Tornou-se rotina na tevê imagens de operações da Polícia Federal e de outros órgãos para apreensão de produtos contrabandeados no mercado brasileiro. Camisetas, eletrônicos e medicamentos são alguns dos itens adquiridos no comércio legal e ilegal e que cruzam, sem dificuldades, os 16 mil quilômetros de fronteiras pelo País. O prejuízo com a falsificação, o contrabando e a concorrência desleal chegou a R$ 255 bilhões entre janeiro de 2019 e o mesmo mês de 2020, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). A cifra engloba evasão fiscal e a perda de faturamento das indústrias. E nem mesmo o fechamento da Ponte Internacional da Amizade – ligação entre o Brasil e o Paraguai – e a redução das atividades em outros pontos de entrada de mercadorias no País (portos e aeroportos), por causa da pandemia, impediu que alguns setores constatassem o aumento da atuação dos contrabandistas durante a quarentena, impulsionado fortemente por meios virtuais. Com o distanciamento social, segundo a ABCF, houve incremento de até 200% nas vendas de produtos ilegais por meio de plataformas de e-commerce, que, antes mesmo do advento da Covid-19, geravam prejuízos anuais superiores a R$ 30 bilhões.

O comércio digital se tornou, para muitos brasileiros, o único meio de acesso a determinados produtos durante a pandemia devido à proibição de funcionamento do comércio local. Diante da situação, as quadrilhas de falsificadores e contrabandistas se aproveitam para expandir os volumes e tipos de produtos comercializados on-line, o que também aumenta os prejuízos das indústrias vítimas da concorrência desleal, assim como a arrecadação de impostos. Já nas fronteiras a menor quantidade de pessoas circulando aliada a um menor número de agentes públicos (muitos órgãos trabalham em regime de plantão na pandemia) criaram a situação ideal para a entrada de produtos falsificados e contrabandeados no mercado brasileiro, além de facilitar o escoamento e distribuição.

Para a ABCF, a crise econômica decorrente do coronavírus, que causou a demissão e a extinção de postos de trabalhos formais, levou a maioria desses brasileiros à informalidade, o que criou o cenário perfeito para o crescimento no volume de produtos ilegais, assim como um aumento na sonegação de tributos. “A alta carga tributária que incide sobre os produtos legais e originais fabricados no Brasil é um convite às quadrilhas e falsificadores no Brasil e países limítrofes”, disse Rodolpho Ramazzini, diretor da entidade. “Somente com uma revisão da carga tributária, aliado a um controle mais efetivo de nossos portos e fronteiras, poderemos alcançar grandes resultados no combate aos contrabandistas e falsificadores.”

CIGARROS EM QUEDA Na contramão do aumento do contrabando de outros produtos, entrada de tabaco ilegal registrou queda no período da pandemia. (Crédito:Divulgação)

Pelo menos um segmento econômico, no entanto, viu na pandemia o estrago do contrabando diminuir. A indústria tabagista. O prejuízo anual causado pelo comércio ilegal chega a R$ 15,9 bilhões no segmento. Dados da Polícia Rodoviária Federal e da Receita Federal apontam aumentos superiores a 800% nas apreensões de cigarros contrabandeados durante a pandemia. As apreensões impactaram positivamente. Em processo de mudança de nome para BAT Brasil – em referência ao grupo controlador British American Tobacco –, a fabricante de cigarros Souza Cruz deve encerrar o ano com aumento nas vendas (4% ou até mais dependendo do desempenho nos últimos dois meses do ano), para 40 bilhões de unidades, algo que não acontecia havia quase uma década (71,9 bilhões em 2010). No ano passado, foram negociadas 38,4 bilhões. O fechamento da fronteira com o Paraguai reduziu a oferta do cigarro ilegal no País, de 57% no fim de 2019 para 51% em agosto de 2020, segundo a Kantar Worldpanel.

VENTO A FAVOR Mesmo com a variação positiva, o estrago é imenso. Em 2010, o produto contrabandeado respondia por 26% do mercado. “O Paraguai produz algo em torno de 67 bilhões de unidades por ano, mas a demanda interna não passa de 2,3 bilhões. Grande parte é exportada e imensa parte vem para o Brasil”, afirmou Ricardo Guia, diretor financeiro da BAT Brasil. Além do fechamento da fronteira, que reduziu a concorrência do cigarro ilegal no mercado interno, a BAT Brasil acabou beneficiada pela alta de 186% nas exportações entre janeiro e setembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019, em decorrência da suspensão temporária das atividades em outros mercados, somada à valorização do dólar.

Mas a queda do contrabando pode ser temporária. Com a reabertura da Ponte da Amizade no último dia 15, o executivo acredita que possa ocorrer algum aumento do mercado ilícito, principalmente pela normalização da produção das fábricas no Paraguai. “É de se esperar que haja algum tipo de recrudescimento.” Guia está calejado e sabe que onde há fumaça há fogo.