Como é estranho esse setor aeronáutico brasileiro. Para começar, é formado por uma empresa só, a Embraer. Solitária em seu campo de atuação, é a maior exportadora do País e, caso único no Brasil, possui posição de liderança mundial em um mercado de alta tecnologia. Sozinha ela é capaz de mexer com a balança comercial brasileira e provocar crises diplomáticas com outros países. Até nas políticas definidas pela Organização Mundial de Comércio (OMC), a empresa interfere. Isso tudo levou o setor às manchetes dos jornais quase diariamente nos últimos tempos. Para o bem ou para o mal, em 2001 e nos anos seguintes os holofotes continuarão acesos sobre a Embraer. De um lado, as diferenças com o Canadá estão longe de receber um ponto final. Por outro, a companhia brasileira tem planos ambiciosos de crescimento e, por tabela, vontade de investir. A meta é aumentar as vendas externas em 50%, para US$ 4,5 bilhões. ?Vamos exportar como nunca, com ou sem o Proex?, diz Maurício Botelho, presidente da Embraer, referindo-se ao programa brasileiro de incentivo às exportações, que sofre um bombardeio da OMC.

Os próximos cinco anos prometem ser de céu de brigadeiro para a Embraer. Nesse período, a companhia quer conquistar um saldo de US$ 9 bilhões em sua balança comercial. A previsão é baseada nas encomendas em carteira, que somam US$ 23,3 bilhões. Desse total, US$ 11 bilhões são pedidos firmes, ou seja, parcialmente quitados. Os US$ 12,3 bilhões restantes são opções, que podem ser exercidas ou não. Uma das grandes apostas da Embraer são os jatos executivos lançados em 2000. Já foram vendidas 66 unidades, todas para o exterior, que começam a ser entregues em agosto de 2001. ?Fabricar jatinhos é uma maneira de desconcentrar a produção?, explica Botelho. ?Hoje, 92% da nossa receita vem da fabricação de aviões regionais.?

O Legacy executivo, capaz de cobrir o percurso de São Paulo a Miami com apenas uma parada em Manaus, custa US$ 19 milhões, metade de seu concorrente direto, o modelo Gulfstream IV, fabricado pela maior rival, a canadense Bombardier. ?O Legacy tem uma cabine confortável, com capacidade para transportar até 10 passageiros e voa a uma altura de 11,5 mil metros, acima do tráfego comercial. Ou seja, sofre menos com turbulências?, disse Botelho, com ares de vendedor de carros. O maior mercado de jatinhos é o americano, com uma frota de 6,5 mil aeronaves. O México vem em segundo lugar, com 500 jatos, e o Brasil em terceiro, com uma frota de 400 aeronaves.

A empresa também desenvolve aviões para a Força Aérea Brasileira, negócio que representa 6% das receitas. A companhia está desenvolvendo jatos de patrulha marítima, sensoriamento remoto, aeronaves de ataque e de alerta aéreo avançado. No próximo ano, entregará duas unidades para o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).

Para dar conta desses planos, a Embraer prepara a expansão de sua capacidade produtiva. O lance mais importante é a inauguração da fábrica em Gavião Peixoto, pequena cidade no interior de São Paulo. A Embraer investiu US$ 150 milhões na unidade, que será utilizada na montagem final de aeronaves. O local terá também uma pista de testes de cinco quilômetros de extensão. ?Hoje alguns testes são feitos nos Estados Unidos. A construção da pista vai baratear nossos custos?, diz Botelho.

Outra fábrica, localizada em Botucatu, está sendo expandida e reestruturada. A unidade, que antes só fabricava aviões leves, hoje também fornece peças para a fábrica de São José dos Campos. Com a mudança, o número de funcionários quintuplicou nos últimos três anos, para mil pessoas. As mudanças permitirão que a Embraer produza 240 aeronaves em 2001, volume 50% a mais do que este ano.

 

O florescimento dos negócios da Embraer promete mudar o mapa da indústria e do emprego na região de São José dos Campos. Calcula-se que, com a inauguração da fábrica de Gavião Peixoto, sejam gerados 4,5 mil empregos (3 mil diretos e 1,5 mil vagas dos fornecedores), o equivalente à população total da cidade, que fica a 315 quilômetros de São Paulo. Em Araraquara, a Prefeitura já estuda a criação de cursos técnicos de formação de mão-de-obra especializada para atender a Embraer.

O governo convidou 14 fornecedores para se instalarem na região, e seis multinacionais já confirmaram presença: a belga Sonaca, as americanas Parker Hannifin, C&V Interiors, Pilkington e NMF, a francesa Latecoere e a israelense Cyclone. ?Estamos estimulando a vinda de fornecedores para o Brasil. Assim, melhoramos a logística das peças e a balança comercial do País?, diz Botelho.

A belga Sonaca, por exemplo, investiu US$ 2 milhões em sua fábrica de São José dos Campos. A unidade produz partes da fuselagem dos jatos ERJ-145 e ERJ-135. A Embraer fechou contratos de risco com seus fornecedores. Eles investem no desenvolvimento de peças e só recebem o pagamento depois que a aeronave é vendida. O contrato de risco se mostrou um bom negócio até agora. O acordo para o fornecimento de peças para o jato ERJ-145 previa a venda de 400 unidades. Hoje a carteira de pedidos é de 1.250 aeronaves.