocorrer como deseja o ministro Paulo Guedes, a melhora não será tão rápida e os avanços devem ser sentidos apenas no próximo ano, estima o Sinduscon. “Obras de infraestrutura dependem de dinheiro do Tesouro e o governo está sem dinheiro. O País não tem como investir”, afirma Ronaldo Cury, vice-presidente do sindicato.

Além das obras de infraestrutura, Cury está de olhos atentos às mudanças que o governo federal pretende fazer no Minha Casa Minha Vida. Com 10 anos de existência, o programa já contratou mais de 5,5 milhões de moradias, tendo entregue 4 milhões. A atenção se justifica porque os pagamentos das obras em andamento estão atrasados por parte do governo federal. Em reunião com as construtoras em São Paulo, o secretário Nacional da Habitação, Celso Matsuda, afirmou que os R$ 800 milhões liberados no início de maio pelo Ministério da Economia deverão colocar os repasses em dia ainda em junho.

Se a arrecadação aumentar é possível que novas contratações sejam feitas até o fim do ano. Mas, por hora, a prioridade é retomar as obras paralisadas. Na terça-feira 4, o governo confirmou que deve mudar o nome do programa e dividi-lo em outros dois — um destinado às famílias de baixíssima renda e outro destinado àquelas de baixa e média renda. “Pode mudar de nome, corrigir imperfeições, mas manter o programa é fundamental, existe uma demanda enorme no país”, lamenta Cury.

O repasse das verbas em maio foi visto como um alívio momentâneo, uma vez que o desafio agora é assegurar um volume expressivo de contratações de empreendimentos para famílias de mais baixa renda. Sem os novos contratos, o sindicato acredita que há um forte risco de aumentarem as ocupações de terrenos e edifícios abandonados, além da multiplicação de moradias precárias em favelas. Cury ressalta que o setor também teme a possível liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para estimular a economia. A medida pode reduzir os investimentos em habitação, saneamento e mobilidade urbana no curto prazo. “É uma medida ruim para o cliente. Vai ficar impossível para ele comprar um imóvel”.

ALÍVIO Em meio a números tão negativos, os dados apresentados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) deram alguma esperança. No segmento imobiliário, de janeiro a março, houve um aumento de 9,7% nas vendas de unidades e de 4,2% nos lançamentos de novas casas e apartamentos, em relação ao mesmo período de 2018. Segundo o presidente da CBIC, José Carlos Martins, há uma tendência clara no aumento dos lançamentos e de vendas. “Os lançamentos ainda não estão adequados à venda, por isso temos o estoque em queda.” Ele acredita que a aprovação da reforma da Previdência deve dar mais segurança para o empresário e para o consumidor investirem, movimentando o mercado e o aumentando o número de postos de trabalho.

O pensamento está alinhado ao de Celso Petrucci, vice-presidente de Indústria Imobiliária da CBIC: “Acredito que possamos ter um crescimento de 10% a 15% do mercado, se as reformas se encaminharem. Mas se houver problemas, a reversão de expectativas das empresas e das pessoas vai gerar um impacto significativo.” Ainda que a recuperação seja mais rápida nos projetos imobiliários, é importante lembrar que o peso do segmento é menor se comparado à construção pesada. Talvez insuficiente para tracionar o PIB de novo.